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O estado e o Exército não se entendem no Alemão

Acusados de truculência, militares divulgam vídeo de traficantes na Vila Cruzeiro e criam problema para Sérgio Cabral, dando munição aos inimigos políticos do governador

Por João Marcello Erthal e Cecília Ritto, do Rio de Janeiro
6 set 2011, 18h51

A urgência, a falta de pessoal e a impossibilidade de se recuar em um avanço histórico fizeram o Exército entrar em uma guerra na qual sua participação deveria se encerrar logo após a retomada do território. Este era, aliás, o plano inicial divulgado pelas autoridades

No meio da crise entre militares e moradores do Complexo do Alemão, surge a necessidade de pacificação nos discursos das Forças Armadas e da Secretaria de Segurança do Estado. Pressionado por acusações de truculência na contenção de um tumulto na favela, o Exército reagiu, nesta terça-feira, com uma resposta que vai de encontro a tudo que vinha defendendo o secretário José Mariano Beltrame em suas aparições públicas, seja no Alemão ou nas favelas que já receberam as UPPs. Diz o Exército: houve confusão porque ainda há tráfico no Alemão. Diz Beltrame: o objetivo da pacificação não é eliminar totalmente o tráfico, mas tirar os moradores da linha de tiro.

Beltrame sempre deixou claro que acabar com 100% do tráfico é uma meta impossível, e que mais importante é tirar o morador da “ponta do fuzil”. Ou seja: venda de drogas, como há em condomínios da zona sul, vai haver na favela. A novidade da política proposta por ele, Beltrame, e endossada em tom de quase unanimidade por entidades da sociedade civil, era o objetivo de evitar derramamento de sangue em áreas pobres, onde o tráfico de drogas exercia controle territorial.

Policiais colocam as bandeiras do Brasil e do Estado do Rio de Janeiro após a ocupação do Complexo do Alemão em 28 de novembro
Policiais colocam as bandeiras do Brasil e do Estado do Rio de Janeiro após a ocupação do Complexo do Alemão em 28 de novembro (VEJA)

Sérgio Cabral, que tem nas UPPs o seu projeto prioritário de segurança pública, carro-chefe de sua reeleição em primeiro turno no ano passado, fez uma avaliação mais realista dos problemas do último fim de semana. “Evidentemente, isso (a pacificação) é um processo de educação recíproca entre a força de pacificação e a comunidade. É um aprendizado diário. Há, tanto na comunidade quanto na força de segurança, resquícios de um viés violento. Mas isso é minoria. Há pelo menos 30 ou 40 anos, a polícia só entrava para atirar e depois deixava a população refém dos bandidos. É um processo que não tem fim, mas vai melhorar a cada dia”, disse o governador.

Mas eis que os militares, em uma tentativa de justificar as dezenas de marcas de bala de borracha exibidas por moradores do Alemão, usam o argumento de que “traficantes ainda atuam na favela”. Para isso, o comando da Força de Pacificação divulgou – até as 18h desta terça-feira, apenas para o jornal O Globo – um vídeo que mostra a atividade em uma boca de fumo que seria no Alemão.

É conhecida a prática do tráfico de drogas de estimular a baderna para tentar desmoralizar a polícia, o Exército ou quem quer que se coloque no caminho do lucro fácil das quadrilhas. Ninguém descartou – nem deve descartar – esse risco nas operações de reconquista de território ocupado por traficantes. Mas recomeçam, a partir deste ponto, os problemas de se ter, em uma parte do Rio de Janeiro, homens das Forças Armadas cuidando de segurança pública. Quem tem o policiamento ostensivo como missão é a Polícia Militar. Mas, no Alemão, um conjunto de 13 favelas com cerca de 65 mil moradores, o efetivo necessário ainda não está formado. Lembrando: a ocupação do complexo, em novembro do ano passado, foi a toque de caixa, como reação necessária e bem-sucedida a uma série de incêndios de automóveis em pontos do Rio.

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A urgência, a falta de pessoal e a impossibilidade de se recuar em um avanço histórico fizeram o Exército entrar em uma guerra na qual sua participação deveria se encerrar logo após a retomada do território. Este era, aliás, o plano inicial divulgado pelas autoridades.

No último dia 30, foi anunciada a prorrogação da permanência do Exército até junho de 2012. É uma ajuda e tanto para o governo do estado. Mas um problema e tanto para os militares, que vão suprindo a falta de policiais militares no Rio.

Formaram-se 489 soldados da PM. Desses, 385 vão para a UPP da Mangueira – favela ocupada muito depois do Complexo do Alemão. Os demais vão para batalhões do interior, em substituição a policiais que foram deslocados para UPPs.

Ao prorrogar a permanência dos militares do Exército no Alemão, entrega-se a homens treinados para combate e para missões de paz como no Haiti – algo bem diferente da rotina de uma favela, por mais precárias que sejam as condições na zona norte do Rio – o papel de lidar com problemas do cotidiano de uma região pobre. E, entre os estopins cogitados para o tumulto da noite de domingo há uma cena bem comum a qualquer favela: o excesso de volume em um equipamento de som, uma TV, uma festa ou qualquer outra coisa que não se resolve com tiros, bombas e escudos balísticos.

Ao divulgar um vídeo com movimento de uma boca de fumo – algo que também deve existir em outras favelas consideradas pacificadas – o Exército cria um problema para o estado: faz correr pelo Brasil a imagem de que o tráfico continua a operar nas barbas das forças de segurança.

O vídeo com traficantes atuando na Vila Cruzeiro – não no Alemão, onde houve o conflito entre Exército e moradores – é um caso clássico de ‘fogo amigo’. A gravação ocorreu, segundo uma fonte do Exército, há duas semanas. O diagnóstico dos militares é de que o tráfico continua, mas opera de forma mais discreta e até mais cruel, recrutando crianças para a venda de drogas.

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A partir de agora, quem leva chumbo são as UPPs. O ex-prefeito Cesar Maia, do DEM, e o ex-governador Anthony Garotinho, do PR, agora são aliados. E estão alinhados: passaram a relacionar o assassinato de um arquiteto e a confusão no Alemão, dois episódios sem nenhuma relação, para denunciar um estado de insegurança generalizado no Rio – que não existe.

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