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Exposição do Louvre trata do amor pela Antiguidade

A exposição L’Antiquité Rêvée, do Museu do Louvre, termina dia 14 de fevereiro

Por The International Herald Tribune
4 dez 2010, 17h26

Uma das atrações mais desafiadoras sobre história da arte e cultura no Museu do Louvre, L’Antiquité Rêvée vai gerar muito debate depois de encerrada. Concebida por Marc Fumaroli, da Academia Francesa, e Henri Loyrette, diretor do museu, a proposta da exposição é analisar o gosto pela Antiguidade entre os anos 1720 e 1770, a “resistência” que supostamente teve início de 1760 a 1790 e seu ponto alto na época do neoclassicismo, de 1770 em diante. A virtude da mostra é revelar a diversidade artística do gosto pela Antiguidade em diferentes culturas.

Tal como o pintor francês Jean-Baptiste Greuze, que se voltou à Antiguidade em 1760, ele elegeu um episódio pouco conhecido contado pelo historiador romano Dion Cassius. O imperador Severo repreende o filho Caracala por ter tramado seu assassinato, uma emboscada durante a travessia da região montanhosa da Escócia. Essa ilustração de um pedaço da história, – mais imaginária do que real, apesar da pretensão documental – não é tão onírica.

Em contraste, a contemporânea imagem de Angelina Kauffman em Cleópatra decorando o túmulo de Marco Antônio tem efeitos de luz e sombras. O chiaroscuro, da artista nascida na Suíça e radicada em Londres em 1766 após ter vivido alguns anos na Itália, demonstra a presença da escola de Caravaggio, do século 17, que deve ter sido descoberta por ela provavelmente no período em que morou em Roma. Diferentemente da atenção pedante de Greuze às vestimentas do período da Antiguidade, a escolha de um assunto romano por Kauffman é uma desculpa para expor sentimentos humanos numa atmosfera de tragédia.

As divergências podiam ser consideráveis no mesmo país. Em 1765, Fragonard, que tentava ingressar na Academia Real de Pintura e Escultura, enviou uma pintura de quatro metros de comprimento, com seu Coresus et Callirhoe. (Coresus, sacerdote supremo de Dionísio, suicidou-se para salvar a bela Callirhoe).

A história contada pelo historiador da Grécia Antiga Pausanias, esquecida nos dias de hoje, era bastante famosa no século 18. É o tema da tragédia escrita por Antoine de La Fosse em 1704 e de um libreto para a ópera de Pierre-Charles Roy, criada em 1712, que ainda estava em cartaz quando Fragonard pintou sua tela monumental.

A composição de Fragonard tem uma relação com a tradição francesa da época de Nicolas Poussin e Claude Lorrain, que também criaram a partir de referências da Antiguidade.

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A influência de Lorrain atravessa toda uma linha de pinturas francesas que retratam personagens da Roma Antiga. Se estende até 1748, em Belisarius, de Jacques-Louis David.

Se existe uma falha na atração do Louvre, ou no catálogo majestoso que a acompanha, é a de destacar como novidade o interesse pela Antiguidade que estava em voga na França do período da Regência (1715-1725) ao de Luís XV (1725-1774). O culto à Antiguidade era o coração da cultura europeia. A familiaridade com o a arte e a literatura grega e romana era bastante recorrente na vida europeia desde a Renascença. Vale a pena citar que fatos corriqueiros não são mencionados no catálogo por serem muito óbvios para o público francês. Os clássicos gregos e latinos fizeram parte da grade escolar do ensino médio na Europa até metade do século 20. No século 17, Pierre Corneille e Racine escreveram tragédias inspiradas na história antiga.

Na arquitetura, a maior jóia parisiense do reinado de Luís XIV é a fachada do Louvre com seus pilares coríntios. Era provavelmente o que grande arquiteto Gabriel tinha em mente, em vez dos modelos romanos antigos, quando desenhou, em 1748, os monumentos da Praça Luís VX, posteriormente batizada de Praça da Concórdia no período da Revolução Francesa. Eles abordam a continuidade, não a inovação, a exemplo do templos clássicos vistos nas paisagens arcadianas de Lorrain no século XVII.

Certamente, a questão da continuidade é esboçada algumas vezes no catálogo da exposição. No capítulo sobre a escultura grega, Guilhem Scherf comenta que “o idioma neoclássico usado pelos escultores ingleses copia a fórmula adotada por Luís XIV”. O curador do Louvre também expõe lado a lado o modelo em gesso de uma jovem supostamente vestida em túnicas gregas feitas por Augustin Pajou em 1760 simbolizando a água, e a escultura em baixo-relevo Fonte dos inocentes em Paris de Jean Goujon em 1749, que o trabalho de Pajou segue de perto.

A verdadeira novidade, que o catálogo não revela, é o naturalismo escrupuloso dos detalhes mais triviais que caracterizam a escultura no século 18. É surpreendente o que se vê no busto de mármore de Daniel Finch, feito por volta de 1723 pelo artista flamengo John Michael Rysbrack, que trabalhava na Inglaterra, e o busto de Philipp von Stosch, de 1727, assinado pelo francês Edme Bouchardon. Até mesmo as dobras nas túnicas foram feitas de uma maneira mais naturalista do que no estilo romano original.

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Foi uma revolução para a arte ocidental, possivelmente conectada com o interesse na observação científica que se espalhava pela Europa. Lamentavelmente, o resultado desse estilo de retratos que tinha em vista grandes efeitos terminou na produção de bustos de executivos que mais tarde iriam enfeitar salas de reunião do século 20.

Felizmente, o naturalismo não foi generalizado. Quando abordou temas que faziam referência ao período da Antiguidade sem a sensação de ficar preso ao naturalismo de forma meticulosa, o mesmo Bouchardon se voltou a modelos do passado francês.

Se existe algo surpreendente sobre a obsessão clássica nos retratos em três dimensões do século 18 é a incongruente associação do naturalismo extremo com a Antiguidade Romana que frequentemente beira o caricato. O busto do ator Larive no papel de Brutus, imortalizado em mármore por Houdon em 1784, é prova disso. O homem tem o olhar fixo, virado de lado, enrolado numa toga que mais parece uma toalha amassada.

Pelas mãos de cada vez menos artistas, a “antigomania” geralmente se afunda no melodrama grotesco. Aquiles tocando a lira em sua tenda, pintado pelo italiano Guiseppe Cades, em 1770, ou Marte e Vênus, esculpida na mesma época pelo sueco Johan Tobias Sergel, chegam perigosamente muito perto do que poderia ser chamado de Commedia dell’Arte kitsch.

Com o passar das décadas, a referência do século 18 à Antiguidade tornou-se o emblema do politicamente correto. Até mesmo artistas visionários ocasionalmente aderiam. O próprio Goya teve um momento assim em seu Anibal contemplando a Itália da passagem nos Alpes, depois de ter derrotado os romanos. A pura fantasia, no entanto, é o que predomina. O uso de uma luz chocante enche de personagens heróicos os cenários surreais colocados na escuridão.

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Na época de Napoleão, o neoclassicismo se expande ao limite. A cerimônia de coroação de 1804 poderia até ter sido hilária não fosse o marco de um período de matança de milhões de pessoas. Com a queda do imperador, o destino do extremismo neoclássico havia terminado. Na França, a verdadeira modernidade – considerada no catálogo da exposição como liderada pelos que apoiaram a moda da Antiguidade – apareceria uma década mais tarde em paisagens do gênio conhecido como Corot. E, adivinhem? Ele não passa nem perto do estilo da Roma Antiga. A exposição L’Antiquite revee. no Museu do Louvre, termina dia 14 de fevereiro.

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