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Tragédia de Mariana: ‘bagunça jurídica’ ameaça indenizações

Samarco já é alvo de ações que ultrapassam 20,5 bilhões de reais – mas excesso de processos pode fazer com que o dinheiro nunca chegue às vítimas

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 dez 2015, 06h39

Responsável pela barragem de rejeitos de minério que se rompeu na cidade mineira de Mariana, devastando distritos e rios da região, a mineradora Samarco é agora alvo de ações que ultrapassam os 20,5 bilhões de reais. Os processos visam garantir a indenização às famílias afetadas e recuperar as cidades e ecossistemas atingidos. Mas essa enxurrada de ações pode justamente ter o efeito contrário ao pretendido. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA alertam para o fato de que a “bagunça processual” resultante da quantidade de pleitos contra a Samarco pode fazer com que o dinheiro nunca chegue às famílias.

Uma situação ilustra o caso: em 11 de novembro o juiz Frederico Esteves Duarte Gonçalves, da Comarca de Mariana, determinou o bloqueio de 300 milhões das contas da Samarco. A empresa recorreu, alegando que já havia assinado um termo com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais no qual se comprometia a desembolsar 1 bilhão de reais, mas o juiz não acatou ao pedido. Como a quantia pretendida não foi encontrada, o juiz bloqueou as dez contas que a empresa mantém no Brasil – e afirmou que a Samarco age como um ‘botequim de esquina’. A mineradora, por fim, resolveu depositar 500 milhões de reais em duas contas no dia 30 de novembro e todo esse montante acabou bloqueado. O magistrado teve, então, de autorizar a empresa a movimentar 208 milhões de reais para pagar o salário dos funcionários.

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Enquanto isso, as famílias de Bento Rodrigues, distrito totalmente destruído pela lama, só receberam o primeiro auxílio financeiro na última terça-feira, quase um mês depois do incidente. E não se trata de indenização, apenas de uma ajuda de custo – um salário mínimo por família, mais 20% do mínimo por dependente e uma cesta básica. Além disso, mesmo com os 300 milhões de reais bloqueados, 241 famílias de Bento continuam abrigadas em hotéis, sem saber o que será do futuro. Cinquenta e três foram alocadas em casas alugadas pela Samarco. “A profusão de ações deflagra uma situação de insegurança jurídica. Do jeito que está, a empresa vai declarar insolvência e, no fim, não vai pagar nada”, afirma o presidente da comissão de Direito Ambiental da OAB-MG, Mario Werneck, que tem acompanhado de perto o drama dos desabrigados em Mariana. “Abrir ação é fácil, mas será que todas elas terão êxito?”, questiona. Werneck conta que presenciou “diversos advogados distribuindo cartões para a população de Mariana” e que centenas de ações devem ser protocoladas nas próximas semanas por empresas, fazendeiros e sindicatos. “Ouvi isso de vários advogados”, disse.

Um termo de ajustamento de conduta (TAC) deve ser apresentado no dia 9 de dezembro pela Promotoria de Mariana à mineradora para acertar os valores da ação indenizatória, segundo o promotor da cidade, Guilherme de Sá Meneghin. “Os 300 milhões foram pegos como garantia”, diz. O procedimento para se chegar à quantia total de ressarcimento não é um caminho simples. Em termos práticos, os afetados devem colocar no papel tudo o que perderam, incluindo bens imateriais, e entregar a lista a advogados que calculam um valor aproximado das perdas – inclusive, os danos morais. “Imagina onde essas pessoas vão passar o Natal. Imaginemos como deve ser vestir todo dia uma roupa que não é sua, comer um prato de comida que você não fez, não ter onde colocar a cadeira fora de casa – pois era isso que eles faziam em Bento”, diz Werneck. Segundo ele, é preciso estabelecer critérios, prioridades e medidas céleres para fazer com que a empresa custeie as carências mais imediatas dos atingidos.

Além do bloqueio de 300 milhões de reais, a companhia é alvo de uma ação movida na Justiça de Brasília pelo governo federal e pelos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Se o pedido for acatado, a Samarco terá que desembolsar 20 bilhões de reais, junto com a Vale e a BHP (acionistas da empresa), a um fundo privado. Já a Justiça estadual de Minas determinou que a empresa deposite 1 bilhão de reais em juízo em ação movida pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Outro 1 bilhão de reais foi acertado mediante um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público Estadual de Minas Gerais. Todos esses processos têm o mesmo objetivo: cobrar da empresa a reparação pelos danos ambientais decorrentes da tragédia.

Um dos autores desse último processo, o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais do MPE-MG, destaca que é preciso evitar a judicialização das ações – por isso, a ideia do TAC. “Quando você leva a discussão para a Justiça já se sabe que vai levar anos. Eu vejo com preocupação essa pulverização de processos. É como se houvesse uma corrida para ver quem vai pedir a primeira indenização”, afirmou. Segundo o acordo, a própria Samarco deve guardar 1 bilhão de reais e destiná-lo integralmente à recuperação do Rio Doce. O trabalho da promotoria é averiguar se a empresa está cumprindo com os termos acordados, sem a intervenção da Justiça. “No caso de bloqueios judiciais, por exemplo, qualquer plano que seja proposto às famílias deverá ter a autorização da Justiça antes de ser implementado”, disse. Quinhentos milhões de reais foram depositados na última semana e o restante deve ser disponibilizado até o dia 27 de dezembro.

A produção desenfreada de ações ainda acaba resultando em conflito entre os processos, como no Espírito Santo. Antes que a lama de rejeitos atingisse o mar, o tribunal estadual determinou que a Samarco abrisse a foz do Doce para que a lama alcançasse o oceano, enquanto uma decisão da Justiça Federal exigia que a mineradora barrasse a chegada dos resíduos ao ecossistema marítimo.

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O procurador-geral do Espírito, Rodrigo Rabello Vieira, é um dos signatários de uma das ações mais caras contra a Samarco, ao lado do procurador-geral federal Renato Rodrigues vieira, do procurador-geral da União Paulo Henrique Kuhn, e do advogado-geral de Minas Onofre Alves Batista Junior. Vieira reconhece que a medida é para “o longo prazo”. Pelo texto, a Samarco, a Vale e a BHP são intimadas a depositar 2 bilhões de reais anualmente num período de 10 anos para investir em projetos de revitalização do rio. “Esse processo visa justamente não fazer uma sobreposição de ações”, disse o procurador.

O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), já manifestou preocupação com a pulverização das medidas e disse que vai atuar para que os municípios afetados embarquem numa mesma ação, a que foi ajuizada pelo governo federal. “Nós vamos tentar confluir tudo para uma única ação e isso vai facilitar demais e dar velocidade ao processo judicial”, disse.

Ambiente – Todo o dinheiro que está sendo exigido da Samarco pode não ser usado em sua totalidade para reverter os danos ambientais. Uma das primeiras sanções aplicadas a empresa foi feita pelo Ibama, com cinco multas que totalizavam 250 milhões de reais. Apesar de ser a maior punição aplicada pelo instituto, o valor foi considerado irrisório pelos ambientalistas. O maior problema, no entanto, é se essas sanções vão ser efetivamente pagas. Entre 2011 a 2014, apenas 9% das quantias cobradas em multas ambientais pelo Ibama foram arrecadadas. Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que o órgão tem 6,1 bilhões de reais a receber de devedores. E quando esse dinheiro cai no caixa, parte dele é usado para custear despesas corriqueiras do instituto, como IPVA e IPTU. Segundo o Contas Abertas, os montantes oriundos de multa já serviram até para pagar a compra de um bebedouro e de alimentos, como café e açúcar.

Em entrevista ao site de VEJA, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), já havia dito que a sua maior preocupação era que o dinheiro levantado para cobrir os prejuízos do desastre fosse usado para aliviar o caixa dos governos, que passam por um período de crise econômica. “Qualquer coisa que se faça agora é precipitado. Ficar aplicando multa é um problema, porque ela cai na estrutura fiscal dos entes federados”, disse ele. Enquanto as sanções são protocoladas na Justiça e a empresa lança mão dos recursos, as autoridades ainda tentam encontrar um plano concreto para revitalizar o Rio Doce.

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