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Urbanização precária compromete a qualidade de vida nas cidades brasileiras

Iluminação pública é quase universal nas áreas urbanas, mas problemas de acessibilidade e falta de saneamento - principalmente nas regiões Norte e Nordeste - ainda têm níveis alarmantes

Por Da Redação 25 Maio 2012, 10h06

“Moradia não é apenas o teto sobre a cabeça e o piso. Significa um conjunto de elementos que envolvem a vida na cidade, como o acesso à infraestrutura, transporte. Por várias razões, na região metropolitana do Rio, há uma distribuição extremamente desigual dessa infraestrutura”, diz Gerônimo Emilio Almeida Leitão, professor de Arquitetura e Urbanismo da UFF

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mapeou, pela primeira vez, a qualidade das condições do entorno das mordias urbanas. O resultado do trabalho foi apresentado na manhã desta sexta-feira, no volume Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios, com base nos resultados do Censo de 2010. O documento aponta precariedades de urbanização que comprometem a qualidade de vida dos brasileiros, e, em um ano em que serão realizadas eleições municipais no Brasil, deverá servir de ferramenta para os gestores públicos. A pesquisa levantou as seguintes características das cidades: iluminação pública, identificação de logradouros, pavimentação, arborização, presença de bueiros ou boca de lobo nas vias, lixo acumulado, presença de esgoto a céu aberto, calçadas e meio-fio e rampas para cadeirantes – este um indicador da importância que cada município dá às condições de acessibilidade para pessoas com deficiência.

De forma geral, no Brasil a cobertura de iluminação pública é quase universal, chegando a 96,3% dos domicílios. Pavimentação (81,7%), meio-fio ou guia (77%), calçadas (69%) e arborização (68%) também apresentaram índices que, se não são os ideais, não chegam a representar uma deficiência alarmante. Os resultados mais preocupantes apontados pelos pesquisadores dizem respeito à acessibilidade. Só 4,7% dos domicílios estão em áreas cujo entorno dispõe de rampas para cadeirantes – e há um contingente imenso de cidades onde a presença desse tipo de estrutura é zero.

“As características do entorno investigado nos permitem ampliar a compreensão da qualidade de vida da população sob o aspecto da circulação (calçada, pavimentação, rampas) e do meio ambiente (esgoto, lixo). Essas características complementam as informações dos domicílios que o IBGE investigou”, disse a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, que acrescentou: “O que está fora afeta o que está dentro dos domicílios”.

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O estudo mostra, mais uma vez, contrastes entre Sul-Sudeste em comparação com Norte-Nordeste. Em todo o Brasil, a presença de esgoto a céu aberto foi detectada no entorno de 11% dos domicílios. Na região Norte, porém, o problema está em 32,2% das residências. No Nordeste, esse índice chega a 26,3% – ante 4,2% no Sudeste, 5,7% no Sul e 2,9% no Centro-Oeste.

O levantamento classifica a qualidade da urbanização considerando o tamanho das populações de cada município. Há desvantagens evidentes para as cidades menores, com até 20.000 habitantes. Nestes locais, estão os piores índices em algumas das categorias, como presença de calçadas nas vias (53,2%, enquanto o patamar nacional é de 69%). No outro extremo, cidades com mais de 1 milhão de moradores têm cobertura de 82,9% nesse quesito.

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Flash

Qualidade de vida – As características avaliadas pelo estudo de agora têm impacto direto na qualidade de vida dos moradores. Um exemplo disso é São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. A cidade apresenta indicadores abaixo da média nacional. Na comparação com os patamares brasileiros, o município fluminense apresenta menores percentuais de domicílios localizados em ruas pavimentadas (61,7%), com calçadas (54%), meio-fio (59,5%), arborização (34,9%), iluminação (95,6%), rampa (4,4%) e bueiro (35,3%). Os índices de esgoto a céu aberto (18,9%) e lixo acumulado (14,3%) são maiores do que a média brasileira.

Na Rua Professor Altivo, no bairro Mutuaguaçu, o cenário na quinta-feira era de um terreno revirado. Os domicílios naquela região fazem parte do grupo cujas ruas não apresentam pavimento, calçada, meio-fio, arborização, bueiro e rampa. O esgoto a céu aberto também atormenta os moradores. Em frente às casas, corre um valão. Em tempos de chuva, a água suja chega a entrar nas casas. Moradores da rua relatam que, após muita insistência, a prefeitura atendeu aos chamados e foi ao local tentar melhorar o esgotamento. Os funcionários passaram três semanas tirando terra e lixo do valão e corrigindo desníveis na rua. Na quarta-feira desta semana, uma chuva forte mostrou que o esforço não passou de uma maquiagem.

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Bairro Porto da Pedra, em São Gonçalo
Bairro Porto da Pedra, em São Gonçalo (VEJA)

Cláudia Miranda, de 37 anos, tem uma rotina para os dias de chuva: galocha nos pés e rodo na mão. Nessas situações, ninguém entra e ninguém sai da rua. “Minha filha tem 19 anos e até hoje a bicicleta dela está guardada, porque nunca aprendeu a andar. Não tem asfalto aqui”, reclama Cláudia. A via não tem placas com o nome do logradouro. Alguns moradores penduraram o endereço em seus portões. De forma geral, a maneira mais fácil de encontrar quem ali vive é chegar ao “ponto final do 515 (ônibus), primeira a esquerda e a primeira a esquerda novamente” – uma espécie de coordenada de navegação primitiva.

Na mesma rua moram Mabel, de 33 anos, e sua mãe, Maria Santos, de 64. Maria tem uma deficiência na perna que compromete seus deslocamentos. Na quarta-feira, teve de esperar na casa de uma conhecida o aguaceiro de sua rua diminuir. Por causa da irregularidade da terra, Maria já quebrou o braço três vezes, em quedas na rua sem pavimentação e sem calçada. A urbanização deficiente traz problemas para a saúde: com o esgoto, chegam ratos e caramujos africanos.

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No bairro do Porto da Pedra, também em São Gonçalo, Iara Santos, de 77 anos, também sofre com a chuva. “Não dá nem para andar, é só lama”, reclama. A rua é de terra e, às vezes, a prefeitura passa um trator para deixar a rua plana. “Há um bocado de tempo prometem melhorias. Mas só enganam”, diz. Onde Iara mora, cabe ao próprio morador construir sua calçada. “Meu filho capinou aqui em frente da casa. Quando eu tiver dinheiro paras comprar cimento e areia eu faço a minha calçada. A vontade é muita”, conta Iara sobre um serviço que deveria ser executado pela prefeitura.

Professor da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gerônimo Emilio Almeida Leitão alerta que as condições de urbanização precisam ser entendidos como um conjunto de fatores com relação direta com a qualidade de vida da população. “Moradia não é apenas o teto sobre a cabeça e o piso. Significa um conjunto de elementos que envolvem a vida na cidade, como o acesso à infraestrutura, transporte. Por várias razões, na região metropolitana do Rio, há uma distribuição extremamente desigual dessa infraestrutura”, explica Leitão.

Em ano eleitoral, uma dessas características ganha notoriedade. A pavimentação é um prato cheio para a politicagem. “No período pré-eleitoral, observamos muitos prefeitos, do Brasil todo, executando obras de pavimentação sem resolver questões como drenagem”, diz Leitão. No caso da Rua Professor Altivo, o asfalto era tão ruim que não resistiu ao início da campanha: desmanchou-se na primeira chuva.

Metodologia – A pesquisa foi realizada em áreas urbanas do Brasil onde havia face de quadra (lado de um quarteirão). O levantamento foi realizado no entorno de 96,9% dos domicílios particulares permanentes (construídos para fins exclusivamente de habitação e com a finalidade de servirem de moradia a uma ou mais pessoas). Quando a análise englobava rampa, calçada ou meio fio, foi levado em consideração apenas a própria face de quadra. Nos demais aspectos, a pesquisa contou também a face confrontante.

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