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A última entrevista de Chico Anysio a VEJA

Confira, na íntegra, a matéria publicada em VEJA de 6 de julho de 2011

Por Bruno Meier Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 23 mar 2012, 16h59
Chico Anysio, sobre o humor na televisão de hoje: “Não assisto para não criticar. Já dei todas as opiniões que tinha de dar.
Se não aprenderam, não aprenderão mais”
Chico Anysio, sobre o humor na televisão de hoje: “Não assisto para não criticar. Já dei todas as opiniões que tinha de dar.
Se não aprenderam, não aprenderão mais” (VEJA)

A ressurreição da velhinha Salomé no programa Zorra Total, da Globo, tem gosto de vitória para Chico Anysio. Aos 80 anos e 64 de carreira, o humorista volta à ativa depois de passar quase quatro meses no hospital, entre dezembro e março, por causa de um problema car­día­co. Ao receber VEJA em seu apartamento no Rio de Janeiro, Anysio estava de cara amarrada. Disse que não falaria por mais que cinquenta minutos – e não criticaria nada nem ninguém. Mas, entre colheradas de sorvete e paparicos da sexta e atual mulher, Malga Di Paula, 39 anos mais jovem, ele acabou falando por duas horas e meia. Como se confere a seguir, mostrou que continua o Chico Anysio de sempre: da Globo à família, não faltaram farpas para ninguém.

O senhor passou 110 dias no hospital, 78 dos quais na UTI. Como se recorda do período? Fiquei dias sem saber onde estava ou o que tinha acontecido comigo. Mas lembro-me bem dos sofrimentos. A falta de água foi o pior: passei 45 dias sem ingerir líquidos por causa de uma infecção no pulmão. Sofri também por não poder falar. Eu queria pedir um café ou até mesmo dizer para ninguém usar meu computador, pois não gosto que mexam nas minhas coisas. Mas não saía nada. Às vésperas de eu ir embora do hospital, o médico me disse que minha irmã (a atriz Lupe Gigliotti, morta em dezembro passado) havia nos deixado enquanto eu estivera internado. Foi um baque.

O senhor voltou à TV com Salomé, personagem que fez sucesso nos anos 80 com seus telefonemas fictícios para o então presidente João Baptista Figueiredo. Por que a resgatou? Humor existe para denunciar. É típico de país em que há coisa errada. Por isso, achei correto voltar com a Salomé no momento em que temos uma presidente no poder. Fiz vários quadros focados no escândalo que envolveu o (ex-ministro Antonio)Palocci, por exemplo. Se a Salomé fizesse de verdade aquelas perguntas à presidente Dilma Rousseff, ela não saberia responder.

Qual é sua opinião sobre o humor na TV hoje? Não assisto para não criticar. Já dei todas as opiniões que tinha de dar. Se não aprenderam, não aprenderão mais. Não existe essa de humor antigo e humor novo – ele ou é engraçado ou é sem graça. Se Os Três Patetas estreassem amanhã, fariam o mesmo sucesso de antes. A TV brasileira comete o erro de menosprezar o humor do passado.

O senhor sempre bateu de frente com a direção da Globo. Arrepende-se de algo? Sim. Errei ao falar mal da mãe do Jayme Monjardim (diretor da rede e filho da cantora Maysa, morta em 1977). Num dia de muito mau humor, escrevi para ele um e-mail cujo conteúdo nem gosto de repetir (Anysio desancava Monjardim de forma ignóbil: “Dormi muito com a mãe dele”). Hoje, somos amigos. Pedir desculpas é meu esporte favorito.

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O senhor já foi onipresente na TV. Qual a sensação de cair no ostracismo? Foi muito ruim. De 1957, quando entrei na televisão, até 2002, quando extinguiram meus programas, sempre fui líder de audiência. Não sabia o que tinha feito de errado. Passei dias pensando em todos os diretores da Globo, um por um, para tentar chegar a quem teria me boicotado. Também pensei que os irmãos Marinho não gostavam de mim. Se o pai deles (Roberto Marinho, fundador da Rede Globo, morto em 2003) estivesse vivo, eu não teria saído do ar. Certa vez, eu lhe disse: “Dr. Roberto, eu me sinto dono de uma dessas pilastras aqui”. Ele respondeu: “Chico, a TV toda é sua”.

O que o senhor esperava da emissora? Sempre achei que a Globo me daria um cargo de supervisor de seu humor. Não aconteceu. O diretor que exerce a função que eu almejava é o Guel Arraes. Não tenho queixas dele, mas acho que seu humor não é popular como deveria ser.

Como assim? A grande plateia do humor sempre foram as classes C, D e E. Todo o gênero se construiu voltado a elas. Mas a Globo esqueceu disso. Além do mais, tem apostado num sistema de temporadas com poucos episódios no qual não acredito. Fazer programas assim é fácil. Quero ver é criarem fenômenos duradouros, capazes de lançar bordões que se repitam nas ruas, como faço.

O senhor já se casou seis vezes. Casar vale a pena? Gastei muito com divórcio. Montava casas, comprava quadros e depois ficava tudo para a ex. Mas ainda creio no casamento. Andar a dois encurta a estrada. E me acho um Ph.D. na instituição. O casamento é justificado pelo filho, mas é também o filho que acaba com ele. Não há sexo que resista ao “acho que o menino acordou. Pera aí, já volto”. Como vai voltar? Acabei vários casamentos por causa desse “pera aí, já volto”.

Nos anos 90, quando o senhor se apaixonou pela ex-ministra da economia Zélia Cardoso de Mello, ironizou-se que o senhor era o primeiro comediante brasileiro a namorar uma piada. O senhor concorda? Não posso considerar a Zélia uma piada. Embora não seja uma economista maravilhosa, ela soube escolher como ninguém seus assessores. O problema da Zélia foi ter autorizado o livro do Fernando Sabino (Zélia, uma Paixão, de 1991). Na época, eu ponderei que ela só queria se vingar do Bernardo Cabral (também ministro do governo Collor, com o qual Zélia teve um affair). O livro deixou aquela sensação de que ele fizera bem em abandonar a ordinária num hotel na França. A Zélia não compreendia que só se deve contar sobre derrota e traição às pessoas próximas. E o livro acabou invertendo tudo: o Cabral ficou como herói da história e ela, como vilã. Hoje, ela tem de morar em Nova York para poder sair de casa como uma pessoa normal.

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Como é a sua relação com a família? No Dia das Mães e no Natal, família é uma coisa maravilhosa. Mas para por aí. Família é problema. Essa é a dolorosa verdade. As pessoas esperam, no mínimo, solidariedade da família. E ela não dá isso, só cobra. Tenho nove filhos, contando com um enteado e um adotado. Mas acho que só cinco saíram a mim. Os outros quatro saíram às mães. Com os que saíram a mim, tenho contato direto. Com os outros, quase nem falo.

É melancólico.

Só um de seus filhos, Bruno Mazzeo, foi capaz de obter sucesso como humorista. Ele é seu orgulho como pai? O Bruno é a revelação do humor atual. Mas meu maior orgulho é o Rodrigo, de 19 anos, que mora com a Zélia. Ele é um gênio disputado pelas universidades americanas, além de ser cestinha no basquete e excelente no xadrez. O menino é uma fera.

Em um livro do americano Philip Roth, o protagonista sessentão decide dar aulas de pintura para conhecer pessoas novas, mas as conversas acabam sempre girando em torno de doença e remédios. É assim com seus amigos? Não. Artistas de idade, quando se encontram, só falam de sucessos e artistas antigos. Eles param no tempo. Mas a verdade é que há poucos que considero como amigos.

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