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O golpe das novas eleições

PT e movimentos de esquerda apregoam como solução para a crise política a antecipação das eleições. Ideia esbarra em cláusula pétrea da Constituição

Por Laryssa Borges, Marcela Mattos e Eduardo Gonçalves
27 abr 2016, 15h42

A Constituição 1988 deu ao Brasil as balizas de um regime democrático. Ela é um instrumento para a navegação de longo curso, e oferece os mecanismos para que mesmo as crises mais graves possam ser superadas dentro de um mesmo marco institucional, sem rupturas. Mas esse princípio político, que a história das democracias mais sólidas recomenda acatar, continua sendo desprezado no Brasil pelo PT e pelos grupos de esquerda que orbitam ao seu redor. A cada crise de legitimidade que enfrenta, o partido tira da cartola uma saída mágica, que requer alterações casuísticas da Constituição. Foi assim em 2013, quando protestos de rua sacudiram o país e o governo sugeriu que se reformasse o sistema político por meio de uma “Constituinte específica”. É assim novamente em 2016, com a possibilidade cada dia mais real de Dilma Rousseff deixar o poder pelo impeachment. O plano é antecipar as eleições de 2018 para outubro deste ano. Como de praxe, esgrime-se a ideia de que apenas o voto popular pode ungir um novo presidente. A ideia é falsa, não apenas porque o vice Michel Temer disputou as eleições na chapa de Dilma Rousseff e também foi eleito, mas principalmente porque há um roteiro constitucional para a sucessão. É justamente nos momentos de crise que a aposta nas regras constitucionais deve ser redobrada. Governos passam. Legislaturas passam. A Constituição fica, e no vocabulário democrático são as tentativas de atropelar suas regras que melhor se enquadram na definição de golpe.

Senadores egressos do PT ou com alinhamento histórico ao partido formalizaram uma proposta de emenda constitucional para forçar eleições para presidente e vice-presidente já em outubro deste ano. Uma ideia que vai ao encontro da estratégia petista de inviabilizar um governo Temer: a PEC propõe exclusivamente um conveniente mandato-tampão até 1º de janeiro de 2019. Os senadores que assinam o texto João Capiberibe (PSB-AP), Cristovam Buarque (PPS-DF), Lídice da Mata (PSB-BA), Paulo Paim (PT-RS), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Walter Pinheiro (ex-PT-BA) o fazem sob um argumento alheio ao regime republicano: “É nos momentos de crise, quando o sistema político não consegue oferecer respostas aos desafios que se apresentam, que devemos, na maior medida possível, chamar ao centro do processo decisório o povo, legítimo detentor do poder”. Nada mais falso.

A modificação da periodicidade das eleições esbarra em uma cláusula pétrea da Constituição: o inciso dois, parágrafo quarto, do artigo 60 da Carta. “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”, diz o texto. “Isso atenta diretamente contra os mandatos regularmente constituídos, representa uma ruptura do próprio regime democrático. Esse é um direito que está acima de todos, a própria viga estrutural do Estado democrático brasileiro”, afirma o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral. Segundo ele, ainda que fosse aprovada, a PEC poderia ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal. O mesmo aponta o jurista Erick Pereira, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “O processo eleitoral se inicia um ano antes da eleição, quando há a definição do domicílio eleitoral, e, seis meses antes, a filiação partidária. É exigido um ano para ter todos os atos preparatórios, que passam por um calendário definido, prazos de desincompatibilização, épocas de convenção e de registro”, afirma, reforçando que esse prazo jamais poderia ser alterado pelo Congresso. Outro problema apontado pelo constitucionalista é a falta de uma previsão orçamentária para a realização de uma eleição geral neste ano, que exigiria gastos superiores aos já previstos para o pleito municipal.

O ex-ministro do STF Carlos Velloso classifica a ideia como “duvidosa” e também prevê que ela termine na Suprema Corte. “É algo anormal e perigoso. O normal é seguir a Constituição. Isso realmente está parecendo um golpe”, afirma. A lei impede o oportunismo de encurtar ou ampliar o próprio mandato justamente para afastar-se da instabilidade jurídica que surgiria cada vez que um governante em dificuldade considerasse mais eficaz para a própria sobrevida política mexer no calendário eleitoral.

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A proposta de novas eleições é permeada ainda por uma falsa premissa: a de que Temer estaria assumindo o poder a partir de um mandato indireto, sem ter sido eleito, como gostam de repetir Lula, Dilma e seus ministros. Na verdade, ele também recebeu os 54 milhões de votos que escolheram Dilma Rousseff no segundo turno de 2014 – para ilustrar a questão, basta lembrar que o Tribunal Superior Eleitoral tem em mãos ações contra a chapa Dilma-Temer, ainda que o vice tente apresentar sua defesa separadamente. A única possibilidade em que a legislação prevê a realização de novas eleições agora seria mediante a renúncia da presidente e do vice – e nem mesmo o mais sonhador dos petistas acredita que Dilma convenceria Temer a embarcar na ideia.

Além do evidente golpe jurídico, a tese que o governo também passou a ventilar não encontra respaldo na realidade política: ao contrário do que quer fazer crer o Planalto, pouco importa se Dilma concorda ou não com a ideia de novas eleições. A PEC não tem qualquer chance de ser aprovada no Congresso. Para passar, o texto precisaria de 308 votos na Câmara e 49 no Senado: ambas as votações em dois turnos. Abandonada pela própria base, Dilma amealhou apenas 137 votos na Câmara contra o seguimento do processo de impeachment. A dias da votação que pode afastá-la por até 180 dias da Presidência, é difícil acreditar que a petista tenha qualquer poder de articulação política.

Uma vez que convoca eleições para um cargo que não estaria vago, visto que o mandato de Temer se estenderia até 2018, a PEC descamba ainda para a arrivista cassação do mandato do vice – o texto prevê a realização de novas eleições em 2 de outubro de 2016. “É uma medida casuística. Nunca se pode interpretar a Constituição com a emoção, porque, dessa forma, você está fadado a errar. A solução da crise não está na modificação da Constituição. Temos de acabar com essa crise de reformismo”, afirma Pereira. A proposta exporia o país, portanto, à instabilidade institucional. E não apenas: diante das pesquisas de opinião que revelam o descontentamento do brasileiro com a classe política, daí o que os defensores da tese apontam como apoio popular à medida, um novo cenário de disputa eleitoral certamente abriria porteira também para promessas tão messiânicas que fariam corar de vergonha o marqueteiro responsável pelo estelionato eleitoral de 2014.

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