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Sentenças que ferem a Constituição

Decisões judiciais que impõem censura à imprensa são ilegais, arranham a imagem da Justiça e devem ser revertidas por tribunais superiores

Por Nathalia Goulart e Paula Reverbel
29 set 2010, 12h40

Na última sexta-feira, o desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, proibiu 84 veículos de imprensa de publicar reportagens acerca de uma investigação do Ministério Público paulista e da Polícia Federal que evidencia que o governador daquele estado, Carlos Gaguim, está envolvido em um esquema de corrupção. Três dias depois, o TRE-TO entendeu que a sentença configurava censura e acertadamente derrubou o absurdo jurídico. O mais assustador, contudo, é que não se trata de uma decisão isolada. Juízes e desembargadores vem desferindo golpes contra a liberdade de imprensa, um direito constitucional, ao censurar publicações – confira alguns casos. Juristas e especialistas em direito constitucional definem bem a situação: trata-se de um “retrocesso” na evolução da democracia brasileira.

Segundo a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entre 2008 e esta segunda-feira foram registrados ao menos 12 episódios em que a censura prévia por ordem judicial se configurou claramente no país. Em outras palavras: jornais, revistas, sites ou telejornais foram proibidos de exibir reportagens que, em geral, traziam denúncias contra políticos antes mesmo de o conteúdo vir a público. Há ainda outros 12 casos em que a Justiça determinou que veículos retirassem reportagens de circulação. As decisões evidenciam uma característica da Justiça brasileira, mas também um desvio. A característica emerge no momento em que, na tentativa de defender o direito à privacidade – também resguardado pela Constituição -, magistrados acabam por violar o direito de expressão e de imprensa. O desvio surge, vez por outra, em rincões do país, quando juízes protegem as autoridades políticas de plantão. Não à toa, os maiores beneficiados pelas sentenças registradas pelo estudo da ANJ são os políticos.

“Censura prévia é inconstitucional”, sentencia o jurista Ives Gandra Martins. O ex-ministro da Justiça Paulo Brossard acrescenta: “A censura é a marca de estados de sítio e de emergência. Felizmente, não nos encontramos em nenhum desses casos”. E Mozart Valadares, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, complementa: “O Judiciário deve garantir o livre exercício do jornalismo: esses acontecimentos são infelizes e só arranham a imagem da magistratura”.

Qualquer tipo de censura é proibido pela Constituição. Diz o artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”. O parágrafo 2º dispõe de forma cristalina: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Os juízes que permitem tais transgressões se esquecem de que a mesma Constituição garante o direito de defesa a pessoas que eventualmente sejam, ou ao menos se sintam, prejudicadas pelas reportagens. “Não podemos confundir censura com sanção. A censura é sempre prévia e tem caráter genérico. A sanção a veículos de comunicação que eventualmente comentam abusos, se for o caso, é posterior à publicação e pontual”, explica César Mattar Júnior, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).

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O cidadão que se sentir lesado por qualquer material jornalístico, portanto, pode recorrer à Justiça, pleiteando direito de resposta e até indenização. No entanto, é inconcebível, do ponto de vista jurídico, proibir um jornal, revista ou telejornal de tocar neste ou naquele assunto. “Como é possível saber de antemão como um veículo tratará de determinado tema? Isso é absurdo”, diz Fernando Menezes, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Tomadas em instâncias inferiores, as decisões que impõem censura tendem a ser revertidas em tribunais superiores. Contudo, ao contrário do que ocorreu no Tocantins, em que o reparo à lei se fez em três dias, a decisão pode demorar. Nesse caso, os prejudicados não são apenas os veículos proibidos de realizar sua missão, informar, mas a Constituição e, é claro, o cidadão, que terá menos chances de fiscalizar os poderosos.

(Com reportagem de Aretha Yarak)

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