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Do topo do mundo, a maior rede de telescópios do planeta investiga início do universo

VEJA visitou o Atacama Large Milimiter Array, o maior projeto astronômico em construção do planeta, a 5.000 metros de altitude no Deserto do Atacama

Por Marco Túlio Pires, do Deserto do Atacama, Chile
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h47 - Publicado em 5 fev 2012, 14h40

Quem visita o Platô de Chajnantor, a 5.100 metros de altitude no Deserto do Atacama, no Chile, recebe uma pequena lata de oxigênio. É uma forma de atenuar os efeitos da grande altitude, onde o ar é mais rarefeito. O local extremamente seco e inóspito à vida é, contudo, um dos melhores lugares para a astronomia submilimétrica, um braço da disciplina que estuda os mais frios e distantes objetos do universo. O platô chileno é o palco do maior projeto astronômico em construção do planeta, a rede de radiotelescópios ALMA (Atacama Large Millimiter Array). O projeto de um bilhão de dólares foi financiado em conjunto por instituições dos Estados Unidos, Canadá, Europa, Japão, Taiwan e Chile. Quando for concluído, no fim de 2012, o ALMA terá 66 antenas com pratos entre sete e 12 metros de diâmetro separadas por distâncias que variam entre 150 metros e 16 quilômetros. Com apenas um terço da capacidade instalada – 22 antenas – ele já é o mais poderoso radiotelescópio submilimétrico. O ALMA está em atividade desde setembro de 2011 e é procurado por astrônomos do mundo inteiro, inclusive brasileiros.

O ALMA está sendo construído em um lugar tão extremo por razões muito específicas. “As partículas de água são as maiores inimigas da astronomia submilimétrica”, diz Fabio Marchet, gerente de projetos do Observatório Europeu do Sul (ESO), o braço europeu do projeto. “Elas distorcem as ondas nessa faixa e dificultam a observação.” Observatórios como o ALMA precisam ser construídos em locais secos, frios e de condições climáticas estáveis. Até agora, os cientistas identificaram apenas alguns lugares no mundo com essas características: Antártida; Mauna Kea, no Havaí; Hanla, na Índia; e o Platô Chajnantor, no Chile, lar do ALMA. “Queremos ter a menor quantidade de água possível entre os astros e nossas antenas”, diz Alison Peck, coordenadora científica do ALMA. “Isso só é possível em lugares muito altos ou muitos secos”, diz. “Aqui, temos os dois.” A umidade relativa do ar ali é de 5%. Brasília, em seus dias mais secos, cai para em torno de 20% – o normal é acima de 80%.

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ASTRONOMIA SUBMILIMÉTRICA

Braço da astronomia que conduz observações de ondas que ficam entre o infravermelho e as micro-ondas no espectro eletromagnético. Nessa faixa, os astrônomos conseguem observar berçários de estrelas e o núcleo de nuvens escuras, com o objetivo de entender o processo de formação dos astros. Além disso, as observações também tentam determinar os mecanismos de formação e evolução das galáxias.

Falta de ar – As condições ideais para a observação astronômica não são muito favoráveis à atividade humana. Alguns dos engenheiros e cientistas que trabalham a 5.000 metros de altura, no pátio onde está a rede de antenas, andam com um tubo de oxigênio grudado no corpo. A falta do gás provoca cansaço, tonteira e pode causar danos cerebrais. “É importante pegar leve e não fazer nenhum esforço grande”, diz Alejandro Saej, engenheiro eletrônico responsável por uma das áreas do supercomputador que processa os dados do ALMA.

O engenheiro eletrônico nasceu no Chile, no nível do mar, e diz que foi difícil acostumar com a altura. Há sete anos trabalha no ALMA. “O mais assustador é que a falta de oxigênio pode causar danos no cérebro”, diz. É por isso que Saej trabalha o tempo todo com um balão de oxigênio nas costas, enquanto estiver no topo da montanha. “No início me senti cansado e zonzo, mas depois o organismo se adapta. Hoje me sinto normal”, diz.

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Supercomputador – Com 66 antenas capturando informações 24 horas por dia (por enxergar em faixas invisíveis do espectro, o ALMA não precisa esperar a noite para iniciar as observações, como os telescópios óticos) não é de estranhar que exista um supercomputador para mastigar essas informações de modo que elas façam sentido para os pesquisadores. “É um computador de 32.000 núcleos desenvolvido especialmente para o ALMA”, diz Marchet. “A 5.100 metros de altura os processadores perdem 50% da capacidade de dissipação de calor em relação ao nível do mar”, diz. Além disso o equipamento precisa ser especialmente construído para suportar raios cósmicos, à maneira dos instrumentos que são enviados ao espaço.

O supercomputador é dividido em quatro sessões. “Cada uma dá conta de 16 antenas”, diz Marchet. O sistema é tão robusto que consegue ‘se consertar’ automaticamente: um programa verifica a consistência da memória e, se preciso, corrige e reinstala o software defeituoso sozinho. “É algo que acontece uma vez por dia”, diz Saej. De acordo com Marchet, a sincronia das antenas é crucial para o sucesso da observação. “É um processo delicado que envolve a conexão de cabos especiais e a participação de uma equipe de engenheiros quando as antenas precisam mudar de lugar.” A harmonia da rede produz uma transmissão de dados impressionante: “cada antena transfere o equivalente a dois DVDs por segundo”, diz Marchet.

Antenado – Cada antena do ALMA é um massivo bloco de aço e fibra de carbono de 100 toneladas. “Elas são pré-montadas na Europa e chegam aqui em partes”, diz Silvio Rossi, engenheiro eletrônico responsável por uma das equipes que monta as antenas no próprio complexo do ALMA, 2.000 metros abaixo do platô de observação. As peças demoram entre quatro e cinco semanas para atravessar o Atlântico e chegar ao platô. “O ESO tem um acordo especial com o governo chileno para a importação dos equipamentos. Isso acelera o processo”, diz Rossi.

De acordo com o engenheiro o maior desafio é montar as peças para que elas tenham a mais absoluta precisão, da ordem de mícrons. Isso quer dizer que a superfície dos pratos consegue receber e direcionar as ondas submilimétricas sem distorções. “O prato é feito de fibra de carbono, que é mais estável nas temperaturas do deserto”, explica Rossi. De acordo com o engenheiro, as antenas têm vida útil de 30 anos, mas precisam de manutenção de tempos em tempos.

“Cada estrutura demora, em média, três meses para ficar pronta e mais um mês para ser certificada”, conta. No local, sempre há duas antenas passando por processo de construção e certificação. As antenas possuem uma pequena estação meteorológica que mede a umidade do ar e a velocidade dos ventos. Todo o sistema da estrutura é controlado por computador.

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Berçário do universo – Das 120 pessoas que trabalham no complexo, 30 são cientistas, explica Alison, coordenadora científica do ALMA. Ela é especialista em gases liberados pelos buracos-negros. “Gosto de coisas com muita energia”, brinca. A rotina de trabalho no ALMA segue o mesmo esquema de outros observatórios do ESO. A equipe científica pode ficar, no máximo, uma semana seguida no deserto. A equipe de engenharia trabalha seis dias no deserto e folga outros nove.

As antenas do ALMA

Ao todo serão 66. A construção foi dividida entre Estados Unidos, Europa e Japão

Fonte: ESO

Alison diz que, mesmo com um terço da capacidade, o ALMA é o melhor radiotelescópio do tipo no mundo. A astrônoma resume a potência do projeto com uma metáfora: “Quando estiver pronto, o ALMA vai conseguir enxergar por um buraco de fechadura tão pequeno quanto uma moeda na superfície da Lua vista da Terra.”

O grupo já recebeu 900 propostas de uso enviadas por cientistas de todo o planeta em 2011, e 100 já foram aceitas para 2012. A maior parte das propostas, explica a Alison, é sobre a formação de estrelas. “Os astrônomos querem estudar as nuvens de gás que ficam densas e se transformam em estrelas”, diz. “O processo é difícil de entender com telescópios óticos porque esse gás é frio e, portanto, invisível para eles”, conta Alison. O ALMA, contudo, permite entender melhor esses processos.

Outro assunto muito procurado pelos cientistas envolve a formação de planetas. “Não sabemos quantas estrelas têm planetas e onde esses planetas estão”, diz. “O ALMA permite estudar quais são as condições que leva a formação de planetas em volta das estrelas”. É o caso de uma equipe internacional de astrobiologia, dirigida por brasileiros.

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ALMA

Instalado a 5.100 metros de altitude, a 30 quilômetros da cidade de São Pedro do Atacama, no Chile, fica no Platô Chajnantor, no Deserto do Atacama. É o maior radiotelescópio do planeta. Isso quer dizer que ele consegue enxergar o universo em frequências invisíveis, revelando detalhes sobre as formações astronômicas imperceptíveis aos telescópios óticos. O ALMA funciona com uma rede de antenas (em vez de telescópios óticos, com espelhos, como o E-ELT) que captam o sinal emitido por astros. É também por isso que ele funciona tanto de noite quanto de dia.

E-ELT

O Extremely Large Telescope será o sucessor do maior telescópio do mundo, o VLT (Very Large Telescope). Será construído a 20 quilômetros do Observatório do Paranal. Ele terá uma visão além do alcance da astronomia de hoje: vai tirar fotos das atmosferas de planetas fora do sistema solar e observar com detalhes inéditos o nascimento de estrelas no coração da Via Láctea. Quando ficar pronto, no início de 2021, ficará no Cerro Armazones, a 130 quilômetros da cidade chilena de Antofagasta.

Eles vão aproveitar a próxima rodada de projetos do ALMA para tentar observar protodiscos planetários – discos de poeira em volta de estrelas jovens onde há a matéria que vai gerar os mundos futuros. “Há certamente planetas em formação nesses protodiscos e faremos um mapeamento deles”, disse Eduardo Janot, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira, um dos brasileiros envolvidos na proposta. Por enquanto, os cientistas estão selecionando os melhores alvos para a observação.

A porção biológica do projeto é coordenada pela astrobióloga Cláudia Lage, pós-doutora em genômica pela Universidade de São Paulo e atualmente professora do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O grupo quer analisar a transição de moléculas necessárias para a formação de vida. “A imagem desses protodiscos vai nos permitir investigar quais deles teriam a possibilidade de gerar moléculas que podem levar à formação de vida posteriormente”, explica Cláudia.

O maior atrativo do ALMA, de acordo com Cláudia, é a gigantesca resolução e sensibilidade da rede de antenas. “Os sistemas que existem não conseguem oferecer o mesmo nível de definição para observarmos a presença de moléculas que tem relevância biológica”, explica a astrobióloga. A ideia é entender se esses protodiscos são os reservatórios universais do carbono que pode levar à formação de vida no cosmo. “Vamos encaminhar o projeto em abril”, diz.

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Tempo cósmico – Alison explica que o ALMA ajudará a compreender como as galáxias evoluíram para se tornar o que são hoje. Quando o ALMA estiver completo será possível “voltar no tempo” e estudar o universo com apenas 10% da expansão atual. Na atual configuração, com 22 antenas, é possível estudar as galáxias próximas da Via Láctea, que pertencem ao grupo local.

Dentro da galáxia, a precisão do ALMA permite acompanhar o nascimento de uma estrela. “Fora da galáxia vemos padrões de formação de estrelas em larga escala”, explica Alison. As primeiras observações científicas do ALMA começaram em setembro de 2011. Atualmente, 12 grupos de pesquisa ao redor do mundo tocam projetos de pesquisa usando a rede de antenas. Os projetos são escolhidos com base no mérito. “Queremos que alguém tenha uma ideia inédita e possamos descobrir algo totalmente novo”, resume Marchet.

O site de VEJA visitou dois dos maiores complexos astronômicos do Obsevartório Europeu do Sul. Saiba mais sobre os projetos:

ESO ()
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