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Rota dos haitianos para o Brasil: os perigos no caminho

Dos 25.000 haitianos que vivem no Brasil, 15.000 passaram pelo galpão de 4.500 m² disponibilizado pelo governo do Acre na fronteira com a Bolívia

Por Mariana Zylberkan, de Chapecó
2 fev 2014, 07h23

Um emprego no oeste catarinense é o destino final de um percurso difícil, que inclui travessia clandestina por três países e vários dias em um abrigo superlotado, com precárias condições de higiene, na cidade de Brasileia (AC). Dos 25.000 haitianos que vivem no Brasil, cerca de 15.000 passaram pelo galpão de 4.500 metros quadrados disponibilizado pelo governo do Acre. Lá, são oferecidas refeições e emissão de documentos aos haitianos que chegam ao país. No caminho, os haitianos dizem ter sido achacados por policiais peruanos e os chamados “coiotes”, que cobram até 2.000 dólares por pessoa para cruzar a fronteira do Peru com o Brasil. Colchões espalhados pelo chão servem de camas, e os dez banheiros improvisados são insuficientes; há relatos de esgoto a céu aberto.

O abrigo tem lotação máxima para 400 pessoas, mas, desde a segunda semana de dezembro, está superlotado. Nesta semana, foram contados 1.244 imigrantes. “As empresas entraram em recesso no fim do ano e passaram dias sem vir buscar haitianos para trabalhar”, diz Damião Borges, funcionário da secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Acre que cuida do abrigo.

Leia também: Sem mão de obra, SC importa haitianos

A situação fez o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, sugerir ao governo federal fechar a fronteira do Brasil com o Peru, principal porta de entrada dos haitianos, mas a ideia foi refutada. “Estamos à beira de uma tragédia no abrigo, mas o governo decidiu manter a tradição brasileira de manter as fronteiras abertas”, diz o secretário.

O Ministério Público Federal do Acre instaurou uma ação civil pública para exigir do governo brasileiro melhor tratamento aos haitianos. “É preciso uma definição da política brasileira para os imigrantes haitianos”, diz o procurador da República Pedro Henrique Kenne.

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A haitiana Philomise Saint-Fleur, de 37 anos, diz que ficou horrorizada quando viu que teria que passar alguns dias no abrigo até regularizar a documentação no Brasil. “Não acreditava que sai da minha casa para passar vergonha em outro país. Não tinha privacidade nenhuma, nem para tomar banho.”

Alguns que chegam com um pouco mais de dinheiro em Brasileia ficam em pensões, que cobram de 20 a 30 reais a diária. A maioria dos imigrantes toma banho no banheiro público da rodoviária de Brasileia ao preço de um real.

Mas, até cruzar a fronteira do Brasil, os haitianos viajam dias a partir da República Dominicana, país vizinho ao Haiti. De lá, embarcam para o Panamá e para o Equador, que não exige visto de entrada. Alguns permanecem no país por algum tempo até juntar dinheiro para o resto da viagem. De Quito (Equador), cruzam o Peru até a cidade de Puerto Maldonado, onde atravessam de carro a fronteira do Brasil e chegam à cidade de Assis Brasil (AC). A corrida de táxi até Brasileia custa 20 reais.

Ao longo de todo o percurso, há relatos de achaques de policiais peruanos, que exigem propina para não denunciar a condição irregular no país – peças de roupa e tênis viram pagamento de propina. Os “coiotes” exigem altas somas para atravessá-los pelas fronteiras e também criam uma taxa de câmbio clandestina para trocar os dólares por soles (moeda peruana) ou reais.

A haitiana Velouse Dominique, de 30 anos, teve que deixar na mão de policiais corruptos boa parte do dinheiro que o marido Gustave Michel demorou mais de um ano para juntar como pedreiro em Chapecó (AC) para que ela viesse morar com ele. “Eles nos ameaçam e temos que dar o dinheiro.”

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Vistos – De acordo com Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego, não há motivos para os haitianos se submeterem a tantos perigos para entrar no Brasil. Desde janeiro de 2012, uma resolução normativa permitiu a emissão de até 1.200 vistos por ano a haitianos. Em 2013, a resolução foi modificada e determinou a emissão ilimitada de vistos até janeiro de 2014. No fim do ano passado, o prazo foi prorrogado pelo Ministério do Trabalho até janeiro de 2015. “Vamos estender os postos de emissão de visto até Quito para ver se diminui a vulnerabilidade dos imigrantes durante o trajeto.”

Apesar de os haitianos não cumprirem os requisitos de refugiados, como as vítimas de perseguição política, por exemplo, eles são tratados como tal quando chegam ao Brasil. A Polícia Federal emite um protocolo que lhes dá direito a um número de CPF e uma carteira de trabalho. Desde janeiro de 2010, foram emitidas 12.352 carteiras de trabalho e, atualmente, 5.670 estão ativas, segundo dados do governo federal.

Alguns haitianos, no entanto, reclamam da demora no processo de emissão do visto e, por isso, se arriscam na rota clandestina. Outros conseguem o visto apenas para viabilizar a imigração para outros países, como Estados Unidos e Canadá. “Com a permissão de morar no Brasil é bem mais fácil ser aceito nesses países”, diz Joseph Falsa, de 28 anos, que planeja se juntar ao pai e ao irmão que moram nos Estados Unidos.

Rota percorrida por haitianos até chegar ao sul do Brasil

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