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‘Piratas de antiguidades’ agem no litoral brasileiro

Tesouro encontrado em naufrágio na costa pernambucana foi retirado ilegalmente do país por mergulhadores húngaros

Por Kalleo Coura 10 out 2015, 16h24

No dia 21 de janeiro de 1700, o veleiro mercante de três mastros Voetboog, da Companhia Holandesa das Índias Orientais, partiu do porto da Batávia (hoje Jacarta, capital da Indonésia) com destino à Holanda. Em seus porões, o navio trazia uma carga de 47 430 pacotes de noz-moscada, 15 733 pacotes de chá, 103 904 sacos de pimenta e 5 603 rolos de seda chinesa, segundo os registros portuários da época, que listam também diamantes, rubis, pérolas, caixas de porcelana chinesa e japonesa e 233 251 moedas de florins, quantia que valeria hoje 100 milhões de dólares. No dia 29 de maio daquele ano, toda essa riqueza foi para o fundo do mar, quando o Voetboog sucumbiu a uma violenta tempestade que o atingiu e o navio se chocou contra os arrecifes em algum ponto da costa de Pernambuco, indo a pique. Por mais de 300 anos, o local exato do naufrágio foi um mistério.

O paradeiro do Voetboog no fundo do Atlântico só foi descoberto no final dos anos 2000, por uma equipe de húngaros, da Octopus Maritime Archaelogical Research Associaton. Os pesquisadores pediram autorização ao governo brasileiro para mapear uma área de quase 3 000 quilômetros quadrados no litoral brasileiro, em um trabalho que durou de 2007 a 2009 e encontrou um total 107 naufrágios, entre eles o Voetboog. Mas em novembro de 2009 a descoberta saiu das páginas dos livros de história e passou a ocupar as dos inquéritos policiais. Quando a imprensa húngara divulgou as descobertas dos mergulhadores no litoral brasileiro, surgiram fotos de objetos retirados do fundo do mar – algo que os pesquisadores não tinham autorização para fazer.

O governo brasileiro só tomou conhecimento do desfalque quando foi alertado, em 2010, pela Holanda – país da bandeira do Voetboog, que também tinha interesse na carga histórica. Como os mergulhadores tinham autorização da Marinha apenas para fazer pesquisas, não para alterar ambiente arqueológico ou retirar quaisquer objetos encontrados, a Polícia Federal iniciou uma investigação que indiciou os mergulhadores húngaros por adulterar sítio arqueológico, furtar e contrabandear peças de porcelana, moedas de florins e garrafas encontradas no fundo do mar. Procurada, a PF de Pernambuco se negou a prestar qualquer informação sobre o caso, que se encontra em segredo de Justiça.

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A reportagem de VEJA apurou que os líderes da expedição, Attila Szalóky, e seu braço-direito, András Jójárt, são os principais investigados. Além de fotos que eles mesmos tiraram, a principal evidência de cometimento de crime veio de outro naufrágio que também foi encontrado pelos húngaros, o do São Sebastião, que afundou próximo à Ilha de Itamaracá, junto com 2 000 garrafas de vinho do Porto J.H. Andresen produzidas no século XIX e peças de cerâmica da fábrica Santo António, fundada na cidade portuguesa do Porto em 1784. Ao menos algumas das garrafas de vinho do Porto chegaram à Hungria. A imprensa especializada em enologia havia noticiado que o líquido de uma delas chegou a ser submetido à análise da Universidade de Horticultura e Indústria Alimentar de Budapeste. A pedido da PF, a polícia nacional húngara ouviu o corpo discente da instituição que confirmou a informação.

Antes das pesquisas no Brasil, os húngaros da Octopus já haviam explorado naufrágios em Moçambique, Cuba, Romênia e na própria Hungria. “Caçadores de tesouros só fazem expedições a países onde a legislação e a fiscalização são fracas”, diz Gilson Rambelli, coordenador do Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos da Universidade Federal do Sergipe. A lei brasileira, de 1986, estabelece que “as coisas e os bens resgatados de valor artístico, de interesse histórico ou arqueológico permanecerão no domínio da União, não sendo passíveis de apropriação, doação, alienação direta”. Mas define que quem encontrar os tesouros pode receber de 40% a 70% do valor da carga encontrada. “Isso vai na contramão da Convenção da Unesco sobre o assunto”, que diz que esse tipo de descoberta não deve receber recompensa financeira, por se tratar de patrimônio da humanidade, afirma Rambelli. A luta, agora, será para que os bens levados pelos “piratas modernos” tenham como destino os museus brasileiros, e não as profundezas de algum cofre particular.

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