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Sem interagir com os setores específicos, governo empurra suas vontades para o Congresso, diz cientista político

Fabiano Santos afirma que o Executivo não dialoga com as categorias afetadas por seus projetos. A negociação acaba sendo repassada ao parlamento, que demonstra insatisfação ao ter de assumir o papel de para-raios

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 dez 2013, 14h48

Marcado por um clima turbulento, 2013 tornou evidente a tensão entre o governo e suas bases no Congresso Nacional. Votações de temas de maior impacto econômico – e, portanto, caros ao governo -, por pouco não se tornaram derrotas emplacadas por aliados – que por vezes promoveram rachas no bloco para assumir ares de oposição. As esgarçadas alianças, em especial PT e PMDB, tiveram exemplos mais contundentes na falta de votação da reforma política, no embate sobre a fixação ou não de alíquotas de royalties da mineração, no adiamento da proposta de um novo Marco Civil da Internet e nas tumultuadas sessões de apreciação da medida provisória que regulamenta o setor portuário.

Para o cientista político Fabiano Santos, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), além do choque partidário, o desgaste se deve à falta de interação entre o Executivo, comandado essencialmente pelo PT, e os setores atingidos por suas propostas de regulação. Centralizador das principais propostas a serem votadas pelo Congresso, o Palácio do Planalto acaba obrigando o parlamento a assumir a dupla função de legislar e assumir o papel de para-raios das vontades do Executivo.

“Não estão claros quais são os espaços de interlocução entre o governo e os atores atingidos pelas propostas de regulação. Esses espaços têm de existir de forma complementar ao Congresso, mas eles não foram definidos com tanta clareza”, afirma Santos. “Isso acabou dando curto-circuito e uma impressão de incompetência de determinados atores, mas na verdade com a dificuldade de coordenação já se poderia prever que os interesses mais vitais iam ser ouvidos apenas no Congresso.”

Leia os principais trechos da entrevista ao site de VEJA:

Qual a avaliação do senhor sobre a relação entre o Planalto e o Congresso neste ano? Passamos por um momento de inflexão da política e da economia, que diverge daquele modelo de governança do Lula, fortemente assentado em políticas redistributivas – o que garantia a popularidade e, portanto, servia de fator de agregação da coalização. O que se tem agora é um modelo no qual a economia está amparada na indústria e em investimentos, onde se torna necessária uma agenda de regulamentações. É uma agenda mais divisível porque vai definir ganhadores e perdedores, o tamanho do que ganha e quem ganha. Isso acabou dividindo bastante a coalização, principalmente PT e PMDB e marcou muito as tensões na coalização e na agenda da Dilma com o Congresso. O PMDB, de uma maneira, ainda organiza um grande ‘centrão’ e se colocou como o principal interlocutor dos grupos que se viam atingidos por essa agenda da Dilma.

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Faltou diálogo entre o Planalto e suas bases? Falta sim diálogo com o Congresso, esse não é o estilo da Dilma, mas existem outros atores que fazem isso de maneira mais ou menos habilidosa. É claro que sempre pode haver mais competência no trato com o Congresso, isso é da política e é uma análise pertinente. Mas acho que um ponto, que não é tão mencionado com frequência, é a falta de clareza do espaço de interlocução com os atores afetados pelas políticas fora do Congresso. Quando se mantém um diálogo de forma antecipada, é mais fácil depois diluir os conflitos dentro do Congresso. Mas como isso não acontece, os atores que são atingidos vão acionar ou procurar parlamentares para que as políticas sejam revertidas e emendadas. Não estão claros quais são os espaços de interlocução entre o governo e os atores atingidos pelas propostas de regulação. Esses espaços têm de existir de forma complementar ao Congresso, mas eles não foram definidos. A medida provisória dos portos, sem dúvidas, é um grande exemplo dessa falta de interação.

O Planalto, então, concentrou as decisões? Houve uma concentração das decisões na Casa Civil, que depois as encaminharam ao Congresso, onde as negociações acabaram acontecendo depois de o projeto já ter sido formulado. Não percebi com tanta frequência essas interlocuções sendo feitas – e essa é uma prioridade que eu acho que deveria existir.

O problema acabou sendo empurrado para o parlamento… Sim. Acabou apertando o cronograma no Congresso e dificultando o trabalho de coordenação. A gente sempre quer imputar o trabalho para determinados ministros, mas há situações em que o governo adota uma metodologia e os ministros acabam sendo atropelados por essa metodologia. As negociações tinham de ser feitas em algum lugar, e elas acabaram sendo feitas nas comissões, pelos relatores que ouviam os empresários. Há uma política de grandes interesses sendo feita ali no Congresso e o prazo original vai para as calendas. Os envolvidos em uma nova regulação não querem saber de prazos, eles querem saber de seus interesses atendidos. Isso acabou dando curto-circuito e uma impressão de incompetência de determinados atores. Mas, na verdade, com a dificuldade de coordenação, já se poderia prever que os interesses mais vitais iam ser ouvidos apenas no Congresso – o que exige tempo. Dessa forma, os prazos acabam sendo atropelados. Se tem uma MP para ser votada e os envolvidos não foram ouvidos anteriormente, eles serão ouvidos durante a votação – e aí não tem competência na coordenação que resolva.

Qual deve ser o clima entre o Planalto e o Congresso em 2014, ano de eleição? As eleições determinam que os políticos precisam tomar decisões e fazer seus cálculos sobre se apoiam ou não o governo, mas por outro lado a agenda parlamentar fica muito esvaziada justamente porque os políticos ficam em suas bases. Acredito que já no primeiro semestre isso vai ser percebido. A sociedade estará mais mobilizada e os políticos estarão preocupados com as eleições. A base aliada, nesse ano, atrapalhou, mas não obstaculizou a agenda. Não era exatamente o que o governo queria, houve divisões, mas não chegaram a inviabilizar a aprovação do que o Planalto defendia. Em 2014 não deve ser diferente.

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Apesar das manifestações, o Congresso perdeu a oportunidade de votar projetos importantes, como o Marco Civil da Internet e a reforma política. O que falta para acabar com a morosidade do parlamento? São matérias difíceis, cercadas de muita incerteza, não há uma clareza sobre quem está a favor ou contra, os partidos ficam divididos em torno das matérias. Não há uma hegemonia, um bloco majoritário a favor do tema que realmente tenha a certeza de que aquilo precisa ser votado – nem o governo entra em campo com a certeza sobre um determinado projeto.

Mas o governo não tem certa culpa nessa lentidão, já que sobrecarregou as votações com excessivas medidas provisórias e demais matérias que trancam a pauta? O ano foi encerrado sem importantes votações por causa do Marco Civil da Internet, que tranca a pauta. O governo não tem uma clareza se o projeto está atendendo a ele. Então, na medida em que isso não existe, é difícil levar adiante. O Marco Civil é uma proposta muito incerta, é um mundo novo e fazer uma regulação de um assunto novo onde os interesses não estão muito claros é complicado. O governo está preocupado em encontrar um equilíbrio e não quer aprovar uma matéria para desgastar a base ainda mais. Sobre a reforma política, a situação é similar: PMDB e PT não se entendem em quase nada, então é difícil avançar.

Mesmo com as reivindicações por mais transparência, as mordomias no parlamento, como a farra no uso de jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB) e o aumento no valor das cotas parlamentares, continuam. Como mudar esse cenário de regalias? Precisa haver uma discussão geral sobre mordomias, inclusive também no Executivo e no Judiciário. Acho que existe uma cultura de muitos anos da elite política se aproveitar de determinada situação para montar privilégios. E está demorando muito para a gente modernizar essa parte. Formou-se uma cultura com a ideia de que a elite pode ter privilégios. Tem de haver uma maior análise sobre o que é ou não cabível. Eles usam o poder para encobrir o que têm de privilégios, toda parte de salário, reajuste, acúmulo de funções e de verbas. A gente não tem essa clareza sobre o gasto que se tem.

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