Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Galã com conteúdo, José Wilker foi um cinéfilo em frente às câmeras

Entre seus papéis, encarnou desde o galã misterioso até o vilão asqueroso, numa variedade invejável de tipos

Por Patrícia Villalba, do Rio de Janeiro
5 abr 2014, 18h45

São muitos e tão diferentes entre si os “Josés Wilkers” que o brilhante ator cearense, morto na manhã deste sábado, vítima de um infarto, deixa na memória do público após quase 50 anos de carreira. Do Zelito de Bandeira 2, novela que Dias Gomes escreveu em 1971, ao coronel Jesuíno do remake de Gabriela, assinado por Walcyr Carrasco em 2012, há desde o galã misterioso até o vilão asqueroso, numa variedade invejável de tipos. A unir saltimbancos, advogados, médicos, pobretões e milionários, estava voz rouca inconfundível. O timbre será lembrado por frases como o “Não precisa falar nada” da cena final com Porcina (Regina Duarte) de Roque Santeiro (1985), o “Felomenal!” de Senhora do Destino (2004), e pelo recente bordão “Se apronte, que eu quero lhe usar”, sucesso nas redes sociais.

Antes do surpreendente Jesuíno, personagem para o qual o ator se desapegou de qualquer vaidade, Wilker fez fama com papéis essencialmente sedutores: encantou o público feminino da TV como o Mundinho Falcão da Gabriela original, de 1975, o Rodrigo Medeiros de Anjo Mau (1976), o Camilo de Carmem (1987) e o Ulisses Queiroz de Corpo Santo (1987), entre tantos outros sucessos dos anos 70 e 80.

Nenhum personagem, entretanto, teve a força do herói fajuto de Asa Branca, Roque Santeiro. Sem dúvida seu papel de maior popularidade, o protagonista da novela mais lembrada de todos os tempos lhe foi dado pelo próprio Dias Gomes, que o conhecia desde os tempos de teatro engajado do Movimento Popular de Cultura (MPC). Na última quarta-feira, o ator, homenageado no Vídeo Show, lembrou o frisson que Roque causou na época: “Eu andava por Lisboa e não sabia que a novela estava sendo exibida em Portugal. De repente, comecei a ouvir atrás de mim ‘Roque, meu amor! Roque, meu amor!’. Era um monte de mulheres atrás de mim!”, gabou-se, em conversa com o apresentador Zeca Camargo, observando ainda que Roque foi o personagem emblemático de uma época em que o Brasil, após vinte anos de regime militar, redescobria a alegria. “A gente andava meio chutando pedra na rua, e o Roque foi de encontro ao sentimento que surgia.”

Continua após a publicidade

Os mais de 10 milhões que o viram no filme Dona Flor e Seus Dois Maridos em 1976 não vão esquecer tão fácil a imagem dele descendo a ladeira do Pelourinho, nu, de braços dados com Sônia Braga (e ela com Mauro Mendonça), como o espírito do malandro Vadinho. Mas, inteligente e muito culto, Wilker não deixou que fama escapasse do controle – e não permitiu que o reconhecido sex appeal o transformasse num “galã de TV”. Preferiu ser um “galã com conteúdo”. Por isso, jamais interpretou um mocinho do tipo água com açúcar, mas sempre homens misteriosos, sagazes ou irônicos. Nos bastidores, era famoso por dizer que o pensava de um personagem e notável por fazer chegar aos ouvidos do autor quando não se sentia bem aproveitado em cena.

Quando ficou incomodado com a saída do autor Bráulio Pedroso da novela O Bofe (1972), pediu logo para morrer – mas que fosse dando risada, frisou. Bandeira, seu personagem, acabou morrendo de tanto rir, de uma piada do amigo Maneco (Claudio Cavalcanti), num dos desfechos mais doidos da nossa teledramaturgia. Com bem menos humor, mostrou-se também insatisfeito com a trama do insosso Herbert de Amor à Vida (2013), seu derradeiro papel. Não foi, de fato, uma boa maneira de encerrar uma carreira tão animada, sem espaço para marasmo.

Há de ser apenas um detalhe, até porque José Wilker foi muito maior do que a televisão. Filho de um caixeiro viajante que guardava o caixão embaixo da cama – “para não dar trabalho”, uma das histórias que adorava contar -, ele foi locutor de rádio na terra natal, Juazeiro do Norte (CE), mas se encontrou como ator em montagens de rua pelo Recife. No começo dos anos 60, participou de um projeto do governo de Pernambuco, que dramatizava o método de Paulo Freire para alfabetização de adultos – emprego perdido com o golpe militar, em 1964.

Continua após a publicidade

Já no eixo Rio-São Paulo, teve momentos especiais no teatro, como quando participou da lendária montagem que Zé Celso Matinez Corrêa fez de O Rei da Vela no Teatro Oficina em 1967 ou quando foi dirigido por Ivan Albuquerque em O Arquiteto e o Imperador da Assíria, de Fernando Arrabal, que lhe rendeu o Prêmio Molière em 1970. Nos últimos meses, trabalhava dirigindo Ary Fontoura em O Comediante e tinha planos de voltar aos palcos ainda neste ano.

Apesar da formação teatral e de ter frequentado as coxias até o fim, foi essencialmente um homem de cinema, sua maior paixão como ator, espectador e crítico. Era sempre controversa sua participação nas transmissões da cerimônia de entrega do Oscar, que comentou na Globo de 2005 até o ano passado. Ele falava com a propriedade não só de cinéfilo, mas de alguém que marcou época como o Lorde Cigano de Bye Bye Brasil, comédia política que Cacá Diegues dirigiu em 1979, que foi o Vadinho de Dona Flor e Seus Dois Maridos (Bruno Barreto, 1976) e o Tenório Cavalcanti de O Homem da Capa Preta (Sérgio Rezende, 1985). Desde que estreou com uma participação discreta em A Falecida (Leon Hirzman e Eduardo Coutinho, 1965), esteve em quase 70 filmes, entre eles Xica da Silva (Cacá Diegues, 1976), Doida Demais (Sérgio Rezende, 1989), Pequeno Dicionário Amoroso (Sandra Werneck, 1997) e Casa da Mãe Joana (Hugo Carvana, 2008). Mas dirigiu apenas um, Giovanni Improtta (2013), sem muito sucesso e baseado no personagem célebre da novela Senhora do Destino (Aguinaldo Silva, 2004).

Do teatro de rua aos campões de bilheteria dos anos 70, conquistou uma capacidade de se reinventar, apesar da forte personalidade que inevitavelmente transbordava dos seus trabalhos. Deixou o tipo bonitão da TV de lado em 1997, e apareceu irreconhecível como Antônio Conselheiro em Guerra de Canudos (Sergio Rezende, 1997). Há pouco, em 2011, moldou o seu Zeca Diabo de O Bem-Amado, uma minissérie de Guel Arraes, numa releitura alegórica e sem amarras do personagem que Lima Duarte imortalizou na novela de 1973. Ainda no campo das biografias, transformou-se com esmero em Juscelino Kubitschek na minissérie JK, em 2006. No último grande trabalho, em 2012, enfeiou-se sem pudores para encarnar o retrógrado Coronel Jesuíno, que oprimia a mulher na novela Gabriela.

Continua após a publicidade

Leitor voraz, colecionador de óculos que o conferiam um ar excêntrico e dono de famosa uma videoteca de mais de 4.000 títulos, teve uma vida intensa e, não por acaso, foi cercado de belas mulheres. Em filmes e novelas, protagonizou cenas quentes ao lado de Sônia Braga, Betty Faria, Lucélia Santos, Vera Fischer. Na vida real, foi casado com as atrizes Renée de Vielmond, Mônica Torres e Guilhermina Guinle, além da jornalista Claudia Montenegro. Os quatro casamentos lhe deram três filhas, Mariana, Isabel e Madá.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.