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Por que o terceiro ‘poste’ de Lula não deu certo

Campanha errática de neófito pode repetir o pior desempenho do PT na história: os 9,5% de votos obtidos por Plínio de Arruda Sampaio em 1990

Por Felipe Frazão 27 set 2014, 19h44

“Não tem explicação. Só pode ser falta de conhecimento e de motivação”, Lula, durante encontro do Diretório Nacional do PT

A menos que a eleição para o governo de São Paulo produza uma reviravolta histórica, o Partido dos Trabalhadores não chegará ao segundo turno – isso se houver segundo turno. Segundo as pesquisas eleitorais, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, lançado na disputa como o “terceiro poste” do ex-presidente Lula, deve fracassar na tentativa de conquistar o eleitorado paulista e realizar a maior obsessão de seu padrinho político: desalojar o PSDB do Palácio dos Bandeirantes depois de quase duas décadas.

Após três meses de campanha, Padilha não conseguiu sequer atingir dois dígitos nas pesquisas. Contra o desempenho do PT, que nas eleições recentes amealhou 30% dos votos, o ex-ministro chega à última semana com 9%, segundo o Datafolha. Se o prognóstico se confirmar nas urnas, o percentual representa apenas um quarto dos 35,21% dos votos atingidos em 2010 pelo ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), candidato do PT com o melhor desempenho até hoje, mas derrotado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) no primeiro turno. Há doze anos (três eleições seguidas), o PT consegue mais de 30% dos votos no Estado. Se permanecer abaixo dos dois dígitos, Padilha repetirá um resultado que o PT paulista não amarga desde 1990, quando o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio (morto em julho deste ano) teve o pior desempenho de um candidato petista, com 9,55% dos votos válidos.

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Apesar de admitir reservadamente que a eleição está perdida, dirigentes do PT paulista ainda com alguma dose de otimismo apostam que Padilha conseguirá chegar a pelo menos 15% dos votos até o próximo domingo. As pesquisas internas são mais modestas: indicam 11%, resultado próximo ao obtido pelo mensaleiro José Dirceu, quando foi candidato ao Palácio dos Bandeirantes há vinte anos. Padilha também entra na reta final fustigado por um novo escândalo em sua gestão no Ministério da Saúde. A Polícia Federal deflagrou na quinta-feira uma operação contra locadoras de veículos da Bahia que fraudaram uma licitação da Secretaria Especial da Saúde Indígena – as apurações apontam para a atuação de uma consultora do ministério que falava em nome de Padilha e teria cobrado propina de 15% em contratos superfaturados em 6,5 milhões de reais. O petista negou envolvimento e disse que ele mesmo pediu as investigações após verificar o sobrepreço no serviço. Ainda que nada tenha sido provado, o desgaste é inevitável para quem já havia sido alvejado pela PF na Operação Lava Jato, que descobriu as gestões do ex-petista André Vargas no ministério durante a gestão de Padilha, em prol de um convênio com um laboratório Labogen, ligado ao doleiro Alberto Youssef. Em uma das mensagens interceptadas, Vargas citou a indicação de um funcionário por Padilha – o que o ex-ministro nega. Além dos casos em âmbito nacional, Padilha viu seu discurso de combate ao crime organizado ser fragilizado pela descoberta de que o deputado estadual e ex-presidiário Luiz Moura (PT) havia sido flagrado em uma reunião na qual também estavam dezoito criminosos do Primeiro Comando da Capital (PCC). Expulso do partido e impedido de concorrer à reeleição, o deputado-bomba chegou a anular temporariamente na Justiça a candidatura de Padilha e de todos os candidatos do partido em São Paulo.

Desenhada por Lula, a campanha de Padilha começou a ser planejada em 2013, embora ainda em 2012 ele já sinalizasse que poderia despontar no partido, dada a sua dedicação em acompanhar as eleições municipais no Estado. O PT elegeu para a presidência do Diretório Estadual o ex-prefeito de Osasco Emídio de Souza, que montou ampla base de partidos aliados e rendeu três vitórias seguidas ao PT na cidade da região metropolitana de São Paulo. Ex-coordenador da campanha de Mercadante, Emídio assumiu a mesma função com Padilha, com uma tarefa: popularizar o candidato no PT no interior do Estado – região mais refratária ao partido e simpática ao PSDB – e quebrar a base de apoio de Alckmin, atraindo para a coligação de Padilha partidos à direta do PT no espectro político brasileiro e que apoiavam, ao mesmo tempo, o governo Dilma Rousseff. As duas principais metas traçadas pelo ex-presidente, porém, não foram atingidas. Padilha tem a menor coligação entre os três principais candidatos, ao lado apenas do PR e do PCdoB.

Maluf – Em junho, na última semana para formalizar as alianças, Padilha viu o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, e o PP, do deputado Paulo Maluf, aderirem ao candidato do PMDB, Paulo Skaf. Padilha já tinha passado pelo desgaste público de anunciar, com fotos e abraços, uma aliança do PT com Maluf, que teria barrada sua nova candidatura à Câmara dos Deputados neste mês pela Lei da Filha Limpa. “Foi a pior coisa possível, ficamos só com a foto do Maluf”, admitiu reservadamente um estrategista da campanha petista.

Ex-presidente da Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Skaf acumulava recall da eleição anterior e, com ampla exposição na TV em comerciais da entidade, já despontava como segundo colocado. O peemedebista também conseguiu apoio formal do Pros e do PDT, ambos da base governista – o que frustrou a estratégia recomendada por Lula. O site de VEJA apurou que um deputado estadual do PT chegou a sugerir pessoalmente a Padilha que ele “renunciasse e apoiasse Skaf no primeiro turno” – a aliança é tácita caso haja segundo turno entre Alckmin e Skaf.

Coube ao próprio Lula advertir, no início de setembro, que o candidato do PMDB estava “fazendo a campanha que o PT deveria fazer”. “Como se explica numa fábrica que eu vi o Skaf estar na frente do Padilha? No meu tempo, era impensável imaginar um peão votar no seu empregador”, reclamou Lula em reunião pública do partido. “Não tem explicação. Só pode ser falta de conhecimento e de motivação.”

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Quem é ele? – Dados de pesquisas internas encomendadas pelo PT indicam que Padilha ainda é um total desconhecido de 70% dos eleitores de São Paulo – a mesma taxa de seis meses atrás. O “desconhecimento” de Padilha, aliás, tornou-se a principal justificativa do partido para o iminente fracasso de um candidato estreante, que seguia a cartilha dos “postes”. Saiu do governo federal com um programa para exibir como bandeira, o Mais Médicos, que espalhou em um ano 14.462 médicos generalistas por 3.771 municípios do país – capilaridade de 68% das prefeituras, atingida por meio de uma parceria destinada a repassar dinheiro para a ditatura cubana. O programa, porém, foi apenas tema de propagandas no horário eleitoral na TV, sem grande repercussão a favor ou contra Padilha, ainda que São Paulo tenha recebido o maior contingente – 2.187 profissionais. A suposta desatenção de sete em cada dez eleitores, porém, não impediu que a rejeição de Padilha batesse a casa de 36% na última pesquisa Datafolha.

Segundo aliados, também faltou ao candidato uma articulação fina com o comitê de Dilma em São Paulo. A primeira evidência ocorreu em junho, quando a presidente faltou à Convenção Estadual que homologou a candidatura de Padilha. Alegando estar gripada, Dilma só gravou de última hora uma mensagem em vídeo exibida nos telões do Ginásio do Canindé. Padilha cumpriu agenda distinta – e distante – da presidente em pelo menos mais quatro atos de grande exposição de Dilma no Estado: caminhada em Campinas e em São Bernardo do Campo, visita à Assembleia de Deus Ministério do Brás e um comício em Jales (promovido pelo PMDB com a presença de Skaf). Em outros três encontros de Dilma – com centrais sindicais, mulheres e taxistas -, Padilha compareceu, mas não teve destaque no palanque. O Palácio do Planalto hesitou em privilegiar a campanha do petista, já que a presidente dizia ter “dois candidatos” na disputa paulista (Padilha e Skaf), o que considerava uma fórmula para derrotar o tucanato. Mas Skaf evitou se associar a Dilma por causa da rejeição da presidente, que chegou a 47% entre o eleitorado paulista. Só nesta semana, Dilma apareceu em depoimentos do programa de TV de Padilha – e defendendo investimentos do governo federal no Estado.

Dívida – Coordenador da campanha de Dilma no Estado, o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT), reconheceu mais um complicador na campanha estadual: a falta de dinheiro, que represou a produção de material de campanha, como cavaletes, bandeiras e adesivos. Uma das críticas é que Padilha gastou demais na fase da pré-campanha, quando percorreu 126 cidades no interior, de ônibus e avião. Além da ínfima repercussão, o candidato e o PT acabaram multados em 50.000 reais por propaganda antecipada com as caravanas. Os gastos com a empresa Sales Táxi Aéreo durante a campanha, mais um item de valor elevado, ainda não foram declarados, correspondentes aos voos num bimotor turbohélice King Air B200, para oito passageiros. “A escassez de recursos, como nunca visto em campanha eleitoral, fez com que o nível de campanha de Padilha, a intensidade, fosse muito sofrível no começo”, disse Marinho na semana passada.

Segundo dados da Justiça Eleitoral, Padilha arrecadou 4,1 milhões de reais, mas gastou 35 milhões de reais – um rombo de 30,9 milhões de reais numa conta parcial até agosto. No mês passado, as equipes de comunicação e marketing, que consumiram cerca de 30,6 milhões de reais do borderô de campanha, chegaram a ser temporariamente reduzidas por causa de atrasos nos pagamentos. Padilha investiu pesado em transmissões na internet ao vivo das agendas de campanha, o que demandou uma equipe paralela dedicada a web e redes sociais. Como ficou empacado no terceiro lugar e com previsão de arrecadação baixa em setembro, o comitê passou a concentrar a campanha nos maiores colégios eleitorais, ou seja, nas regiões metropolitanas da capital paulista, de Campinas e da Baixada Santista, onde o PT costuma obter melhor desempenho nas urnas. A coordenação pediu empenho total até ao senador Eduardo Suplicy, que se tornou um fiel acompanhante de Padilha, a ponto de protagonizar uma cena símbolo da campanha: carregou o ex-ministro nas costas durante uma caminhada.

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A estratégia de priorizar os grandes centros urbanos também visa a dar a Padilha uma identidade maior com o eleitorado que passou a votar no PT a partir da primeira eleição de Lula – aqueles 30% de votos válidos dos paulistas. Nas últimas semanas, Padilha endureceu o discurso e buscou polarizar com Alckmin – estratégia usada desde o início da campanha por Skaf. Com jeito bonachão, fala mansa e ainda sem muita familiaridade com as câmeras, Padilha começou a campanha com um discurso que soou tímido e tentava atrair eleitores mais conservadores: foi apresentado como “bom moço” e “esperança da família”. O estilo levou Lula a taxá-lo como o petista com mais “cara de tucano”. Ele fez questão de exacerbar a religiosidade, citando Deus e a Bíblia na TV e em entrevistas. Sempre apareceu em público ao lado da mulher, a jornalista e ex-assessora de imprensa Thássia Alves, o que provocou uma série de críticas no comitê, principalmente dos deputados que buscavam aparecer ao lado dele. Os políticos reclamavam que a candidata a primeira-dama aparecia demais e dispersava a atenção ao candidato. Thássia se afastou dos palanques ao longo da campanha. Na quarta-feira, o ex-presidente Lula mostrou que a reclamação chegou até seus ouvidos, e que o desconhecimento de Padilha, de fato, ainda preocupa. Durante comício em Guarulhos, na Grande São Paulo, orientou cabos eleitorais e militantes petistas para a ordem de votação nas urnas no dia 5 de outubro e pediu que confirmassem o voto só quando reconhecessem o rosto de Padilha: “Olhem a cara dele para vocês não esquecerem. A mulher dele não vai aparecer junto, é só ele”.

Âncora – O fraco desempenho surpreende também porque ele sempre se mostrou à vontade entre militantes, andando nas ruas, pulando e cantando gritos e saudações típicas do partido durante caminhadas com juventude. O jeito “boa praça” agradou os militantes, mas não emplacou na TV. O prefeito Fernando Haddad, que não tinha a mesma desenvoltura entre cabos eleitorais e militantes nas eleições de 2012, apresentou um discurso mais claro e objetivo, contrapondo-se como um candidato “novo” contra o tucano José Serra e o fenômeno Celso Russomanno (PRB). Pouco adepto a reuniões partidárias, Haddad demorou a aderir à campanha de Padilha porque durante a maior parte do pleito ostentou baixíssima popularidade: chegou a ser aprovado por apenas 15% dos paulistanos, e sua gestão, reprovada por 47%. Depois de ter sido cobrado por Lula, Haddad apareceu na TV pela primeira vez nesta semana pedindo votos para a chapa de deputados do PT. A entrada de Haddad na campanha coincide com sua recuperação de popularidade, agora na casa dos 22%. A reprovação de sua administração diminuiu para 28% após a inauguração de ciclovias na cidade. A campanha de Padilha também mandou rodar um panfleto distribuído nas ruas com promessas de campanha de Haddad já atingidas – ainda que nem todas tenham sido de fato cumpridas como aparece no panfleto. A assinatura é da coligação PT-PCdoB-PR, embora não atenda as exigências da Lei Eleitoral: não há CNPJ registrado, tampouco a tiragem. O PT nega autoria.

Para o PT, a cara campanha de Padilha – ao menos 35 milhões de reais declarados à Justiça Eleitoral até agora – serviu apenas para tirar Haddad do buraco.

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O desempenho dos candidatos do PT ao governo de São Paulo
ANO POSIÇÃO CANDIDATO VOTOS VOTOS VÁLIDOS
1982

Luiz Inácio

Lula da Silva

1.144.648 9.87%
1986

Eduardo Suplicy

1.508.589 9.76%
1990

Plínio de

Arruda Sampaio

1.636.058 9.55%
1994

José Dirceu

2.085.190 11.32%
1998

Marta Suplicy

3.738.750 22.51%
2002

José Genoino

6.361.747 32.45%
2006

Aloizio Mercadante

6.771.582 31.61%
2010

Aloizio Mercadante

8.016.866 35.21%
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