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‘Insensato Coração’: a pane do realismo

Novela das nove chega à metade sem decolar no Ibope. Recorte pessimista da realidade, que parece ampliada por lupa, o esgotamento de temas controversos e o cansaço da fórmula de Gilberto Braga estão entre os motivos

Por Carol Carvalho
6 Maio 2011, 23h36

A opção pelo realismo e pela crítica social, que se mostrou vigorosa em tantas novelas das nove (ou das oito, como era antigamente), hoje respira com dificuldade. O desempenho pífio de Insensato Coração, exibida pela Globo nesse horário, é um forte indício disso. A trama tem audiência ainda menor que a das antecessoras, já consideradas motivo de preocupação para a Globo – tanto Passione (Silvio de Abreu) como Viver a Vida (Manoel Carlos) obtiveram média de 35 pontos no Ibope, enquanto Insensato Coração oscila de 32 a 35.

Diversos motivos explicam a fraca performance da trama das nove (vija a lista abaixo). Mas a fatiga da velha estratégia realista certamente é a mais pede análise. Se na época, digamos, de Vale Tudo (1988), também assinada por Gilberto Braga, a denúncia da corrupção de ricos e pobres, condensada de maneira antológica na “banana” que o vilão encarnado pelo ator Reginaldo Faria dá o Brasil em sua fuga bem sucedida no final da trama, ainda era capaz de eletrizar a audiência, 20 anos mais tarde as chantagens, falcatruas, pancadarias e assassinatos de Insensato Coração não são mais do que lugares-comuns. Na moldura que as novelas oferecem, esse tipo de crítica parece ter atingido o seu limite.

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1. Overdose de realismo

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Insensato Coração é contra-indicada para quem quer puro entretenimento. Uma realidade dura, repleta de conflitos, dá o tom da trama. Há espaço para toda sorte de malvados: o banqueiro corrupto – e assassino da própria esposa – Horário Cortez (Herson Capri, à direita na foto), o inescrupuloso Léo Brandão (Gabriel Braga Nunes), a ambiciosa Eunice Machado (Deborah Evelyn), o chantagista Henrique Taborda (Ricardo Pereira), a arrogante Paula Cortez (Tainá Müller), e por aí vai. Até a meiga Norma Pimentel (Glória Pires) virou a casaca e entrou para o time dos vilões, matando a presidiária Araci (Cristiana Oliveira). Morte, aliás, é o que não falta nessa novela que, de light, tem só o amor do casal principal.

2. Redundantemente incorreto

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O exagero de realidade faz de Insensato Coração uma espécie de continuação do Jornal Nacional. A sensação de mais do mesmo se agrava pelo histórico da fórmula, corrente desde a década de 1980. Vale Tudo, também de Gilberto Braga, chocou – e atraiu – pelo mau caratismo dos personagens, imortalizado em cenas como aquela em que o vilão Marco Aurélio (Reginaldo Farias) dá uma “banana” aos telespectadores no final da novela. Foi sucesso de público e de crítica, enquanto Insensato Coração registra audiência pífia. A comparação mostra que o que devia chocar se tornou banal e não desperta mais o interesse dos brasileiros, acostumados a consumir notícias tão ou mais difíceis de engolir.

3. Par romântico sem graça

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O par romântico Marina Drumond (Paola Oliveira) e Pedro Brandão (Eriberto Leão) entrou com louvor para o rol dos mais sem graça da história da telenovela brasileira. Os dois não convencem como casal – muito menos protagonista – pelo simples fato de que não há química – nem técnica dramatúrgica capaz de salvá-los. Para piorar, o bom-mocismo exagerado do casal, comum à maioria dos pares românticos de ficção, destoa no meio dos tantos pecados e pecadilhos da trama. A esperança é de que o envolvimento de Marina com o vilão Léo (Gabriel Braga Nunes), nos próximos capítulos, dê uma apimentada no romance para lá de insosso que ela tenta emplacar com o herói Pedro.

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4. Desperdício de elenco

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Com exceção de Glória Pires, cujo personagem ganha cada vez mais destaque na trama – estrategicamente na tentativa de recuperar a audiência -, atores do calibre de Antonio Fagundes, Natália do Vale, José de Abreu e Nathalia Timberg são meros coadjuvantes com nuances de caráter pouco elaboradas e participação em cenas curtas. A novela está no ar há mais de quatro meses e esses personagens não parecem nem perto de decolar e sair das telas da TV para a boca do povo. As participações especiais de grande nomes, como Ana Beatriz Nogueira, José Wilker e Cristiana Oliveira (que engordou 15 quilos para o papel de Araci), colaboraram, mas não alavancaram a popularidade da trama da Gilberto Braga.

5. Repetições de Gilberto Braga

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Assistir a Deborah Secco em Insensato Coração dá sensação de déjà vu. Natalie Lamour e Darlene Sampaio, da novela Celebridade, não só têm a mesma intérprete (Secco), mas os trejeitos, roupas, veia cômica e sonho de ser capa de revista. E saíram da imaginação do mesmo autor: Gilberto Braga. No livro A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo (Panda Books), Braga confessa o gosto pelas repetições. “Honestamente, acho que minhas novelas são bastante parecidas umas com as outras. Toda vez penso em fazer algo diferente. (…) Mas, ao mesmo tempo, manter o meu estilo. Não é do meu temperamento procurar o novo.”

Vale Tudo foi ao ar num momento de profunda crise econômica, o país se democratizava e vivia a ressaca da ditadura. Esses expedientes da realidade foram canalizados para a narrativa e tiveram força na composição da novela”, diz Gilberto Alexandre Sobrinho, professor de história da TV da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Já Insensato Coração, pontua, pertence a outro momento da televisão brasileira e do país, em que a representação realista da sociedade perdeu força. “Embora esse modelo ainda tenha penetração junto ao público, ele está com seus dias contados.”

Além de completamente permeado por notícias de corrupção e mau-caratismo que fazem os conflitos escritos por Gilberto Braga e Ricardo Linhares soarem triviais ou repetitivos, o Brasil vive uma fase de mudanças sociais, com alterações significativas nas relações tradicionais entre homem e mulher e pais e filhos. Essas transformações estressam o espectador, que não quer ver na TV o que enfrenta a duras penas no dia a dia. “A mudança nas relações sociais é boa porque moderniza a sociedade, mas causa um cansaço emocional grande, não é fácil sempre se reinventar. A tradição é um modo de vida no piloto automático, e o extremo realismo não permite isso”, afirmao professor Eurico Santos, sociólogo da Universidade de Brasília (UnB) .

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Mais do mesmo – Colaboram para a rejeição do telespectador a repetição do autor e do gênero. Gilberto Braga já admitiu que não é do seu temperamento procurar o novo. Deu para perceber. A começar pelas semelhanças gritantes entre Darlene Sampaio (Celebridade) e Natalie Lamour (Insensato Coração), personagens quase idênticas vivida pela mesma atriz, Deborah Secco.

“Há ainda a casa de shows que promove apresentações com grandes nomes da MPB. Em Celebridade, a empresária Maria Clara Diniz, personagem de Malu Mader, promovia espetáculos no Sobradinho, que ficava no bairro do Andaraí. Por lá, passaram, entre outros, Lulu Santos, Dudu Nobre e Zeca Pagodinho. Em Insensato Coração, o Barão da Gamboa já recebeu, até o momento, Simone e Ney Matogrosso”, aponta o jornalista André Bernardo, coautor do livro A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo (Panda Books).

Fé cênica – Para completar, Insensato Coração não convence pela própria história que apresenta. Ter como casal protagonista um par sem química como Pedro Brandão (Eriberto Leão) e Marina Drumond (Paola Oliveira) e como enredo uma multifragmentada rede de conflitos de desfecho rápido é um mal da novela. Ela nega ao telespectador o que ele mais quer: crer no que está vendo, se identificar com os personagens e acompanhar sua evolução.

Exceto por Norma, personagem de Glória Pires que foi enganada pelo vilão Léo (Gabriel Braga Nunes), presa injustamente e agora vai iniciar sua vingança pessoal contra o canalha, nenhum personagem tem uma história cujo fio se possa seguir, inteiro, pela novela. É, aliás, um desperdício de grandes atores como Antonio Fagundes e Natália do Vale (vide lista acima). Não é à toa que a trama das seis da Globo, Cordel Encantado, com seu toque cativante de fábula, não tenha do que reclamar.

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