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Passe livre: quem é e para onde vai o movimento que deflagrou uma onda inédita de protestos no país

Movimento que organizou um protesto na capital paulista no dia 6 de junho contra o reajuste das tarifas de transporte cresceu, ganhou adesões em todo o país e tenta se afastar de vinculações partidárias

Por Felipe Frazão e Jean-Philip Struck
21 jun 2013, 12h45

Depois de organizar e liderar uma série de protestos que emparedaram e fizeram o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) recuarem do reajuste das tarifas de transporte público, o Movimento Passe Livre (MPL) acabou engolido pela mobilização que detonou. Nesta quinta-feira, durante a sétima e maior passeata na capital paulista, que reuniu mais de 100.000 pessoas, segundo a Polícia Militar, o movimento ficou às margens do protesto. Quando a marcha já tinha se dividido em rotas distintas, alguns líderes do MPL abandonaram a manifestação.

Saiba como foram os protestos pelo país

Alguns integrantes do grupo paulista reclamam que os protestos foram “sequestrados” por defensores de outras causas – como corrupção e reforma tributária – que, segundo eles, pertencem à “agenda da direita”. Eles gostariam de levar adiante sua bandeira principal, que é a do transporte com tarifa zero, mas o momento, de fato, já não parece ser propício. É possível que o MPL ganhe braços em mais cidades brasileiras e veja crescer seu cacife como ator político. Mas os dias 19 e 17 de junho ficarão marcados como os pontos altos na trajetória do MPL – o primeiro, como a data em que os governantes de São Paulo capitularam ao seu pleito, e o segundo quando o jovem Matheus Nordon Preis, um estudante de Ciências Sociais de 19 anos, liderou uma imensa passeata. Essa última ocasião foi emblemática para entender o modus operandi do grupo.

Sem líder ou cúpula evidente, o Passe Livre se autoudeclara “horizontal e federalista”. Ele surgiu em sete cidades brasileiras depois do Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2005, e só tinha relevância em capitais como Salvador e Florianópolis – onde protestos contra reajustes nas tarifas de ônibus, respectivamente em 2003 e 2004, inspiraram sua criação.

“A gente milita pelo transporte porque ele liga tudo, não é algo isolado. Quando não é de qualidade nem barato, quer dizer que o acesso à educação, saúde e lazer fica comprometido”, explica Marcelo Hotimsky, de 19 anos, estudante de filosofia da USP e representante do MPL. O núcleo paulistano tem apenas 50 membros.

Tarifas – As ações do grupo se concentram em períodos de aumento de tarifas. Foi assim no início de 2011, quando o grupo paulistano começou a aparecer na imprensa. Na ocasião, o então prefeito Gilberto Kassab (PSD) reajustou as tarifas em 11% e despertou as primeiras reações notórias do grupo, que à época organizou seu primeiro protesto na Avenida Paulista – bem mais tímido que os atuais – e atrapalhou inaugurações de obras do ex-prefeito. Foram treze atos ao longo do ano. À época, o PT – ainda na oposição paulistana – deu apoio ao movimento.

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O assédio de siglas de esquerda como o PT é, aliás, frequente. O mesmo não ocorre com o PSDB. “Sempre há tentativas (de aproximação e cooptação pelo PT). Nos últimos dias eles tentaram dialogar com a gente informalmente também”, diz Hotimsky. “Se em 2011 a gente estava contra o Kassab, agora a gente não vai deixar de lutar contra a melhoria do transporte porque é gestão do PT.”

Oficialmente, o grupo se define também como “apartidário e autônomo”. Do seu núcleo, apenas um dos membros é oficialmente ligado a um partido político, o PSOL. Mas o restante não é necessariamente contra a participação de partidos nas manifestações nem a favor de hostilizações. Nos primeiros protestos das últimas semanas, destacavam-se dezenas de bandeiras de partidos de extrema-esquerda como o PSTU, o PSOL, PCO, PCR, de organizações juvenis do PC do B e até da União Nacional dos Estudantes (UNE), vinculada ao PT. Integrantes do Passe Livre não entoavam o notabilizado grito “sem partido”.

Prática – Nenhum militante do MPL usa máscara nas manifestações. Eles se vestem com camisas pretas ou cinzas – sempre com a inscrição Passe Livre ao lado de ilustrações de catraca em chamas. Usam celulares simples, pretos, dos modelos mais básicos da Nokia ou Samsung. Começaram também a adotar certo refinamento: rádios de comunicação de curto alcance, do modelo Elite GP-78 (que custam cerca de 250 reais cada e podem ser comprados na internet). Durante as marchas, só definiram o trajeto na hora, apesar de terem traçado planos previamente em encontros nas casas de integrantes.

Ao longo das caminhadas, para decidir aonde ir, eles sinalizavam com as mãos e gritavam para todos se abaixarem. Então, centenas de jovens se agachavam no chão e começavam a deliberar, repetindo numa espécie de jogral o que um líder dizia à frente da multidão. Na terça-feira à noite, o estudante de história Caio Martins, de 19 anos, gritava ao megafone que a prefeitura estava sofrendo depredação e dava alternativas para os cerca de 1.000 desgarrados no Viaduto Diário Popular: ir para lá ou seguir até a Zona Norte, plano original. A maioria optou pela prefeitura e o grupo escolheu o rumo do quebra-quebra.

Tinham um plano: resolveram apenas passar em frente ao já avariado Edifício Matarazzo e arrastar o máximo de manifestantes independentes possível para longe dali. Avisaram aos policiais e marcharam pelo Viaduto do Chá. Caio e Matheus, pouco experimentados nas ruas e vielas do Centro Histórico, aceitaram sugestões de rota dos PMs, até então acusados pelo MPL de provocar todos os atos de violência das manifestações. “Foi uma manobra bem sucedida”, disse o major Góes, oficial da PM que os escoltou durante mais de 4 horas.

O MPL adota meios consagrados pela ala estudantil para divulgar pautas, ideais, estratégias de comportamento em protestos e, claro, convocar novas manifestações: a panfletagem durante passeatas, em portas de escolas, faculdades – e principalmente nas redes sociais como o Facebook. Também mantém um site e ligações com a Editora Faísca, que publica obras anarquistas e comunistas, além de relatos históricos do Passe Livre catarinense.

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No plano nacional, porém, ainda mantém pouca interação, conforme relata Matheus: “Os coletivos municipais têm autonomia para tocar sua luta. Não existe um comando da federação que nos diga, ou às outras cidades, o que cada um vai fazer”. A ajuda tem sido mais comum agora. A vaquinha virtual para arrecadação de 20.000 reais para pagar a fiança de presos em São Paulo foi aberta pelo MPL de Brasília, revelou. “Nossa articulação é um pouco fraca, mas estamos em contato e temos um pouco de troca de informações”, diz Matheus.

Contato – Boa parte do núcleo paulista do Passe Livre teve os primeiros contatos com o grupo no Ensino Médio e foi arregimentada enquanto eram secundaristas de grêmios estudantis. Vários são, agora, alunos USP, especialmente de cursos de ciências humanas, como filosofia, história, ciências sociais e direito.

Esse é o caso da estudante Nina Cappello Marcondes, de 23 anos, que ganhou destaque ao comparecer ao programa Roda Viva, da Rede Cultura, na última segunda-feira. Ao seu lado estava o professor Lucas Monteiro de Carvalho, de 29 anos, que leciona história em um colégio privado e é um veterano da USP. Também fazem parte da USP a estudante de geografia Mayara Vivian, de 23 anos, que assinou algumas das petições do movimento e trabalha como garçonete em um bar, Caio Martins, de 19 anos, e Érica de Oliveira, de 22 anos. Os dois últimos são estudantes de história. A idade média da maioria dos membros não passa de 30 anos. Entre as exceções está o professor de música Rafael Siqueira, de 38 anos.

Simpatias – A maior parte deles não esconde a simpatia pelas causas de esquerda em seus perfis de redes sociais. O tom das falas segue a mesma linha, com citações também a anarquistas como Mikhail Bakunin. As influências culturais apontadas nas páginas revelam uma mistura curiosa de séries de TV americanas, esportes, música e assuntos caros à esquerda. No caso do membro Daniel Guimarães, de 29 anos, que atua como jornalista, o perfil aponta pela preferência por autores como Noam Chomsky, Edward Said, Naomi Klein e George Orwell. Os assuntos discutidos pouco revelam sobre seus membros, e raramente se desviam da causa do movimento. O MPL gostaria que as manifestações que se alastraram pelo Brasil também se mantivessem em sua bitola. Mas esse objetivo escapou ao controle. As manifestações ganharam dinâmica própria e dão sinais de que vão prosseguir sem rumo pré-definido. Com ou sem eles.

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