Cientistas vão religar acelerador de partículas
Ao repetir o momento posterior ao Big Bang, a meta é criar condições para que se possa identificar essa matéria negra
A busca pelos segredos do universo ganhará o que muitos acreditam ser seu maior capítulo a partir das próximas semanas. Em Genebra, o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) religará o maior acelerador de partículas do mundo, desta vez com uma potência duas vezes superior àquela que foi utilizada para descobrir o Bóson de Higgs – a partícula elementar que dá massa a todas as outras -, um dos maiores feitos da história da física.
Glossário
- BÓSON DE HIGGS O bóson de Higgs é uma partícula subatômica prevista há quase 50 anos. Descoberto em 2012, o bóson rendeu no ano seguinte o Prêmio Nobel de Física ao britânico Peter Higgs e ao belga François Englert. Trata-se de um elemento-chave da estrutura fundamental da matéria.
- LHC O Grande Colisor de Hádrons (do inglês Large Hadron Collider, LHC) é o maior acelerador de partículas do mundo, com 27 quilômetros de circunferência. Ele pertence ao Cern, o centro europeu de pesquisas nucleares e está instalado na fronteira franco-suíça. Em seu interior, partículas são aceleradas em até 99,9% da velocidade da luz. Os experimentos ajudam a responder questões sobre a criação do universo, a natureza da matéria e fenômenos exóticos observados no espaço.
- ELÉTRON-VOLT (eV) O elétron-volt (eV) é uma unidade de medida que representa a quantidade de energia que um elétron ganha ao ser acelerado com a ajuda de 1 volt, no vácuo. A massa das partículas pode ser expressa em termos de elétron-volt. A relação se dá pela equação de Albert Einstein em que a energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado.
O acelerador, conhecido como LHC (Large Hadron Collider ou Grande Colisor de Hádrons), custou 8 bilhões de dólares e levou mais de 20 anos para ser projetado e construído. Hoje, o túnel de 27 quilômetros situado cerca de 30 andares abaixo da cidade de Genebra e parte do território da França é considerado um exemplo de cooperação internacional.
Ao fazer prótons circularem pelo túnel a uma velocidade recorde, os cientistas promoveram choques para simular o que teriam sido os instantes que se seguiram ao Big Bang. Quatro aparelhos foram utilizados para capturar imagens desses choques, com até 40 milhões de fotos. A meta era a de tentar identificar a origem do universo, uma das campanhas mais ambiciosas da ciência.
Apesar de confirmar a teoria de Higgs e de revelar dezenas de outras novas informações sobre a origem da matéria, o projeto frustrou alguns cientistas por não trazer outras novidades para o mundo da ciência. A opção em 2012, portanto, foi a de usar uma pausa já planejada, suspender os trabalhos e desligar o acelerador. A pausa seria usada para manutenção e para incrementar ainda mais a potência do que já era o maior experimento da física.
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Agora, as colisões de prótons vão ocorrer em uma energia de 13 trilhões de eletrovolts, algo jamais visto na ciência. A data ainda não está fixada, mas seria entre o fim deste mês e abril. “No fundo, ninguém sabe o que esperar. Apenas sabemos que será um momento histórico”, declarou o diretor do Cern, Rolf Heuer. “O mais incrível é que estamos abrindo uma nova fronteira e que ninguém sabe dizer onde vai dar.”
Uma das esperanças é de que as descobertas ajudem a montar um quebra-cabeça que muitos consideram sem uma solução: a revelação da natureza da matéria negra. Cálculos baseados em interações gravitacionais entre galáxias sugerem que há cinco vezes mais matéria negra no Universo que matéria comum, o que forma parte das coisas que podem ser vistas. O problema é que essa matéria negra até hoje não foi detectada diretamente nem ninguém conseguiu identificar suas características.
Ao repetir o momento posterior ao Big Bang, a meta é justamente criar condições para que se possa identificar essa matéria negra. Para conseguir isso, as partículas vão percorrer os túneis do acelerador a uma velocidade superior à da luz. Ao colidirem, elas vão criar uma energia recorde.
Frédérick Bordry, responsável no Cern pelo acelerador, deixou claro que o mundo não deve esperar resultados no curto prazo. “Não vamos nos arriscar”, disse. “Este ano será usado para preparar a máquina e a meta é de que ela esteja em plena produção de resultados em 2016 e 2017”.
Brasil – O Cern alerta que o Brasil corre o risco de ficar fora do experimento se não acelerar sua adesão à entidade. No fim de 2013, depois de três anos de uma arrastada negociação, o Conselho Executivo do Cern deu a luz verde para que um tratado de adesão fosse desenhado entre a entidade, com sede em Genebra, e Brasília.
O acordo foi traçado e enviado ao Brasil. Mas, até agora, não existe um entendimento e, até que o acordo seja aprovado e depois ratificado pelo Congresso Nacional, o risco é de que o LHC já tenha cumprido parte de sua missão. A adesão ao Cern deve custar 10 milhões de dólares por ano ao Brasil, mas abrirá as portas para licitações milionárias e formação de centenas de cientistas, além de participar do projeto. Há quatro anos, diplomatas brasileiros mediaram a assinatura de uma carta de intenções entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Cern.
(Com Estadão Conteúdo)