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O golpe do golpe

A presidente planejou usar o púlpito da ONU para disseminar ao mundo a versão de que é vítima de uma trama ilegal. Fatos ocorridos na semana podem desencorajá-la da ideia

Por Da Redação 23 abr 2016, 10h19

Se aqui dentro não colou, quem sabe lá fora. Na quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff acordou convencida de que havia tido uma grande ideia. Iria, sim, ao encontro de chefes de Estado em Nova York para a cerimônia da Organização das Nações Unidas (ONU) de assinatura de acordos de meio ambiente firmados na conferência do clima de Paris. Lá, usaria o discurso a que tem direito, marcado para sexta-feira, para dizer ao mundo que o processo de impeachment a que responde é um “golpe” perpetrado por seus adversários contra ela e contra a democracia. Dilma chegou a cancelar a viagem depois da votação da Câmara que, por 367 votos contra 137 (mais sete abstenções e duas ausências), determinou o prosseguimento do processo. Em seguida, porém, mudou de ideia. Passou a achar que o púlpito da ONU, palco da diplomacia global, seria um ótimo palanque para ela repisar o argumento do golpe, já rejeitado no Brasil – pelos congressistas no dia 17 e bem antes pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), para ficar apenas no âmbito dos poderes constituídos.

Os fatos que se sucederam, no entanto, cuidaram de mostrar à presidente que sua ideia talvez não fosse tão boa. Na quarta-feira, três ministros do STF bateram na tese do golpe. O mais antigo integrante da corte, Celso de Mello, afirmou que tratar o processo de impeachment como golpe é um “grande e gravíssimo equívoco”. Foi seguido pelo ministro Gilmar Mendes, que declarou que “as regras do estado de direito estão sendo observadas”. Por fim, o ministro Dias Toffoli, advogado-geral da União no governo Lula, disse que a versão do golpe “contradiz a própria atuação da defesa da presidente, que tem se defendido na Câmara dos Deputados, agora vai se defender no Senado e se socorreu do STF, que estabeleceu parâmetros e balizas garantindo a ampla defesa”. Concluiu dizendo que tal alegação “é uma ofensa às instituições brasileiras”. Anteriormente, os ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia já tinham desqualificado publicamente a tese do golpe.

A defesa de Dilma não fala de golpe no sentido militar, naturalmente. Refere-se mais ao fato de que a acusação contra ela – as pedaladas fiscais – nunca foi usada para cassar o mandato de outros presidentes que também pedalaram. Seria, nesse sentido, um “golpe parlamentar”. Que a acusação é frágil para ceifar seu mandato é uma questão que rende debate. O terreno em que não há margem para dúvida é o fato de que, além das pedaladas fiscais, Dilma está ficando cada vez mais encalacrada no próprio petrolão e suas conexões com o caixa dois da campanha que a reelegeu. Pode-se alegar que essas acusações não constam da base jurídica do impeachment, mas é evidente que constam da base política – e o impeachment é instrumento da política.

No mesmo dia da tríplice manifestação do STF, a ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Maria Thereza de Assis Moura tomou uma decisão que em nada colabora com o papel de vítima projetado por Dilma. Ela autorizou a inclusão de informações da Lava-Jato e a coleta de novas provas nos processos que apuram se dinheiro ilícito bancou a campanha da presidente à reeleição. A corte investigará empresas supostamente fantasmas incluídas entre os fornecedores de campanha e tomará depoimentos de delatores da Lava-Jato.

A decisão deverá custar algumas noites do sono presidencial. Não é a primeira vez que o testemunho de delatores é anexado aos processos do TSE. Mas a nova fornada de colaborações chega com outra temperatura. A fase batizada de Acarajé, por exemplo, pegou em cheio o marqueteiro de Dilma, João Santana, e a mulher dele, Mônica Moura, cuja delação promete ser das mais inflamáveis, como antecipou na quinta-feira reportagem publicada em O Globo.

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O jornal revelou que Mônica, presa na carceragem da Polícia Federal assim como o marido, disse em sua negociação de delação que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega intermediou pagamentos de caixa dois para a campanha da presidente Dilma em 2014. Mônica, segundo o jornal, contou que o dinheiro, vivo e acondicionado em malas, foi pago por empresários acusados na Lava-Jato e indicados pelo ex-ministro. O advogado de Mantega, José Roberto Batochio, afirmou que a acusação é um “rotundo equívoco”. O ex-ministro já admitiu que se encontrou algumas vezes com Mônica Moura, mas, segundo Batochio, as conversas discorreram sobre “dados técnicos e econômicos para a elaboração de produtos de comunicação para a campanha”. Mantega ficou no Ministério da Fazenda de março de 2006 até o fim do primeiro mandato de Dilma. Era um dos ministros mais próximos da petista, que nos momentos de bom humor o chamava de Guidinho.

Mas a semana ainda traria uma última má notícia para a presidente. A pedido da Procuradoria-Geral da República, o ministro Teori Zavascki, do STF, autorizou a inclusão de trechos da delação premiada do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) no principal inquérito aberto na corte para investigar o petrolão. Esse inquérito apura a gênese do esquema e deverá apontar a cadeia de comando por trás dos desvios bilionários na Petrobras. Na prática, a inclusão do testemunho do senador é o primeiro passo para que a presidente entre formalmente para o rol de investigados.

Diante desse horizonte cada vez mais plúmbeo, Dilma embarcou na quinta-feira de manhã para os Estados Unidos já menos animada com a ideia de usar o microfone da ONU para proveito próprio. Se, no entanto, insistir em vender ao mundo uma versão já rechaçada pelo Legislativo e pelo Judiciário, que macula as instituições brasileiras e ofende a sociedade como um todo, estará não apenas prestando um desserviço ao Brasil, como usando de uma mentira para auferir vantagem. Mas não se pode dizer que terá sido a primeira vez.

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