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Presa no regime militar, Dilma precisa olhar para o futuro

Presidente terá de administrar divergências sobre Comissão da Verdade

Por Carolina Freitas
7 jan 2011, 19h45

Octaciano Nogueira, cientista político: “O país vive um momento de relativa estabilidade institucional. A democracia brasileira está madura o suficiente para barrar um presidente que se lance a aventuras.”

Um só assunto foi capaz de embargar a voz da presidente Dilma Rousseff durante seu discurso de posse: a atuação dela, nos anos 70, contra o regime militar brasileiro. Dilma disse não sentir rancor ou ressentimento. Disse que o passado é inspiração para lutar hoje pela democracia. Assim esperam os brasileiros. A presidente terá pela frente questões delicadas sobre o período para tratar. E precisará fazê-lo com o distanciamento e a objetividade de uma estadista.

A primeira batalha se dará em torno da criação da Comissão Nacional da Verdade, para apurar crimes cometidos na época do regime militar. O projeto de lei para instituir o grupo foi apresentado pelo governo anterior, formulado pelo então ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi. A proposta deve entrar em discussão no Congresso a partir de fevereiro, quando termina o recesso parlamentar. Antes mesmo de ser criada, a comissão causa barulho.

Na primeira semana de governo Dilma, o assunto foi ponto de discórdia pública entre a sucessora de Vanucchi, Maria do Rosário, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), José Elito Siqueira. Para ela, a comissão devolve a dignidade a torturados, mortos e desaparecidos. Para ele, é perda de tempo.

Siqueira disse que não há motivo para ter vergonha dos desaparecimentos da época do regime militar. Está errado. Os abusos cometidos durante a ditadura são, sim, causa para vergonha. O regime torturou e sumiu com pessoas – e isso não é civilização. O novo ministro do GSI, no entanto, tem razão ao dizer que é preciso olhar os acontecimentos daquela época do ponto de vista da história. Eles já não devem alimentar a política do presente.

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Nesta sexta-feira, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, apimentou ainda mais a discussão. Disse que é preciso investigar não só as ações adotadas pela ditadura, mas também a atuação de grupos armados que tentavam derrubar o regime.

“Houve uma divergência inicial com o então secretário [de Direitos Humanos] Paulo Vanucchi sobre a natureza do projeto. O projeto pretendido por ele era unilateral, pretendia fazer uma análise da memória apenas por um lado da história. Nós queríamos que fosse feita uma visão completa do tema – ou seja, as ações desenvolvidas não só pelas Forças Armadas à época como também pelos movimentos guerrilheiros”, declarou Jobim.

Reconhecimento – Se for de fato instaurada, a comissão não punirá quem tenha violado os direitos humanos durante o regime militar. A Lei da Anistia perdoou agentes de estado que praticaram crimes contra opositores do governo entre 1961 e 1979. Assim, a Comissão da Verdade poderia propor apenas reparações administrativas e simbólicas. “O assunto será discutido sob o aspecto do combate à tortura e à violência, para que não mais aconteçam como naquela época. É nada mais que um reconhecimento de responsabilidades”, explica a historiadora Jacqueline Quaresquim, da Fundação Escola de Sociologia de São Paulo.

Isso se for mantido o texto da Lei da Anistia. Muito questionada na Justiça, a lei, aprovada para acelerar o processo de redemocratização do país, em 1979, foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento no ano passado. Ainda em 2010, porém, a Corte de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas entre 1972 e 1974, durante a Guerrilha do Araguaia. O órgão internacional quer punição para os militares envolvidos no episódio, o que vai contra a Lei da Anistia. Dilma terá de lidar com essa negociação.

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A presidente precisa manter uma distância ideológica segura da discussão, para que nada soe a revanche – ela aderiu à luta armada e foi presa e torturada durante o governo militar. “Dilma tem se comportado com equilíbrio e bom-senso. Se um dia foi uma pessoa radical, parece ter deixado de ser”, analisa o historiador e cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Octaciano Nogueira. “Ela recebeu o cargo após sucessivas eleições livres e competitivas. O país vive um momento de relativa estabilidade institucional. A democracia brasileira está madura o suficiente para barrar um presidente que se lance a aventuras.”

Em seu primeiro discurso após tomar posse, no Congresso Nacional, a nova presidente disse que ela e tantos outros de sua geração lutaram “contra o arbítrio, a censura e a ditadura” e que, por isso, são “naturalmente amantes da plena democracia e da defesa intransigente dos direitos humanos no nosso país e como bandeira sagrada de todos os povos”.

É preciso lembrar, no entanto, que os grupos radicais de esquerda, sobretudo aqueles que optaram pela luta armada, não queriam exatamente a democracia, mas sim um regime comunista no Brasil. E comunismo e democracia nunca foram sinônimos. A fala da petista ficou aquém do que Jobim sugere – uma Comissão da Verdade que sirva para todos.

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