Por Natalia Cuminale
Originalmente desenvolvido para repelir animais perigosos, o spray de pimenta foi largamente adotado pelos carteiros americanos, que tentavam se proteger de cães ferozes. No Brasil, o item tem conquistado adeptos que o utilizam para se defender de outro tipo de perigo: a criminalidade dos centros urbanos. Apesar de ser classificado como arma não-letal de uso controlado pelo Exército, o spray pode ser facilmente encontrado em sites brasileiros, onde é vendido por cerca de 50 reais, nas apresentações de chaveiro, caneta e até batom. Aceita-se cartão de crédito e boleto bancário na compra.
Até o site de relacionamentos Orkut abriga a comunidade “Eu tenho um spray de pimenta”, com 57 membros. No fórum do site de discussão, pessoas discutem qual é a melhor forma de comprar e até fazem propaganda da venda. Outras revelam ter trazido o produto do exterior.
Embora saibam que o comércio e o porte do spray é ilegal, os consumidores alegam que o produto traz mais segurança diante da crescente violência nas grandes cidades. Por conta da pequena dimensão, o item pode ser guardado dentro de bolsas e porta-luvas do carro, além de ser até pendurado junto com as chaves de casa.
Spray em família – L.M, de 26 anos – que prefere não revelar sua identidade nesta reportagem -, conta que comprou seu primeiro gás de pimenta há seis meses, na Argentina. Atendeu a uma sugestão do marido, que é policial militar, em São Paulo. “Ele sempre me diz para não reagir em hipótese alguma a assaltos, se o criminoso estiver armado. Mas, por exemplo, se eu estou descendo do ônibus e uma pessoa vem me atacar, dá tempo de borrifar, correr, pedir ajuda para o porteiro e entrar no meu prédio”, afirma.
A preocupação com o bem-estar dos familiares é de fato uma das principais responsáveis pela difusão do spray entre os brasileiros. Esse foi o caso de J.V, de 28 anos, diretor-executivo de uma importadora, que ganhou sua primeira arma não-letal do pai, quando tinha 14 anos. “Sou de uma família tradicional de Foz do Iguaçu e, consequentemente, um possível alvo de sequestro”, explica. Acostumado a andar com o produto pendurado na cintura, ele conta que sempre presenteia as pessoas próximas com o spray. Ele garante que já reagiu a dois assaltos, mas nunca foi repreendido por policiais devido ao porte do spray. “Ao contrário: nos dias das ocorrências, os policiais me disseram: ‘Sorte que você tinha um spray�’.”
Vale lembrar que as autoridades condenam a reação a assaltos, como a praticada por J.V. “Não aconselhamos usar nenhum tipo de armamento, que muitas vezes pode acabar sendo usado contra a própria vítima”, orienta o tenente Elço, do 2º Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo. “É preciso manter a calma em um momento de crise e pedir apoio instantaneamente a uma patrulha.”
Dor inesquecível – Enquanto uns não abrem mão do spray, outros querem distância desse tipo de arma. É o caso da jornalista Thaíla Alves Moreira, de 26 anos, que depois de uma experiência traumatizante passou a abominar o produto. Ela estava com seis amigos na porta de uma casa noturna, quando um de deles mexeu com uma garota de outro grupo. Nervoso, um rapaz que acompanhava a garota foi até o carro, pegou o spray e borrifou a substância em todos os que estavam no local. “Dói tanto que você não sabe o que fazer para evitar aquela sensação: se fica agachado, em pé, se joga água, se tenta abrir o olho. Na hora, só reconhecia meus amigos pelos gritos, porque ninguém conseguia ver o outro”, lembra. “É uma sensação que não se esquece.”
Segundo a jornalista, a situação só melhorou quando todos foram encaminhados para o hospital. “Ficamos deitados nas macas, tomando soro na veia.” Um oftalmologista foi chamado para avaliar eventuais danos à visão das vítimas. “Foram horas com pomadas nos olhos, com os olhos vendados”, diz a jornalista. Quando o problema parecia superado, ela teve de voltar ao hospital, pois havia coçado os olhos e voltou a sentir ardência.
Ninguém foi punido pelo acontecido. Segundo a jornalista, um segurança da casa noturna chegou a anotar a placa do carro do rapaz que usara o spray, mas não foi possível fazer nada. “Alguns dias depois, fomos à delegacia, mas o delegado disse que precisávamos ter feito exame de corpo de delito na hora da agressão. Eu pergunto: como ir ao Instituto Medido Legal fazer o exame se nós mal conseguíamos respirar ou ficar em pé?”, questiona Moreira.