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Rocinha já tem 10 pré-candidatos para 2012

Depois de duas eleições com curral eleitoral montado pelo traficante Nem, moradores perdem o medo e planejam disputar eleições municipais

Por Cecília Ritto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 23 nov 2011, 11h58

“Não colocávamos os pés lá. Ninguém se aproximaria de nós, porque depois o morador era cobrado. Se fôssemos, estaríamos pondo em risco até quem viesse nos ajudar”, diz Andrea Gouvêa Vieira, do PSDB

Recuperar a Rocinha de 40 anos sob domínio de bandidos vai levar tempo. Mas alguns efeitos rápidos do fim do ‘reinado’ do traficante Nem e de seus antecessores na dinastia do tráfico são surpreendentes. A ocupação policial que tem pouco mais de 15 dias fez surgir na favela uma geração de pré-candidatos a vereador, que planejam disputar as eleições de 2012. Nas últimas duas eleições, em 2008 e 2010, Antônio Bonfim Lopes, o Nem, incorporou às ‘leis’ do tráfico regras também para a política. E só candidatos autorizados por ele puderam fazer campanha na favela. Quem mora lá sequer ousava se lançar sem o aval e a bênção da quadrilha. Depois da prisão de Nem, já são 10 os pré-candidatos. Este é o número de filiados a partidos que manifestaram intenção de concorrer e disputar, sem repressão, os votos em uma população que pode beirar os 200 mil moradores – são 80 mil segundo o Censo de 2010, mas números atualizados estão sendo processados pelo IBGE.

Algumas figuras são mais conhecidas. William Oliveira, presidente da associação de moradores entre os anos de 2004 e 2007, já concorreu a uma cadeira na Câmara dos Deputados pelo PRB. Conhecido como “William da Rocinha” não tem certeza se tentará o legislativo municipal. Procurado por vários interessados em disputar o pleito do próximo ano, a certeza de William é de que haverá mais opções de candidatos de dentro da favela do que em 2008, quando o tráfico apoiou o nome de Luiz Cláudio de Oliveira, o Claudinho da Academia – morto em 2010, de enfarte. William chegou a ser preso em 2005, por associação para o tráfico. A prisão preventiva foi revogada pela Justiça.

Na última eleição para a Câmara dos Vereadores, a ditadura imposta por Nem vetou concorrências a Claudinho. E o resultado da votação deixou clara a força do voto no morro – e o poder perverso que o tráfico exercia: Claudinho ganhou a eleição com pouco mais de 11 mil votos, quase todos da Rocinha. Em 2008, a ordem para votar em Claudinho era clara o suficiente para também afastar os candidatos que não eram moradores da favela. Naquela eleição, para tentar impedir a formação de currais eleitorais em favelas do Rio e a interferência de traficantes e milicianos no pleito, foi realizada a Operação Voto Livre, da Polícia Federal, que resultou na prisão de candidatos acusados de ligação com o crime – uma delas Carminha Jerominho, que concorria pelo PT do B, filha do ex-vereador Jerônimo Guimarães (ex-PMDB), preso acusado de comandar uma milícia na zona oeste do Rio.

A interferência dos bandidos da Rocinha não se limitou às eleições municipais. Em 2010, na Vila Canoas, um pequeno conjunto de casas próximo à Rocinha, a uma semana da eleição, a propaganda de Marcelo Itagiba, que tentava se reeleger deputado federal pelo PSDB, foi retirada por ordem de Nem – a de outros dois candidatos foi mantida. Entre os que puderam fazer campanha na Rocinha e na Vila Canoas estão André Lazaroni (PMDB) e Marcelo Sereno (PT).

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A interferência do crime na política criou, assim, uma linha divisória imaginária, mas fortíssima, que separou o morro do asfalto. E mesmo candidatos com tradição de votação naquela região não puderam fazer campanha na Rocinha. Foi esse o caso da vereadora Andrea Gouvêa Vieira, do PSDB. Com boa votação na favela em 2004, Andrea não pôde fazer campanha na última eleição. “Não colocávamos os pés lá. Ninguém se aproximaria de nós, porque depois o morador era cobrado. Se fôssemos, estaríamos pondo em risco até quem viesse nos ajudar”, diz Andrea.

Em janeiro do ano passado, Claudinho foi acusado pelo Ministério Público de ter coagido moradores. No meio de 2010, o vereador foi encontrado morto, e deixou como lembrança uma eleição imposta pelos desmandos de Nem. A Rocinha é local estratégico para as eleições a vereador. Em 2004, antes de Nem assumir o comando, o tráfico não teve candidato e não se tem notícia de interfência no pleito. O resultado foi uma quantidade expressiva de postulantes à Câmara dos Vereadores na Rocinha. “Éramos cerca de 200 candidatos trabalhando lá dentro. Sempre foi uma favela que nunca teve um único candidato. Já em 2008, foi completamente fechado”, explica Andrea.

Adelson Guedes, de 49 anos, saiu da Paraíba em busca de emprego no Rio. Ele é um dos que quer tentar a vereança agora que o tráfico foi enfraquecido. “Minha campanha será focada no povo nordestino. Minhas promessas são lutar por melhorias na saúde, educação e acessibilidade na Rocinha”, explica ele, que migrou do PMDB para o PSL. Adelson foi um dos poucos que fez frente a Claudinho em 2008. Ele não chegava a ser uma ameaça à candidatura do nome escolhido por Nem e por isso afirma que as intimidações não foram tenebrosas a ponto de fazê-lo desistir. Com a pressão para a Rocinha votar em Claudinho, Adelson conseguiu apenas 932 eleitores.

Leonardo Mota, de 36 anos, mais conhecido como MC Leonardo, também disputará um lugar na câmara em 2012 pelo PSOL. “Quero discutir a cidade através da cultura. Tenho a ideia de fazer a estação do funk, um espaço para esse estilo de música, assim como tem para o samba e para o forró. Acho que não adianta fazer política da Rocinha para a Rocinha. Os líderes precisam respirar o ar de fora”, explica Leonardo que há cinco anos saiu da favela, onde moram seus pais e amigos. O MC é conhecido pelo Rap das Armas, uma das trilhas de Tropa de Elite, e é um rosto conhecido na favela.

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Vídeo: Rap das Armas

Antonio Ferreira de Mello, 59 anos, apelidado de Xaolin, é do PC do B e também tentará um cargo em 2012. Ele ainda não sabe se tentará a Câmara ou a prefeitura. A legenda ainda não definiu a estratégia. “São dois milhões de moradores de favela na cidade do Rio que querem ser protagonistas. Isso corresponde a 30% da população do município”, argumenta Xaolin, que foi presidente da associação de moradores em 2009. Ele assumiu após Claudinho da Academia deixar o posto para se tornar vereador. Pouco depois, no entanto, teve que deixar a presidência.

Associação – Xaolin diz que sua saída foi por motivos particulares, mas o que se ouve na Rocinha é uma versão escabrosa. Por não seguir as diretrizes de Claudinho, o tráfico teria apontado as armas para ele, forçando-o a abrir mão do cargo. Assumiu, então, Leonardo, que não era da chapa naquela época. Leonardo saiu vencedor na eleição ocorrida no final de outubro para a associação. O tráfico antecipou o pleito para antes da ocupação policial como forma de garantir uma gestão aliada com os seus interesses.

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Os moradores agora pedem outra eleição para a associação de moradores. É o começo do sentimento de liberdade que permite demonstrar insatisfação com o legado do tráfico. Eles querem melhorias para o lugar onde moram, carente de higiene, saneamento e saúde. O próximo ano será um momento-chave para o fortalecimento da vida política na Rocinha que, além de ocupada pelas forças de segurança, poderá votar livremente e eleger candidatos cujas bandeiras incluam a favela. É a volta da democracia interrompida, sobretudo, com o domínio do morro por Nem.

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