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Livro ‘O Réu e o Rei’ vai além do censor Roberto Carlos

A nova obra do biógrafo censurado do cantor é uma contundente defesa da liberdade de expressão. E um envolvente ensaio histórico e afetivo sobre música popular

Por Jerônimo Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 26 Maio 2014, 18h17
Livro o Réu e o Rei
Livro o Réu e o Rei (VEJA)

​Era o primeiro show que Roberto Carlos fazia em Vitória da Conquista, na Bahia, em 1973, e Paulo Cesar de Araújo, então com 11 anos, vestiu sua roupa domingueira para ir ao estádio onde a apresentação teria lugar. Garoto pobre que já completara o apertado orçamento da família engraxando sapatos, ele não tinha os 10 cruzeiros do ingresso. Ficou rondando o lugar, na esperança de conseguir uma brecha. Pouco antes do início do show, um porteiro simpático deixou entrar os moleques negros e sem camisa que andavam por ali. Araújo, porém, foi barrado: branco e bem vestido, tinha cara de quem poderia pagar. Essa história de infância já estava relatada em Roberto Carlos em Detalhes, a biografia que Araújo, hoje um respeitado historiador da música popular brasileira, lançou em 2006, e volta a aparecer no recém-lançado O Réu e o Rei (Companhia das Letras; 528 páginas; 45 reais). A anedota atesta a paixão antiga do pesquisador por seu objeto de estudo. No novo livro, porém, ela serve ainda para dimensionar a estupidez autoritária de Roberto Carlos – que, por meio judicial, conseguiu proibir e recolher das livrarias uma obra que era o tributo de um grande fã. O réu do título, claro, é o próprio Araújo, cuja rigorosa biografia não contava com a autorização do chamado rei da música brasileira, e por isso acabou censurada.

Este é, para o momento, um livro necessário: a Câmara dos Deputados acaba de aprovar, com emendas, o projeto de lei do deputado Newton Lima, do PT de São Paulo, que permite a publicação de biografias sem autorização do biografado, e a matéria agora vai para votação no Senado. O Réu e o Rei é uma defesa incisiva da liberdade dos biógrafos e, por extensão, do público leitor, que ganha em conhecimento da história quando pode encontrar, em livrarias e bibliotecas, obras que não se deixam cercear pelos transtornos e obsessões das celebridades biografadas. Araújo relembra os duros anos de pesquisa que o levaram à redação de Roberto Carlos em Detalhes – trabalhava, cursava duas faculdades no Rio de Janeiro e marcava entrevistas com músicos como Tom Jobim e Caetano Veloso de um orelhão próximo a sua casa em Niterói, pois não tinha telefone próprio. O autor esmiúça os autos dos processos montados contra ele, demonstrando imprecisões e distorções. E, no capítulo mais dramático do livro, reconstitui a tarde que passou frente a frente com Roberto Carlos, em um fórum de São Paulo, quando, abandonado por seus editores da Planeta e pressionado pelos advogados, aceitou assinar um acordo que bania Roberto Carlos em Detalhes das livrarias.

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Não foi o único episódio de censura a biografias no Brasil, mas é com certeza o mais emblemático, o caso exemplar que demonstra o absurdo das limitações legais que, no país, ainda tutelam a liberdade de expressão. O caso foi muito lembrado quando o debate sobre biografias não autorizadas ganhou relevo, no ano passado, depois da desastrada intervenção do grupo Procure Saber, formado por medalhões da MPB que ora pediam respeito absoluto à privacidade, ora insinuavam que o biografado deveria ganhar um troco em cima do trabalho dos biógrafos (o imbróglio, aliás, está bem resumido no último capítulo de O Réu e o Rei).

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Além de oportuno, este é um grande livro. Merecerá ser lido mesmo quando o país afinal abraçar a liberdade de expressão como valor básico e inegociável. Hábil mistura de memória afetiva com história cultural, a obra, sem traço de ressentimento contra o cantor-censor, examina o significado profundo que a música de Roberto teve para o público de menor poder aquisitivo nos anos 60 e 70 – e ataca o desprezo que a crítica musical intelectualizada dedicava ao artista que então vendia milhões de discos. Há ainda bastidores saborosos das entrevistas que o autor fez com os maiores nomes da MPB: Tim Maia ofereceu maconha ao pesquisador (ele jura que não fumou nem tragou), e Araújo certa vez ajudou a comprar os sapatos que João Gilberto usou em um show. Atenção, leitor: os advogados de Roberto Carlos estão lendo o livro. Por via das dúvidas, é melhor correr para garantir seu exemplar.

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