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Relançamento da discografia mantém Legião Urbana no posto de maior banda do rock brasileiro

25 anos depois de lançar o primeiro disco, grupo de Brasília ainda vende 250.000 cópias por ano

Por Rodrigo Levino
29 out 2010, 22h07

Carisma, talento e a atemporalidade de sentimentos juvenis como revolta, melancolia e busca de referenciais intelectuais garantem a permanência das músicas da Legião Urbana nos mp3 players e toca-discos, numa época caracterizada pela efemeridade

Outubro de 2010 marca os 25 anos do lançamento do primeiro disco da Legião Urbana e 14 anos da morte de Renato Russo, seu vocalista e líder. Neste mesmo mês, chegou às lojas a discografia da banda, relançada em três formatos: boxset, digipack e LP. É a embalagem mais caprichada que a Legião já teve, desde sua estreia, em 1985.

Existem dois pontos curiosos na efeméride. Primeiro, o relançamento de oito discos em versões tão luxuosas quanto dispendiosas – o box de CDs sai por 350 reais -, quando a indústria fonográfica está pelas tabelas, com vendas em queda por causa da concorrência da pirataria e da troca de músicas pela internet. Segundo, a aposta na banda, que acabou em 1996 e desde então lançou apenas sobras. Mas, em se tratando de Legião, isso tudo faz sentido.

A discografia da Legião Urbana foi lançada em outubro de 2010, 25 depois de lançar o primeiro disco, em 1985
A discografia da Legião Urbana foi lançada em outubro de 2010, 25 depois de lançar o primeiro disco, em 1985 (VEJA)
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Desde a morte de Renato Russo, vítima de complicações em decorrência da aids, em 11 de outubro de 1996, 4 milhões de discos da banda já foram vendidos, 250.000 deles só em 2009. Somando os dois discos solo do cantor, The Stonewall Concert Celebration (1994) e Equilíbrio Distante (1995), chega-se a 15 milhões de discos em 25 anos. A demanda acresceuntou um novo capítulo à história do grupo, cujos membros remanescentes, o guitarrista Dado Villa-Lobos e o baterista Marcelo Bonfá, se apresentaram em meia dúzia de shows-homenagem à banda.

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Nos três anos seguintes ao desaparecimento de Renato Russo, aos 36 anos, a média anual de discos vendidos da banda manteve-se em 500.000 cópias. O montante justificava-se em parte pelo clima de ‘religião’ que normalmente se segue à morte de nomes significativos da música pop. Foi assim com Kurt Cobain, para ficar entre contemporâneos – em 1994, aos 27 anos, ele deu um tiro na cabeça e alçou o Nirvana a um patamar acima do que havia atingido em vida: criou-se um culto em torno da banda.

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A devoção ao Legião arrefeceu, como é normal com o passar do tempo. Mas a banda curiosamente permaneceu viva e, mais: consolidou-se aos poucos como um clássico do rock brasileiro, infiltrando-se nas gerações seguintes.

O que garante a permanência das músicas da Legião Urbana nos mp3 players e toca-discos, numa época caracterizada pela efemeridade de bandas e da informação, é algo sobre o qual as explicações se pulverizam. Críticos de música, vendedores de discos, produtores e executivos do mercado fonográfico apontam, entre os fatores, carisma, talento, algumas – apenas algumas – lufadas de genialidade e a atemporalidade de sentimentos típicos da juventude como revolta, melancolia e busca de referenciais intelectuais.

Amor e política – “Eu faço música para ser compreendido na Vila Rica do século 18 e em Nagoia, no século 21”. A frase é pretensiosa, mas não desprovida de sentido. Dita pelo vocalista Renato Russo ao jornalista Arthur Dapieve, numa das dezenas de conversas que mantiveram ao longo dos anos 1990, e que resultou na biografia Renato Russo – O Trovador Solitário, a sentença dá uma ideia do que distingue a Legião Urbana das demais bandas do rock brasileiro dos anos 1980.

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Entoando versos baseados em dilemas juvenis imortais, que alternam protesto político e desilusões amorosas, Russo criou a senha para uma comunicação duradoura com jovens e adolescentes, o público que consome e alimenta o rock.

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“A juventude é um período conturbado para a maioria das pessoas. Você se sente feio, desajustado. Está procurando a ética que vai guiar a sua vida. A Legião falou de tudo isso como ninguém, pegou o jovem pela mão e deu conforto, abrigo”, teoriza Dapieve, para quem desde 1996, com o fim do grupo, apenas duas outras bandas se aproximaram da brasiliense: O Rappa, pelo viés político, e Los Hermanos, que cantaram o amor. Não havendo quem unisse as duas coisas, a vaga da Legião não foi preenchida.

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A tese de Dapieve corrobora as impressões de Luiz Calanca, dono da Baratos e Afins, a loja de discos mais longeva de São Paulo, criada em 1978 na Galeria do Rock. “O perfil do jovem que comprava os discos da Legião nos anos 1980 não é muito diferente do que o que compra hoje. Ele tem maior carga intelectual. O que mudou foi o modo como o público conheceu a banda. Antigamente você via o show; hoje ouve pelo irmão mais velho ou sugerido pelo pai que viveu aquela época”, conta.

Não é tão exagerado falar em “carga intelectual”, mesmo que ela seja mais rasa do que se propõe. Se as pretensões artísticas da Legião, sobretudo de Renato Russo como compositor, eram demasiadas, dá-se um desconto e o que resta ainda é superior ao que foi produzido por seus pares – a analogia com emos e multicoloridos, que dominam a cena musical atual, é impossível.

Sem fazer concessões ao didatismo, Russo se divertia em obrigar o público a buscar compreender as suas músicas. Mencionou a embarcação nazista Andrea Doria, o destacamento de extrema-esquerda Baadar-Meinhof e a carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios, cujos versos foram copiados em Monte Castelo, música do disco As Quatro Estações. Esmerado, Renato Russo não se deteve nas dores do amor e tratou também de política (nas favelas / no senado / sujeira pra todo lado, de Que País é Esse?), homossexualidade (teu corpo é meu espelho / em ti navego, Daniel Na Cova dos Leões) e alcoolismo (me embriaguei morrendo vinte e nove vezes, Vinte e Nove).

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Os oito discos da Legião Urbana
Os oito discos da Legião Urbana (VEJA)

Carisma – “Depois daquele show em Brasília a chave virou. Ali eu percebi que a Legião era uma entidade, um negócio muito maior do que a gente havia planejado”, conta o guitarrista Dado Villa-Lobos, ao falar do fatídico show da banda em 1988 no estádio Mané Garrincha, com capacidade para 40.000 pessoas, e que no concerto abarrotou-se com pelo menos 10.000 a mais.

Provocada por Renato Russo, que vivia um período conturbado de envolvimento com drogas e consumo excessivo de álcool, a plateia sucumbiu ao tumulto. Pessoas se feriram e por pouco uma tragédia não encerrou a carreira da banda. “No dia seguinte, a gente só concordava com uma coisa: era preciso parar. Tudo tinha ido longe demais”, diz Marcelo Bonfá, o baterista.

Russo gostava de falar no palco – falava de política, chamava Xuxa de alienada, insinuava o homossexualismo em uma época em que isso não era assunto permitido. A capacidade de inflamar plateias garantiu que, em vida, ele mantivesse a Legião Urbana como a maior banda do rock brasileiro, se abstendo inclusive de bater ponto em programas de auditório na TV, roteiro comum a todas as demais bandas, que iam ao Chacrinha sem pudor.

O único grupo que suplantou a histeria de seus fãs foi o RPM, mas credite-se isso à liderança do galã de voz rouca Paulo Ricardo, diametralmente oposto a Russo, um desajustado melancólico, excêntrico e provocador.

Em vendas, porém, ninguém bateu os brasilienses. No início dos anos 1990, as quatro bandas da EMI que mais vendiam no mundo eram Beatles, Pink Floyd, Queen e a Legião Urbana. “Ninguém vê onde chegamos”, cantaram eles em O Teatro dos Vampiros, do disco V. Chegaram longe demais, ao contrário do que diz a letra.

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