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Operação Guilhotina estanca vazadouro nos gabinetes da cúpula da segurança pública no Rio

Pela primeira vez, PF, Ministério Público e estado trabalharam juntos. Como em 'Tropa 2', autoridades são presas e corpos são procurados no mar

Por Cecília Ritto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
11 fev 2011, 19h14

“No primeiro mandato tínhamos que mostrara para a sociedade que havia um plano para a segurança. Agora, o plano está consolidado. Outras frentes terão que ser atacadas. Pode ter certeza que assuntos internos é uma delas” – José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio

No início de 2010, quando ainda ganhava forma o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e só pequenas favelas na zona sul do Rio eram ocupadas, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, avisava que “a hora do Complexo do Alemão” ia chegar. Pouca gente acreditou, até que em novembro, com apoio logístico e de tropas das Forças Armadas, o maior conjunto de favelas do Rio – e provavelmente do país – passou ao controle do estado. Beltrame, que também faz periódicos avisos de que acabou o espaço para os maus policiais no estado, nem sempre é levado a sério. É muito provável que a partir desta sexta-feira seus sinais passem a ser interpretados como avisos premonitórios.

A Operação Guilhotina – uma referência às cabeças, ou “aos cabeças” presos – deve ser observada não só por seus resultados, mas pela maneira como foi estruturada. A configuração da investigação e a ação na rua subverteram uma lógica que impedia, há décadas, o combate efetivo do envolvimento da cúpula das instituições com o crime. É verdade que nos últimos anos as corregedorias internas das polícias civil e militar foram reforçadas, mas até então investigações de corrupção e outros delitos deviam a prisão dos ‘peixes grandes’ .

Desta vez, policiais civis e militares foram capturados por agentes federais – o que, se não impediu, pelo menos dificultou o vazamento de informações sobre o momento do cerco. A participação da PF, no entanto, não tira o mérito da cúpula da segurança, do Ministério Público e da Justiça do estado. Como afirmou o promotor Homero de Freitas, o que possibilitou as prisões foi uma investigação no âmbito estadual. “As informações vieram basicamente da Secretaria de Segurança. A ação na rua foi comandada pela Polícia Federal devido à necessidade de distanciamento”, disse Freitas.

Beltrame estancou, assim, um dos vazadouros que causaram, na cúpula da segurança do governo Anthony Garotinho, um dos grandes escândalos da segurança na história recente do Rio. O chefe de Polícia Civil do governo passado, Álvaro Lins, foi preso e é acusado de uma série de crimes ligados à máfia dos caça-níqueis. Lins responde por enriquecimento ilícito e foi o pivô de uma operação que prendeu delegados que “loteavam” delegacias, cobrando propina para nomeações.

Com a habitual frieza, sem deixar se contaminar pelo entusiasmos que costumam marcar os momentos de apresentação de resultados, Beltrame, gaúcho com passagem pelo serviço de inteligência da Polícia Federal, aproveitou o mircofone na manhã desta sexta-feira, enquanto algumas equipes ainda estavam cumprindo mandados na rua, para fazer uma espécie de prestação de contas à sociedade. “No primeiro mandato, tínhamos que criar um regime de metas. Tínhamos que mostrara para a sociedade que havia um plano para a segurança. Agora, o plano está consolidado, várias ações estão em andamento. Os desafios da política de segurança são outros. Outras frentes terão que ser atacadas. Pode ter certeza que assuntos internos é uma delas”, explicou.

Na gestão atual, o “corte na carne” – para usar palavras do secretário – foi o mais próximo da cúpula da segurança de que se tem notícia. Os desdobramentos da operação, com buscas em casas de policiais, procura de corpos no mar, barcos vasculhados em um iate clube e desmonte de quartéis de milicianos, lembra cenas do filme ‘Tropa de Elite 2’, que tem como tema o crime entranhado nos gabinetes e o surgimento das milícias no Rio.

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Delegado Carlos de Oliveira, subsecretário de Operações da Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop), manuseia arma apreendida em operação da Polícia Civil, na favela da Rocinha (24/07/2008)
Delegado Carlos de Oliveira, subsecretário de Operações da Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop), manuseia arma apreendida em operação da Polícia Civil, na favela da Rocinha (24/07/2008) (VEJA)

Carlos Oliveira – Considerado um dos delegados de ponta da Polícia Civil, encarregado de comandar operações complexas contra grupos de traficantes, Carlos Antônio Luiz de Oliveira chegou a um dos postos mais altos da Polícia Civil do Rio de Janeiro em 2009. Na época, tornou-se subchefe operacional, posto cuja obrigação é cuidar da integração com a secretaria de Segurança Pública e com outras instituições no planejamento de grandes eventos como carnaval, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas. Ele era o braço-direito do delegado Allan Turnowski, chefe da Polícia Civil do Rio.

Nesta sexta, Turnowski afirmou que, quando tirou Oliveira do posto, não existia suspeita sobre sua má conduta. “Trabalhamos com metas e, se elas não forem cumpridas, isso provoca mudança.” Antes de Oliveira se tornar subchefe, havia tido outra posição importante dentro da hierarquia da corporação. Ele foi titular da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae). Há um mês, reassumiu a Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop), convidado pelo prefeito Eduardo Paes.

Em seu currículo, Oliveira tem passagens de policial exemplar. Curso de “Técnicas de Investigação para instrutores: Comércio Legal e Trafico Ilícito de Armas de Fogo, suas Partes e Munições”, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) dentro de outros órgãos internacionais. Ele também fez um intercâmbio profissional nos Estados Unidos, a convite do Departamento de Estado americano, sobre os temas “Crime e Violência”, “Armas e Explosivos” e “Execução da Lei”.

Por sua posição de destaque, ele está duplamente enrascado. Em “situação ruim”, como definiu o secretário de Segurança, Oliveira terá que responder pelos crimes de que é acusado e por sua ligação e ascendência sobre a maior parte dos acusados.

Inspetor Leonardo da Silva Torres, o “Trovão”, ficou conhecido durante a megaoperação policial no Complexo do Alemão em 2007 (VEJA)
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Preso Torres “Trovão” – A Operação Guilhotina também desmascarou um dos figurões das operações policiais em favelas. O inspetor Leonardo da Silva Torres é uma das maiores lendas recentes da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Pela sua disposição durante os combates com criminosos, ficou conhecido como “Torres Trovão”. Mas a sua maior característica está em algumas manias: Torres gosta de usar uma farda camuflada, que não é padrão na instituição, tem equipamentos próprios que usa nas operações e costuma ostentar um charuto aceso quando desce das favelas – um presente para os fotógrafos, principalmente quando a ação envolve corpos.

Ele chegou a ser personagem do documentário ‘Dancing with the Devil’, sobre a atuação da polícia do Rio contra traficantes. Torres fez curso no Centro de Inteligência da Marinha e teve aulas de operações táticas ministradas por instrutores da Swat americana. Sua maior visibilidade foi em 2007, durante operação no Complexo do Alemão, que deixou 19 pessoas mortas. Ele fazia parte do grupo de ações táticas da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos, responsável por abrir caminhos para outros policiais invadirem a favela.

Na época, em entrevista ao jornal O Globo, fez a seguinte declaração: “Tenho vocação para ser guerreiro e meu sonho é ir para o Iraque”. E ainda complementou. “Gosto do que faço e sei que me sairia muito bem na Faixa de Gaza”. Desde a manhã desta sexta-feira, ele está preso.

Milícia em Ramos – Ricardo Afonso Fernandes, o ‘afonsinho’ e Christiano Gaspar Fernandes aparecem na investigação como integrantes da mesma quadrilha. Quem conhece o bairro de Ramos sabe que os dosi também são pai e filho. Os dois são ‘os donos de Ramos’, onde exploram a venda de segurança, sinal ilegal de TV a cabo e todo tipo de atividade em que a milícia pode lucrar. Afonso é policial militar da reserva, Christiano é inspetor da Polícia Civil e também aparece envolvido com a venda de ‘espólio de guerra’.

Ano passo, Christiano recebeu a medalha Honra, Fidelidade e Devotamento, na Academia de Polícia Sylvio Terra (Acadepol). Na ocasião, 160 pessoas foram condecoradas. Recebiam a premiação os policiais civis que se destacassem pela eficiência.

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