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O ‘gringo’ azarão que derrubou o PT e vai governar o RS

Com uma campanha genérica e emocional, José Ivo Sartori, candidato do PMDB, impôs a Tarso Genro a mais dura derrota dos petistas no 2º turno

Por Jean-Philip Struck, de Porto Alegre
27 out 2014, 06h49

“Ele tem uma conversa fácil, é uma pessoa simples, e o marketing funciona apenas para mostrar quem ele realmente é”, Marcos Martinelli, marqueteiro da campanha

Com uma campanha modesta e propostas vagas, um ex-prefeito que já trabalhou como professor de cursinho e que cultiva uma imagem pacata e de piadista impôs a derrota mais dura ao PT neste segundo turno. José Ivo Sartori (PMDB), de 66 anos, era um desconhecido para a maior parte do eleitorado gaúcho até dois meses atrás, mas acabou tomando o lugar do atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que tentava se reeleger.

A ascensão de Sartori ocorreu graças a uma campanha que cultivou ao extremo sua imagem de político simples, apostando mais na sua figura do que em propostas concretas – e apresentado ao eleitor gaúcho com forte apelo emocional.

Apelidado de “gringo”, como os habitantes do Estado chamam os descendentes de italianos da Serra Gaúcha, Sartori já havia surpreendido no primeiro turno. Na primeira pesquisa, em 15 de agosto, tinha meros 7%. Sua campanha também teve inicialmente poucos recursos e contou com a antipatia do PMDB nacional, que não viu com bons olhos o apoio de Sartori a Marina Silva (PSB) – e, posteriormente, a Aécio Neves (PSDB).

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Nas urnas, Sartori alcançou 40% dos votos válidos no final do primeiro turno. Inicialmente, os petistas voltaram seus ataques para a candidata Ana Amélia Lemos (PP), que apareceu como favorita nos primeiros levantamentos. Só que os ataques tiveram um efeito inesperado: os votos acabaram migrando para o peemedebista. Quando a campanha de Tarso percebeu o que tinha provocado, os petistas decidiram voltar seus ataques contra Sartori, tentando colar nele a imagem de superficial. No entanto, os ataques não deram resultado, ele acabou sendo eleito com mais de 60% dos votos válidos.

Sartori, de fato, não fez quase nenhuma promessa ao longo da campanha. Suas propostas não incluíram números sobre quantas obras ele pretende fazer ou quantas escolas planeja construir. “Propostas não podem ser confundidas com promessas fáceis de campanha, que depois não poderão ser cumpridas. Caso contrário, se tornarão frustração para a sociedade. A gente não pode ficar prometendo aquilo que não pode realizar”, afirmou o candidato.

Em vez de promessas, a propaganda de Sartori ao longo da campanha abraçou referências genéricas ao Estado e, na maior parte do tempo, sequer citou outros candidatos, turbinando a imagem de conciliador e capaz de promover mudanças. A campanha chegou a esconder o nome do PMDB, optando pelo slogan “O meu partido é o Rio Grande”, que remete a ideia de que ele está acima das disputas partidárias. No início, sua campanha usou o slogan “O gringo que faz”.

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Em entrevistas, Sartori criticou o governo estadual quase de maneira genérica, afirmando que Tarso não cumpriu suas promessas de campanha e citando temas simples e caros aos gaúchos, como as péssimas condições das estradas. As propagandas apresentaram trivialidades sobre sua figura, como o fato de sua mulher escolher suas roupas e apostaram até em depoimentos da sua mãe, dona Elsa. Numa delas, dona Elsa, com sotaque italiano carregado, passou conselhos para o filho. “Faz como eu te ensinei: ‘Não brigue e não fala mentira'”.

“Ele tem uma conversa fácil, é uma pessoa simples, e o marketing funciona apenas para mostrar quem ele realmente é”, afirma seu marqueteiro, Marcos Martinelli.

No trato com eleitores, Sartori costuma fazer piadas, seja diante de uma plateia de empresários ou de donas de casa. Os temas são tirados de um livro de bolso que costuma carregar para onde vai. Outro item inseparável é um baralho de escopa, um jogo de cartas trazido por imigrantes italianos que se instalaram no Rio Grande do Sul. Ele também não se interessa por aparatos tecnológicos. Não usa computador ou e-mail. Mensagens, só pelo celular.

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Biografia – Antes de entrar para a política, o “gringo” chegou a frequentar um seminário dos 18 aos 21 anos, mas logo abandonou qualquer pretensão de seguir a vida eclesiástica. “Larguei porque eu achava que era o melhor caminho. Eu queria casar, constituir família”, diz. Ele acabou se casando e teve dois filhos – sua mulher, Maria Helena, é hoje deputada estadual, mas não conseguiu se reeleger.

Sartori militou no movimento estudantil durante a ditadura, cursou filosofia na Universidade de Caxias do Sul e posteriormente deu aulas dessa disciplina. Na sequência, chegou a ser sócio de um cursinho preparatório para o vestibular, onde teve como sócio o ex-governador Germano Rigotto. Um dos coordenadores de disciplina do cursinho foi o ex-técnico da seleção brasileira Luiz Felipe Scolari. Nesse período, deu aulas de história. Sua entrada na política aconteceu nos anos 1970, quando se filiou ao antigo MDB. Primeiramente, elegeu-se vereador em Caxias do Sul. Nos anos seguintes, seria eleito deputado estadual e finalmente deputado federal em 2002.

Ao longo da sua trajetória, o cargo político mais importante de Sartori foi o de prefeito de Caxias do Sul, cidade com 470.223 habitantes no norte do Estado, onde comandou o Executivo local – de 2005 e 2012 – e deixou o cargo com uma boa avaliação. Mas, apesar de ter cultivado a imagem de outsider, Sartori é um político veterano, que já foi vereador, deputado estadual por cinco mandatos e federal em uma ocasião, além de secretário no governo Pedro Simon (1987-1990). E mesmo o fato de ser de Caxias do Sul não implica que ele seja de fora da grande política estadual, já que a cidade é a segunda maior do Estado e berço de outros ex-governadores do Rio Grande do Sul, como Simon e Germano Rigotto, ambos também do PMDB. A seu favor, Sartori também contou com a estrutura capilarizada do PMDB no Estado, que governa mais de 100 prefeituras.

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Deslize – O lado bem-humorado de Sartori, embora provoque simpatia em parte do eleitorado, também colocou o candidato em uma das maiores enrascadas da campanha no segundo turno. Durante uma entrevista gravada no último dia 20, ele foi perguntado sobre suas propostas para a educação, em especial sobre o salário dos professores gaúchos, que exigem o pagamento do piso nacional para a categoria. Sartori aproveitou para fazer piada. “O piso, eu vou lá na Tumelero [uma loja de materiais de construção gaúcha] e eles te dão um piso melhor. Ali tem piso bom”, respondeu. O episódio pegou mal entre os professores e a campanha de Tarso explorou a piada à exaustão em seu programa eleitoral. Sartori teve que pedir desculpas.

O estilo vago também rendeu alguns episódios curiosos. Em uma entrevista, quando perguntado sobre qual seria sua primeira medida ao assumir o governo do Estado, Sartori simplesmente respondeu algo óbvio: “Montar uma equipe”. Quando pressionado sobre o que faria na sequência, acabou comentando que poderia “cortar gastos”, sem especificar quais seriam exatamente.

O tom da campanha irritou o objetivo Tarso Genro, que ficou surpreso com a ascensão do concorrente. Logo após a contagem dos votos do primeiro turno, o governador disse que Sartori “correu pelas laterais” e que a vitória do peemedebista seria um “salto no escuro”. Depois da contagem final do segundo turno, o governador derrotado foi mais conciliador e admitiu que a campanha e o projeto de Sartori atendiam ao que os gaúchos desejam no momento.

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“Esse tom emocional da campanha do Sartori tem bastante apelo no interior. Sua campanha não podia materializar qualquer discurso mais concreto, já que o risco de ser identificada com governos anteriores, como o de Yeda Crusius [administração impopular que contou com participação do PMDB]. Ele também evitou entrar em qualquer debate crucial e se alimentou do antipetismo histórico de parte dos gaúchos. A impressão é que Tarso tentou debater, mas não conseguiu”, afirma o cientista político Bruno Lima Rocha, da Unisinos e da ESPM de Porto Alegre.

Para o professor Hermílio Santos, da PUC-RS, a ascensão de Sartori responde perfeitamente à insatisfação que os gaúchos sentem com a ineficiência do Estado. “O discurso do PT é muito engajado, mas no final as administrações têm pouco êxito. Isso acabou cansando os eleitores. Já o Sartori parece tosco e limitado, mas é muito sofisticado em se tratando de administração. Ele não é de fato um outsider. Governou a cidade mais rica do Estado depois de Porto Alegre. E não é verdade que ele não tem propostas, ele justamente prioriza um modelo de qualificação de serviços. O Tarso fica falando de grandes temas nacionais, mas o Rio Grande não é São Paulo ou Minas Gerais. Isso não interessa ao eleitor. As pessoas poderiam deixar passar a arrogância do Tarso se ele fosse eficiente. Os gaúchos querem agora uma espécie de ‘prefeitão’ para o Estado”, disse.

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A largada de Sartori para governador ocorreu quase por acidente. Sartori ocupava o cargo de presidente do diretório do PMDB em Caxias do Sul e não tinha a intenção de concorrer ao governo. Só que algumas alas do PMDB gaúcho, alinhadas a Pedro Simon e ao ex-deputado Ibsen Pinheiro, insistiram para que ele aceitasse concorrer. Ao longo do governo Tarso, o PMDB liderou a oposição. Sartori acabou aceitando a empreitada.

A coligação estadual com o PSB levou Sartori a apoiar Marina Silva no primeiro turno na disputa presidencial, provocando irritação na cúpula nacional do PMDB, que desejava uma candidatura alinhada à presidente Dilma Rousseff. No segundo turno, o peemedebista decidiu apoiar Aécio Neves, mas, com o tom conciliador de sempre, já adiantou após a vitória que não tem nenhum problema de relacionamento com Dilma.

(Com reportagem de Marcela Mattos)

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