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‘Na prática, o STF está mudando a Constituição’

Jeronymo Pedro Villas Boas, juiz que afrontou decisão do STF ao anular uma união gay em Goiânia, diz que se baseou no conceito de família previsto na Carta de 1988 e que não pode ser alterado por nenhuma instância do Poder Judiciário

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 jun 2011, 20h45

‘Homofobia é um conceito que está sendo fabricado por alguns ativistas políticos que defendem concepções minoritárias no âmbito social, para taxar ou rotular pessoas que representam a maioria da população’

Jeronymo Pedro Villas Boas, titular da 1ª Vara de Registros Públicos de Goiânia

O juiz goiano Jeronymo Pedro Villas Boas, titular da 1ª Vara de Registros Públicos de Goiânia, chamou atenção do país na última sexta-feira. Contrariando o Supremo Tribunal Federal (STF), que doze dias antes decidira que a união estável entre casais do mesmo sexo tem o mesmo valor legal que as relações entre homens e mulheres, ele anulou um dos primeiros casamentos entre homossexuais realizados no país sob a nova ordem. Amparados pela decisão do STF e vestidos a caráter, com padrinhos e tudo, o jornalista Liorcino Mendes e o estudante Odílio Torres haviam corrido a um cartório de Goiânia para formalizar a relação iniciada um ano antes. Saíram de lá com a certidão de casamento debaixo do braço. Vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o juiz Villas Boas anulou a certidão. Ministros do STF e entidades de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil, classificaram a atitude dele como uma afronta. Casado, pai de dois filhos, juiz há 19 anos, Villas Boas não se abalou. Criticou os colegas e ainda tachou de “ilegítima e inconstitucional” a decisão dos ministros. Pastor da Assembleia de Deus, uma congregação evangélica contrária ao casamento entre homossexuais, o magistrado esteve na Câmara dos Deputados para receber uma moção de apoio da bancada evangélica. Em entrevista ao site de VEJA, o juiz acusa o Supremo de mudar a Constituição.

O que o levou a contrariar uma decisão do Supremo? Eu atuei no estrito exercício da minha competência, como juiz da 1ª Vara de Registro Público, que tem poder de corrigir atos dos cartórios da minha jurisdição. Tomei conhecimento pela imprensa do registro desse ato notarial (o casamento de Liorcino e Odílio), onde se pretendia, além de simplesmente afirmar-se uma união entre duas pessoas do mesmo sexo, constituir uma família sob a proteção do estado. Entendo que, para que um casal obtenha reconhecimento perante o estado, deve procurar a via judicial e obter isso por meio de uma sentença de um juiz. Só assim, a meu ver, com a decisão judicial transitada em julgado, é possível obter os efeitos jurídicos que decorrem do casamento, como incluir o companheiro ou a companheira na previdência social, por exemplo.

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O senhor tomou essa decisão por ser evangélico? É evidente que qualquer formação ou concepção religiosa ou filosófica influi no convencimento do magistrado, mas isso não é determinante. Veja bem, nós vivemos num país de maioria cristã, o Estado brasileiro é constituído sob a proteção de Deus, está no preâmbulo da Constituição. O Estado brasileiro não é laico. Ele só não professa uma religião. Temos aqui uma sociedade religiosa, com diversas crenças, onde cada indivíduo tem liberdade de culto, e o Estado não pode se imiscuir nisso. Eu, como magistrado, não me determino pela minha formação eminentemente religiosa, ou pelo que eu compreendo de fé. Minha decisão é técnica, é eminentemente jurídica. Ela tem um fundo e uma concepção axiológica, dos meus valores pessoais, porque o juiz não se distancia disso. Da mesma forma que a decisão do Supremo, o voto do ministro Ayres Brito, o voto do ministro Luiz Fux, que foram declarados, têm concepção axiológica, são os valores que eles sedimentaram ao longo da vida.

Mas decisão do Supremo não se muda. Afinal, é a mais alta corte do país. O senhor foi bastante criticado. Recebei muitos aconselhamentos… Mas o juiz tem que ter, no mínimo, coragem de decidir. Se o juiz não tiver coragem, ele não deve ser juiz.

A decisão foi revista pela corregedora do Tribunal de Justiça de Goiás. O senhor ficou decepcionado? Certamente isso aconteceu pelo impacto que a decisão teve no âmbito da sociedade. A reação dos órgãos superiores, do próprio Supremo, através de entrevistas que foram dadas por ministros, levaram a corregedora a avocar o processo e decidir uma questão que estava afeta a um juiz de primeiro grau como se fosse uma juíza de primeiro grau, quando na realidade ela é apenas corregedora de Justiça. Provavelmente essa desembargadora recebeu um telefonema de alguém, não é?

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Na prática, a decisão do Supremo significa que casais homossexuais também podem constituir família, e que as regras que valem para uma relação entre homem e mulher valem também para casais formados por pessoas do mesmo sexo. O senhor vê riscos nisso? O conceito de normalidade hoje, na sociedade globalizada, é muito complexo. Pelos meus padrões morais de conduta, de vida, eu não acredito que uma criação num lar com um ambiente em que a relação homossexual é livre possa trazer a uma criança que ali for criada, por exemplo, uma sedimentação de valores comuns, que a sociedade tem. Essa criança certamente sedimentará os mesmos valores ali do núcleo de relacionamento em que ele vai viver. Isso vai gerar dificuldades de convivência social. Essa criança com certeza sofreria maior dificuldade de sociabilização num ambiente de escola, porque aquele núcleo familiar pode ser normal num primeiro momento, mas depois vai gerar um conflito.

O senhor vê falhas na decisão do STF? Na medida que o Supremo abre a possibilidade de interpretar a Constituição de forma ampliativa e cria uma nova figura de família, entre aspas, ele abre a oportunidade ou a possibilidade de reinterpretação da Constituição para incluir outros tipos de família, como a família poligâmica, onde um indivíduo mantém um relacionamento contínuo e estável, com aparência de constituição de núcleo familiar sob o mesmo teto, por um período longo. Ocorreu aí, aparentemente, a quebra do princípio de que a família no Brasil só se forma entre homem e mulher, a família monogâmica. Talvez aqueles indivíduos de origem árabe, que na sua própria estrutura religiosa e social admitem a formação de haréns, possam viver no Brasil e reivindicar a proteção do estado. O Judiciário não pode mudar a Constituição. O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, decidiu incluir no direito de família mais um tipo de família, que seria aquela formada por indivíduos do mesmo sexo. Quando o Supremo faz isso e proíbe todos os tribunais e juízes que venham a decidir o contrário, na realidade ele mudou a Constituição.

Como juiz de registro público, o senhor já decidiu em ações nas quais homossexuais queriam mudar de nome, de homem para mulher? Nego. É preciso saber se o indivíduo que se apresenta como homem realmente tem na sua integralidade o aparelho reprodutor masculino e se o indivíduo que se apresenta como mulher tem aparelho sexual feminino, que inclui útero, ovário e demais órgãos que são propícios à reprodução. Por que isso? Porque para a habilitação e casamento, não se exige mais do que a certidão de nascimento. Há uma burla da lei quando você tira qualquer referência ao sexo original da pessoa e a transforma em pessoa de outro sexo.

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O que o senhor achou das cartilhas do Ministério da Educação contra a homofobia? Homofobia é um conceito que está sendo fabricado por alguns ativistas políticos que defendem concepções minoritárias no âmbito social, para taxar ou rotular pessoas que representam a maioria da população, que são legitimadas inclusive a discursarem, a representarem a população nos parlamentos, para criar uma espécie de separação ou de fissura social entre aqueles que são a favor ou contra algum comportamento. O que deve ser contido no meio social, e poucos países incriminam esse tipo de conduta, a maioria de origem liberal não o faz, é o discurso do ódio. Incentivar a violência no Brasil é crime. Ninguém está incentivando violência contra homossexual ou qualquer grupo que se forme com opção sexual distinta daquela da maioria. Agora, o que não se pode querer é que a minoria dite o comportamento da maioria da sociedade, que, repito, é cristã e tem uma formação moral e valores diferentes, que devem ser respeitados.

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