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Sinal de alerta no Bope

Integrantes do batalhão de elite relatam a VEJA sua preocupação de que os casos isolados de corrupção possam ser a semente do mal na mais bem preparada força policial do Brasil

Por Leslie Leitão 3 jul 2015, 22h33

Em uma série de grampos e mensagens de texto obtidos durante uma operação da Polícia Civil, o terceiro-sargento Arlen Santos Silva negocia com traficantes da quadrilha que se intitula Terceiro Comando Puro (TCP) do Rio de Janeiro. O sargento vende armas, informação e proteção aos bandidos. Em um único turno ganhava 12 500 reais. Nas conversas, fica evidente que o sargento tem comparsas dentro da corporação a que serve, o Batalhão de Operações Especiais da PM carioca, o Bope. Numa conversa telefônica, o traficante Ronaldinho fala do repasse de propinas ao sargento Arlen e ao “amigo dele”. Em uma mensagem de texto, o sargento promete avisar o traficante sobre uma ação policial cujos detalhes lhe seriam passados por um “major”. Para milhões de brasileiros que formaram uma imagem do Bope por meio do filme Tropa de Elite, de 2007, é um choque de realidade saber que os vergonhosos fatos narrados acima ocorreram com integrantes da unidade policial impoluta e incorruptível mostrada na ficção.

O Bope continua sendo uma das forças mais bem preparadas da polícia nacional. O que esta reportagem mostra é que a blindagem contra desvios de conduta no Bope está sendo constantemente testada por infratores cada vez mais ousados. Casos como o da promíscua relação do sargento Arlen com o bandido Ronaldinho podem ser um indício de que a semente do mal que germina tão facilmente nos batalhões regulares da PM se infiltrou no Bope? Essa é a preocupação relatada a VEJA por integrantes da tropa de elite. A partir de informações deles, a revista apurou vinte casos de infrações graves no Bope. O comando tem sido rápido em afastar culpados e suspeitos. A cultura da intolerância com os infratores ainda predomina. Mas, para quem vive a realidade cotidiana do batalhão, as irregularidades, longe ainda de serem a regra, podem estar se tornando inaceitavelmente mais frequentes.

O levantamento feito por VEJA abrange casos que aconteceram nos últimos sete anos e foram relatados por integrantes do Bope, investigadores das polícias Civil e Federal e corregedores. São ocorrências graves que demonstram tentativas bem-sucedidas de abrir brechas na blindagem ética do Bope. Em uma delas, revelou-se que Antônio Bonfim Lopes, o Nem, chefão do tráfico da Rocinha preso em 2011, tinha sete policiais do Bope na sua folha de pagamento. Um deles, de quem Nem se tornou compadre, ensinava táticas de patrulha à quadrilha. Descobertos por agentes do próprio Bope, os sete bandidos de farda foram transferidos para outros batalhões – o mesmo destino de um cabo suspeito de fazer parte da escolta do traficante mais procurado do Brasil, Celso Pinheiro Pimenta, o Playboy.

“Em determinado momento, o bicheiro Alcebíades Paes Garcia decidiu que, para fazer a segurança dele, seria preciso recrutar integrantes do Bope. Criou-se então a ‘tropa do Bide'”, relata um delegado da Polícia Federal que investigou o grupo. Um vídeo de 2008 obtido por VEJA mostra três policiais da tropa de elite escoltando Bide até um carro. Tudo indica que os militares foram desmascarados e transferidos para outros batalhões, mas o inquérito militar que apurou o caso foi arquivado.

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Durante a retomada do Complexo do Alemão, transmitida ao vivo pela TV em novembro de 2010, o comandan­te de uma equipe do Bope que encontrou um paiol de armas ficou com dois dos fuzis apreendidos. Um tenente denunciou o comandante. Os dois fuzis reapareceram e o oficial foi afastado. Na mesma operação, em uma das favelas do complexo, a Vila Cruzeiro, dois policiais do Bope foram flagrados, de folga, em um caminhão de mudanças com o qual esperavam furtar objetos de valor da casa de um traficante. A ação foi frustrada e os dois, transferidos. No fim do ano passado, o então comandante do Bope, tenente-coronel Luís Cláudio Laviano, ligou de madrugada para o batalhão e descobriu que uma turma do plantão havia saído para uma missão sem comunicar a ação a ninguém. No dia seguinte, todos os dez integrantes da misteriosa operação foram sumariamente excluídos da tropa de elite e transferidos para outros batalhões. A ação fulminante cortou o mal pela raiz? Aparentemente sim, mas fica a incerteza de que a melhor conduta foi mesmo a transferência imediata dos suspeitos, sem que se apurasse em detalhes o que fizeram fora do batalhão, fardados e armados, naquela noite.

Comandante do Bope em 2006 e ex-chefe da própria PM fluminense, Mário Sérgio Duarte esmiúça a prática, que vem passando de uma gestão a outra: “O Bope não espera a materialização de uma desconfiança para afastar seus indesejados. Faço até um mea-culpa. Na dúvida, os comandantes transferem seus potenciais problemas”. Alguns são efetivamente investigados, outros não. Essa lógica do silêncio faz parte da estratégia de forças de segurança de elite em todo o mundo. A aura de incorruptibilidade tem de ser mantida a qualquer custo. Investigações internas no FBI americano ou na Scotland Yard inglesa ocorrem longe dos olhos do público. Só raramente são reveladas.

Criado como Núcleo de Operações Especiais, em 1978, o Bope reunia apenas vinte homens escolhidos a dedo para compor a elite da polícia. O núcleo virou companhia, que se tornou batalhão. Hoje são 450 “caveiras”, apelido dos integrantes do Bope por causa do distintivo com o crânio humano trespassado por um punhal – símbolo quase universal de unidades de elite batizadas de “do or die”, ou seja, missão cumprida mesmo que o custo seja a morte. Fundador da tropa e especialista em segurança pública, o coronel Paulo César Amendola acredita que o inchaço do contingente foi fator determinante para o aumento das infrações: “Com pouca gente, é mais fácil manter a disciplina rigorosa”. Uma das características das unidades de alto desempenho, como os Seals, da Marinha dos Estados Unidos, é organizar-se em equipes pequenas em que todos os integrantes se respeitam, se conhecem – e, claro, se vigiam.

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Em 77 incursões contra traficantes nos últimos dois anos, os policiais do Bope mataram 83 pessoas em combate. Quantas foram mortas depois que se renderam, confundidas com bandidos ou simplesmente atingidas por projéteis disparados contra o alvo errado por criminosos ou policiais? Não se sabe. O Bope faz operações de guerra – e nas guerras matar é a lei. “Desvio de conduta aqui é roubar”, diz um sargento com mais de dez anos de experiência na unidade. Para os que seguem esse código inflexível, o elo de colegas com a bandidagem é grave o suficiente para que se rompa o silêncio e se revelem segredos – como os casos trazidos à luz por esta reportagem de VEJA. Procurados pela revista, os comandantes da PM e do Bope preferiram não falar. Fica o alerta.

O então sargento do Bope Arlen Silva oferece fuzis ao traficante Ronaldinho, braço-direito do chefão do Complexo da Maré

Sargento Arlen – Qual é neguinho?! Eu estou com um negocinho pra tu aqui! Como é que faz?

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Ronaldinho – Então… É trazer… quanto que é cada um?

Sargento Arlen – Quatro cinco (45 000 reais)

Ronaldinho – É muito, mané!

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Sargento Arlen – Vou chegar aí e a gente desenrola.

O sargento promete ao traficante avisar quando o Bope fará uma operação na Maré

Ronaldinho – Passou uns carros da Light (viaturas do Bope) aqui, com um guindaste também, entendeu?

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Sargento Arlen – Qualquer parada aí eu vou acionar.

Ronaldinho – Valeu, tamo junto!

O traficante deixa claro a um intermediário que a propina não é paga somente ao sargento

Ronaldinho – Dá um toque lá naquele amigo (o sargento), que foi comprar roupa contigo, que tu tá pegando o negócio (propina) pra ele e do amigo dele. Dá um toque nele aí, cara, que eu tô mandando uma mensagem pra ele, pra ele ver um negócio pra mim, entendeu (se o Bope irá à Maré)? E amanhã é dia do amigo dele (agente de outra equipe do Bope) que tá pegando (propina), entendeu?

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