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Policial foi impedido de entrar em contêiner na noite do sumiço de Amarildo

Polícia Civil e Ministério Público acreditam que delação premiada levará ao corpo do pedreiro, desaparecido desde 14 de julho. Gravações telefônicas indicam que acusados combinaram depoimentos para confundir a investigação

Por Leslie Leitão 5 out 2013, 13h44

Ainda não há confissão, mas a Divisão de Homicídios (DH) e o Ministério Público do Estado do Rio estão dispostos a oferecer esse mecanismo para elucidar de vez o caso Amarildo. Os investigadores e promotores acreditam que qualquer um dos dez policiais presos na noite de sexta-feira seria capaz de revelar os detalhes que faltam para localizar o corpo do pedreiro de 47 anos, desaparecido desde a noite de 14 de julho, depois de ter sido levado para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Entre os acusados, o que apresentar informações que levem ao corpo de Amarildo de Souza. Os agentes acreditam ter um importante relato de dentro da UPP: apesar de vários depoimentos prestados serem contraditórios, pelo menos um soldado lotado naquela unidade – cuja identidade vem sendo mantida em sigilo – resolveu colaborar com a Polícia Civil. No depoimento, o policial afirmou ter sido proibido de se aproximar do contêiner que fica na região para onde Amarildo havia sido levado na noite do desaparecimento. E mais: afirmou ter visto uma movimentação no Parque Ecológico, que fica atrás da sede da UPP, local onde a DH acredita que a vítima tenha sido morta.

“Eram cerca de onze e meia da noite e ele foi até lá. Um dos agentes do Grupamento Tático não permitiu que ele entrasse no contêiner. Depois ele relatou ter visto uma aglomeração de pessoas no alto da mata”, afirmou o diretor da DH e coordenador das investigações, delegado Rivaldo Barbosa.

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Durante a entrevista coletiva realizada na sede da delegacia, na noite de sexta-feira, Barbosa anunciou que novas buscas pelo corpo do pedreiro serão realizadas na próxima semana. E disse ainda que uma ossada encontrada na cidade de Resende não pertence a Amarildo. O material de DNA coletado junto à família do pedreiro, no entanto, está sendo comparado a outros oito corpos encontrados em todo o estado do Rio de Janeiro nas últimas semanas. “O inquérito da morte está encerrado, mas a ocultação de cadáver, não. Temos esperança de encontrar o corpo”, completou.

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Traídos pela língua – Entre as provas incluídas no inquérito há declarações coletadas ao longo dos últimos dois meses de investigação. Em uma delas, o soldado Marlon Campos Reis diz o seguinte à mulher: “Eles já sabem o que aconteceu. Só não têm como provar”. A frase foi obtida pela Divisão de Homicídios a partir do monitoramento das conversas telefônicas. Para o delegado Rivaldo Barbosa, o contexto da conversa não deixa dúvidas de que os dez policiais da UPP da Rocinha acreditavam que, como não há corpo nem um relato sequer de alguém testemunhando ter visto a tortura ou o corpo do pedreiro, seria praticamente impossível imputar-lhes a culpa.

“Ele disse isso porque acreditava que eles haviam feito de tudo para que o trabalho da investigação fosse dificultado”, disse o diretor da DH.

As escutas telefônicas produziram mais resultados do se imaginava. Durante mais de um mês os telefones de todos os denunciados foram grampeados. Outro importante diálogo flagrado pela Polícia Civil se deu entre o major Edson Santos e o soldado Douglas Vital, conhecido como Cara de Macaco, e responsável pela abordagem e captura de Amarildo enquanto esse bebia num bar da favela. As investigações apontam que, através de uma dica passada por uma informante, Vital foi até a localidade com um único objetivo: capturar Amarildo para fazê-lo dizer onde cinco fuzis da quadrilha estavam guardados. Amarildo era tido na favela como alguém que colaborava com o tráfico – apesar de não haver condenação contra ele nesse sentido.

No dia em que prestou depoimento, Douglas Vital teve pouco tempo para pensar. Assim que deixou a sede da unidade, seu telefone tocou. Do outro lado da linha estava o chefe. “Você disse na DH que foi lá embaixo só buscar o Amarildo?”, indagou o major. Para os investigadores, a atitude é cristalina: “Eles estavam, claramente, tentando combinar o depoimento”, afirma Rivaldo Barbosa.

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Já na fase final da investigação, um terceiro lapso ajudou os investigadores a terem certeza de que estavam no caminho certo para solucionar o crime: uma policial militar telefonou para o tenente Luiz Felipe de Medeiros. Ela estava aflita e queria saber se uma reportagem publicada pelo jornal ‘O Globo’ naquele dia era verdadeira. O texto indicava que a morte de Amarildo estava relacionada com agentes da UPP da Rocinha e que o corpo havia sido levado numa viatura para fora da favela. A resposta do oficial foi curta e esclarecedora: “90 por cento!”. Para a DH, os 10% errados se referiam ao fato de a viatura que percorreu vários bairros do Rio de Janeiro naquela noite não saído do morro com o corpo de Amarildo.

Outro elemento importante envolvendo escutas telefônicas é referente a uma tentativa de forjar uma conversa em que um traficante dizia para um policial que havia matado Amarildo, conhecido como Boi, para incriminar os PMs. A perícia da Polícia Civil provou que a voz não é a do criminoso, conhecido como Catatau. “Vamos remeter cópias para as corregedorias da PM, da Polícia Civil e a Geral Unificada para que investiguem as irregularidades cometidas por cada um”, disse a delegada Ellen Souto.

Leia a seguir a cronologia do caso Amarildo, de acordo com as 2.000 páginas do inquérito da Divisão de Homicídios:

13 de julho de 2013 – Operação Paz Armada é deflagrada

Após quatro meses de investigações com escutas telefônicas e infiltração de policiais na quadrilha, a 15ªDP (Gávea) e a UPP da Rocinha deflagram em conjunto a chamada Operação Paz Armada, com o objetivo de desmontar a quadrilha que continuava atuando no comando das bocas de fumo da Favela da Rocinha. Dos 58 mandados de prisão expedidos pela Justiça, 28 foram cumpridos e houve outros cinco flagrantes de associação para o tráfico. Nenhuma arma, no entanto, foi apreendida.

14 de julho de 2013 – O dia da morte

8h22

No início da manhã, as duas câmeras que ficam de frente para a sede da UPP pifaram. Em depoimento, os policiais explicaram que o problema foi a queima da fonte, provocada pela queda de energia. A polícia descobriu, no entanto, que as 80 câmeras da Rocinha realmente pararam, mas somente às 8h48, ou seja, 26 minutos mais tarde. A Light desmentiu a versão dos agentes e informou que não houve qualquer queda de energia dentro da favela naquele dia 14. “Não temos como provar que a fonte queimada apresentada pela Emive (empresa de Minas Gerais responsável pelas câmeras) é a mesma. Por isso, não ficou claro o motivo da paralisação do sistema. E mais estranho ainda foi que as câmeras em frente à unidade pararam antes das demais. Fato é que o Amarildo foi levado para um local onde as câmeras não registrariam sua chegada nem saída”, diz a delegada Ellen Souto.

18h01

O soldado Douglas Vital, o Cara de Macaco, liga para uma informante e pede que localize bandidos.

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18h05

A informante retorna a ligação e diz que Amarildo está no Bar do Julio, na localidade conhecida como Beco do Cotó, cercado por bandidos. Dois dias antes, a mulher (que foi incluída no programa de proteção a testemunhas) disse ter ouvido Amarildo reclamar com um bandido que não queria mais ficar com a chave da casa onde estava o paiol das armas.

A equipe de Vital (ele, os soldados Marlon, Vitor e Jorge Luiz) avisam ao major Edson Santos e ao tenente Medeiros, que determinam que uma outra equipe, o sargento Ribas e outros três soldados, acompanhem o grupo até a região do bar.

19h

Vital entra no bar, onde já não ha mais bandidos, e chama Amarildo pelo apelido: “Boi, documento”. As outras quatro pessoas que estavam no local não foram revistadas nem tiveram as identidades requisitadas para identificação. Amarildo teria mostrado sua identidade, mas mesmo assim foi detido. “Ou seja, além de o Boi ser conhecido dos PMs, ele era um cidadão identificado. Não havia necessidade de levá-lo para averiguação. Ali começou o sequestro para o sucesso da operação Paz Armada, que não tinha aprendido uma arma sequer”, afirma da delegada Ellen Souto.

De lá, Amarildo é levado para o Centro de Comando e Controle, na Rua 2. No caminho, segundo uma testemunha, Vital teria dito para a vítima: “Boi, perdeu! Chegou a tua hora!”.

No Centro de Controle, uma lista havia sido entregue pela Polícia Civil 48 horas antes, contendo foto e nome de todos os suspeitos identificados na Operação Paz Armada. Amarildo permanece no posto por cerca de dez minutos. Sua mulher, Elizabete, é impedida de falar com ele. Uma câmera na Rocinha flagra o momento em que ele saiu, entra numa viatura e deixa o local. Na saída, ele fala para a esposa: “Bete, meu documento está com o soldado Vital”. De acordo com o depoimento da mulher do pedreiro, o sargento Ribas teria ironizado: “Não se preocupa. Vamos ter uma conversinha com ele lá em cima”

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De lá Amarildo e foi levado para a sede da UPP na favela, localizada numa área de mata dentro de um Parque Ecológico, onde ficava baseado o comandante da unidade, o major Edson Santos. “Pra quê levar um simples suspeito até o major Édson? Não era só ele quem tinha acesso à lista dos que estavam com mandado de prisão”, questiona o delegado Rivaldo Barbosa, diretor da Divisão de Homicídios, que coordenou as investigações.

19h27

A informante telefona para Vital e pergunta: “E aí, ele deu?”. Segundo a polícia, ela se referia ao paiol de armas de onde Amarildo, supostamente, teria a chave.

19h30

Segundo os depoimentos dos PMs, assim que chegou à sede, Amarildo foi apresentado por Vital e Marlon ao major Edson, que teria consultado sua identificação, entregue o documento de volta e liberado o ajudante de pedreiro. Os relatos dos dez policiais afirmam que Amarildo desceu pela escadaria que acessa a localidade da Dioneia. “Tecnicamente está provado que isso é uma mentira. Porque eles não tinham conhecimento da câmera que existe no final da escada. Ela mostra uma movimentação gigantesca de pessoas, mas em momento algum o Amarildo passa por ali”, explica o promotor Homero das Neves, que denunciou o grupo.

Apesar de não haver um único relato de testemunha ocular da tortura até aqui, a DH concluiu, com base no modus operandi da equipe da UPP da Rocinha, que Amarildo foi torturado para contar onde estavam guardados os tais fuzis da casa que ele teria a chave. “Existem, desde março deste ano, 22 relatos de vítimas que narram o mesmo modo de agir da tropa do major Edson. Sempre objetivando apreensão de armas e drogas”, diz Ellen Souto.

23h30

“Sem as câmeras, numa localidade de mata onde é a sede da UPP, noite chuvosa de um domingo. As condições eram perfeitas para que o ‘trabalho’ (tortura) fosse ali. E isso tornou praticamente impossível que houvesse uma testemunha ocular, já que moradores não circulariam ali”, diz a delegada. Mas um policial militar colaborou num dos depoimento revelador. Já no fim daquela noite, ele tentou entrar nos contêineres da UPP, foi barrado por um dos policias do Grupamento Tático. Ele afirmou, no entanto, ter visto uma movimentação de vários homens no Parque Ecológico, que fica mata adentro. Este relato é o mais forte elemento para a DH de que a tortura e morte teriam ocorrido fora do contêiner.

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0h10

Uma das irmãs de Amarildo resolveu ir até a sede da UPP no Portão Vermelho e também foi impedida de entrar.

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