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Manobras atrasam júri da morte do menino Bernardo

Assassinato do garoto de 11 anos no Rio Grande do Sul completa um ano neste sábado. Réus, entre eles o pai e a madrasta, devem ir a júri popular

Por Felipe Frazão 4 abr 2015, 08h14

Há exatamente um ano, o menino Bernardo Boldrini, de 11 anos, saia de casa em Três Passos (RS) no carro de sua madrasta, a enfermeira Graciele Ugulini. Ele não voltaria da visita que fizeram à cidade vizinha de Frederico Westphalen. Naquela sexta-feira, Bernardo achava que iria fazer compras: ansiava por um aquário e uma TV nova. Estava sendo enganado com falsas promessas pela madrasta, segundo a Polícia Civil. Ele seria morto com uma superdosagem de tranquilizante e enterrado envolto em um saco plástico na beira do Rio Mico. O corpo só foi encontrado dez dias depois. Denunciados pelo Ministério Público, os quatro acusados de planejar e executar o assassinato do menino e de ocultar o cadáver seguem presos preventivamente e sem data para ir a julgamento: além da madrasta, o pai do menino, o médico Leandro Boldrini, uma amiga dela, a assistente social Edelvânia Wirganovicz e o irmão Evandro Wirganovicz. Eles nem sequer foram ouvidos pelo juiz – fase que pode acontecer neste ano.

O processo da morte de Bernardo se tornou uma longa argumentação que se estende por 6.618 páginas e 32 volumes na Justiça gaúcha. Foram ouvidas 25 testemunhas de acusação e 27 de defesa até agora. Só os advogados do pai de Bernardo chegaram a arrolar 37 testemunhas, mas depois desistiram dos depoimentos na data das audiências, de acordo com a promotora de Justiça Silvia Jappe. Para o Ministério Público e até para o advogado de um dos réus, a estratégia serviu como manobra para atrasar o andamento do processo e colocar os presos em liberdade. “Foram arrolados muitas testemunhas pela defesa e isso não era esperado. Eles foram desistindo das testemunhas, mas só no dia das audiências, quanto todo o trâmite já tinha sido realizado”, diz a promotora. “Eles já alegaram até excesso de prazo para tentar soltar os réus.”

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A estratégia não prosperou. Nenhum habeas corpus em favor dos réus foi acatado pela Justiça. O juiz da 1ª Vara de Três Passos, Marcos Luis Agostini, alertou em despacho na semana passada: “Eventual atraso no encerramento da instrução, nesse momento, deve ser atribuído à defesa, que não poderá alegar excesso de prazo e, com esse argumento, postular a revogação das prisões preventivas”. O magistrado pediu urgência na oitiva da 28ª testemunha no processo, arrolada pela defesa da madrasta e marcada para o dia 11 de maio em Boa Vista (RR), e também na resposta do Instituto Geral de Perícias (IGP) a questionamentos dos advogados do pai de Bernardo – o que pode tomar mais vinte dias. A defesa de Boldrini quer saber das técnicas utilizadas na perícia grafotécnica que não conseguiu confirmar se a assinatura encontrada na receita médica do sedativo usado no assassinato era ou não do médico.

A demora chega a opor a estratégia dos réus no caso. O advogado Hélio Francisco Sauer, defensor de Evandro Wirganovicz, reclamou da lentidão ao site de VEJA: “É testemunha para procrastinar, para prolongar os prazos do feito”. O advogado disse que Evandro, preso em Três Passos (RS), “nega autoria nos crimes e está preso injustamente”, mas prefere que seu processo seja desmembrado ir a júri popular logo, se não responder em liberdade. “O Evandro não teme o júri, ele tem certeza que vai ser absolvido e quer enfrentar o processo. Os interesses dele são antagônicos aos dos demais réus, que vão recorrer com apelação ao TJ, recurso especial ao STJ, recurso extraordinário ao STF, agravo de instrumento, embargos declaratórios. Não é o caso dele. É óbvio que vai acontecer por parte dos outros três réus artifícios, recursos e atos protelatórios para fazer a sociedade esquecer. E ele fica junto pagando o pato”, disse Sauer. “Para eles, quanto mais protelarem, melhor é. Já vão cumprindo [a pena] na preventiva e eles pensam que vai arrefecendo um pouco os ânimos da sociedade. Mas nesse caso não vai arrefecer nunca, como no caso dos Nardoni.”

A promotora Silvia Jappe diz que os réus só irão a júri neste ano caso não haja recurso da sentença de pronúncia. O defensor de Evandro estima que o processo ainda passe por fase de recursos no Tribunal de Justiça gaúcho e em cortes superiores em Brasília até o ano que vem. A expectativa é semelhante à do defensor de Edelvânia, Demetryus Eugênio Gapriglia. “Por mais rápido que o processo tramite no Rio Grande do Sul, isso pode subir a instâncias superiores. É muito possível que esse ano não ocorra o julgamento do caso Bernardo.”

Ele afirma que os réus, no entanto, devem ser pronunciados e ir a júri popular. O criminalista disse ao site de VEJA que estuda alegar a incapacidade mental de Edelvânia para tentar evitar a condenação. Ele deve pedir uma perícia médica na ré. “A Edelvânia não está bem de saúde mental, ela hoje é uma pessoa completamente abestalhada, fala frases desconexas, não reconhece pessoas. Esse ano que ela ficou na cadeia serviu para liquidar a cabeça dela e qualquer possibilidade de ela entender uma condenação”, disse Gapriglia. “Dar ou não dar uma pena a ela é inócuo. Vamos alegar e inquirir a respeito da inimputabilidade penal dela, que pode ser com relação àquela época. Não sei se a Edelvânia era uma pessoa normal, se tinha condições de entender e reagir de forma diferente à pressão que a Graciele fez para que ela enterrasse o menino. Ela não tinha limites.”

A tese da defesa de Edelvânia é que ela participou apenas do crime de ocultação de cadáver, por ter sido pressionada pela madrasta e recebido uma compensação financeira. Ela rejeita participado da execução de Bernardo, crime que descreveu inicialmente à Polícia Civil, com doses de Midazolam em comprimidos e uma injeção letal que teriam sido aplicadas por Graciele Ugulini. Segundo o Ministério Público, o crime ocorreu porque a madrasta e o pai de Bernardo, que tiveram uma filha mais nova, consideravam o menino um “estorvo” ao relacionamento e tinham interesse em bens deixados pela mãe dele, morta em 2010. O caso foi encerrado como suicídio de Odilaine Uglione, mas a família contesta provas e pede a reabertura do inquérito. O Ministério Público pediu à Polícia Civil esclarecimentos sobre a investigação original.

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O Ministério Público do Rio Grande do Sul conseguiu bloquear todo o patrimônio de Leandro Boldrini. Ele é alvo de uma ação de indignidade para que seja impedido de receber a herança deixada pelo filho, por ser suspeito de ter participado da morte. A avó materna de Bernardo, Jussara Uglione, já tentou na Justiça obter antecipadamente os bens que teriam sido deixados pela filha a Bernardo, mas o pedido foi negado. Graciele e Leandro também perderam provisoriamente a guarda da filha mais nova.

Leandro Boldrini, Graciele Ugulini e Edelvânia Wirganovicz estão presos preventivamente há quase um ano em presídios da Grande Porto Alegre. Elas já pediram transferência para o interior, mas o governo gaúcho afirmou que não poderia garantir a integridade delas fora da Penitenciária Feminina de Guaíba. Os três são mantidos em celas separadas – o pai do menino está na cadeia de Charqueadas. Evandro Wirganovicz permanece preso em Três Passos. Eles são alvo de manifestações frequentes na cidade. Algumas passeatas, uma vigília e uma missa estão marcadas para este sábado em Três Passos e Santa Maria, onde os corpos de Bernardo e Odilaine foram sepultados.

O site de VEJA procurou os advogados de Leandro Boldrini e Graciele Ugulini, mas os defensores disseram que não vão se manifestar publicamente. Os advogados do médico, Ezequiel Vetoretti e Rodrigo Grecellé Vares, informaram que vão “manter a discussão apenas no âmbito judicial”. O advogado da madrasta, Vanderlei Pompeo de Mattos, disse, por telefone, que prefere não se manifestar sobre o caso fora dos autos.

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