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O gesto que antecipou a ditadura militar

Por Augusto Nunes
20 ago 2011, 10h57

Sete anos depois do suicídio de Getúlio Vargas, sete meses depois da posse, o presidente Jânio Quadros precipitou, com sete linhas manuscritas, a sequência de crises que conduziria, sete anos mais tarde, ao Ato Institucional n° 5 – e à instauração da ditadura sem camuflagens. Na manhã de 25 de agosto de 1961, a democracia, ainda em sua infância, viu-se forçada a renunciar à maturidade, que só seria alcançada caso fossem cumpridos integralmente dois mandatos consecutivos. O Brasil civilizado pareceu mais distante do que nunca no dia em que o presidente sumiu.

Abrupto e inesperado, o último ato foi um fecho coerente para a ópera do absurdo composta desde o primeiro dia de gestão. “Ele foi a UDN de porre no governo”, resumiu Afonso Arinos de Mello Franco, ministro das Relações Exteriores. “Faltou alguém trancá-lo no banheiro”, lastimou.

Só se fosse para sempre, sabe-se hoje. Algumas horas de cárcere privado só adiariam a tentativa de instituir o presidencialismo autoritário que o deixaria livre para agir.

Na carta da renúncia, o signatário informou que deixara com o ministro da Justiça as razões do seu gesto. O segundo texto confiado a Oscar Pedroso Horta é um amontoado de queixas difusas, alusões a “forças terríveis”, declarações de amor ao Brasil e juras de apreço ao Povo (com maiúscula). Ele só contou a verdade alguns meses antes de morrer, em 16 de fevereiro de 1992, numa conversa com Jânio John Quadros Mulcahy, o único filho homem de Tutu Quadros.

Em 25 de agosto de 1991, 30 anos depois da renúncia, o paciente internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, foi acometido de um surto de sinceridade provocado pela curiosidade do neto.

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“O vice João Goulart era uma espécie de Lula, completamente inaceitável para a elite”, comparou. “Eu o mandei para a China para que estivesse longe de Brasília no dia da renúncia, sem condições de reivindicar o cargo e fazer articulações políticas. Achei que iriam implorar-me para que ficasse.”

O intuitivo genial só se esqueceu de combinar com os adversários, com os militares e com o povo. “Fiquei com a faixa presidencial até o dia 26”, contou ao neto. “Deu tudo errado. E o país pagou um preço muito alto.” Jango acabou engolido pelos quartéis, mas seria expelido três anos mais tarde. A tentativa de implantação de uma ditadura civil resultou no advento de uma ditadura militar ortodoxa.

Como o país, Jânio pagou caro pela renúncia ao mandato conferido por mais de 5,6 milhões de eleitores. Transformado numa caricatura de si próprio, tentou a ressurreição impossível antes e depois da cassação, em 1964. Fracassou em 1962 e em 1982, na tentativa de voltar ao governo paulista, e elegeu-se prefeito da capital em 1985. Aos 75 anos, morreu pensando na presidência. Aparentemente, a frustração pela morte política não foi compensada pela fortuna depositada num banco suíço.

Cinquenta anos depois da renúncia, o Brasil parece bem menos primitivo, a democracia tem solidez e Jânio figura na galeria presidencial como outro ponto fora da curva. Mas tampouco parece suficientemente moderno para considerar-se livre de reprises da farsa. Países exauridos pela corrupção endêmica serão sempre vulneráveis a aventureiros que, com um discurso sedutoramente agressivo, prometam varrer a bandalheira.

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