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O destino de Amarildo já estava traçado, revela promotora

Em entrevista ao site de VEJA, Carmem Eliza Bastos de Carvalho, do Gaeco, afirma que PMs da Rocinha capturaram o pedreiro determinados a torturá-lo

Por Pâmela Oliveira, do Rio de Janeiro
30 out 2013, 12h40

“Claro que um caso de grande repercussão deixa as pessoas mais pressionadas. Acho que o major (Edson Santos, o comandante da UPP) não previa essa repercussão.”

Antes mesmo que o carro da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha se aproximasse de Amarildo de Souza, na noite de 14 de julho passado, o destino do pedreiro já estava traçado. “Todos sabiam que ele seria torturado. Estavam mancomunados”, afirma a promotora Carmem Eliza Bastos de Carvalho, do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), que cuida do caso no Ministério Público. À mulher de Amarildo, Elizabete Gomes, que correu na direção dos policiais pedindo explicações, foi dito que ele seria levado apenas para averiguação. Depois, à família, à imprensa e aos milhares que protestaram nas ruas cobrando seu paradeiro, os agentes afirmaram que o pedreiro havia sido liberado e saído por uma escada que ninguém viu – nem a câmera de vigilância que fica no topo dela e era a única funcionando na ocasião.

O pedreiro Amarildo
O pedreiro Amarildo (VEJA)

Mais de três meses de investigações depois, o MP denunciou 25 dos 29 policiais militares que estavam em serviço naquele dia – treze deles estão presos, incluindo o major Edson Santos, então comandante da UPP e apontado como articulador do crime e da farsa montada para jogar a culpa em traficantes da favela. Todos os indiciados responderão por tortura seguida de morte, dezessete são responsabilizados por ocultação de cadáver, treze por formação de quadrilha e quatro por fraude processual (por terem escondido provas). Oito estão entre os denunciados por omissão, porque teriam condições de impedir o que ocorria mas nada fizeram.

Em entrevista ao site de VEJA, a promotora conta em detalhes os últimos instantes de vida de Amarildo, a participação dos PMs identificados e aponta um erro primário do major Edson: achar que era possível guardar segredo entre mais de 20 pessoas. O clamor popular que tomou conta das ruas desde o desaparecimento do pedreiro, admite ela, ajudou a acelerar as investigações. “Claro que um caso de grande comoção deixa as pessoas mais pressionadas. O major não previa essa repercussão.” Confira, abaixo, os principais trechos da conversa, na ordem cronológica dos acontecimentos.

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CAPTURA

Câmera de vigilância na Rocinha mostra Amarildo (em destaque) sendo levado de casa por policiais da UPP
Câmera de vigilância na Rocinha mostra Amarildo (em destaque) sendo levado de casa por policiais da UPP (VEJA)
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Amarildo foi capturado por determinação do major Edson Santos. Um informante do soldado Douglas Roberto Vital telefonou dizendo que o Boi, apelido do pedreiro, sabia onde estavam armas e drogas de traficantes da Rocinha. O então comandante deu ordens para que o Grupamento de Polícia de Proximidade Extraordinário (GPP), comandado por Vital, e o Grupamento Tático de Polícia de Proximidade (GTPP), de responsabilidade do sargento Jairo da Conceição Ribas, pegassem Amarildo para “trabalhar a testemunha” – ou seja, torturar. Eram oito policiais. Todos sabiam que ele seria torturado. Estavam mancomunados.

CHEGADA À UPP

Quando o carro da PM chega à UPP com Amarildo, doze policiais administrativos que o major Edson não considerava de confiança receberam ordem para entrar em um dos contêineres da unidade e só sair quando autorizados. Um deles diz ter visto o braço de uma pessoa sem farda chegando com os PMs e concluiu que alguém estava sendo conduzido. O comandante mandou outros doze policiais permanecerem do lado de fora da UPP, na condição de vigias, para impedir a aproximação de outras pessoas. O major Edson estava na sala dele, no segundo andar, em frente ao local da tortura.

TORTURA

Amarildo foi levado para a parte de trás da UPP, um espaço que depois foi transformado em depósito. Cinco testemunhas identificaram as vozes de quatro torturadores, entre elas a do tenente Luiz Felipe de Medeiros, então subcomandante da UPP, que recebeu ordens do major para “resolver o problema”. Mas, com certeza, o número de agressores é maior. Provavelmente, alguns dos que vigiavam o local entraram para participar, mas ainda não foram identificados. Um dos PMs trancados no contêiner disse ter ouvido o som de uma pistola taser (de choque), o barulho de saco plástico usado para provocar asfixia e a voz de uma pessoa tentando pedir socorro. Eles têm uma prática chamada ‘submarino’: asfixiam a pessoa e, em seguida, empurram a cabeça dela em um balde com água. Outro soldado disse que o comentário na UPP era de que a asfixia não havia sido feita com o saco plástico colocado na cabeça, e sim enfiado direto na garganta. Isso coincide com um depoimento que dizia que a vítima parecia estar engasgada. O pedreiro gritou para que os torturadores parassem, mas foi ignorado e chamado de frouxo. Outra testemunha ouviu Amarildo implorar: “Isso não. É muito esculacho, me mata, mas não faz isso comigo”.

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MORTE

Amarildo não resistiu à sessão de tortura. Ao saber que o pedreiro estava morto, o major Edson Santos determinou que os administrativos mantidos trancados no contêiner fossem embora. Ele tinha pressa para que todos deixassem a UPP. Um dos soldados ficou para trás e, ao deixar o local de moto, viu um corpo sendo retirado pelo teto do tal depósito, dentro da capa de uma moto, envolto em fita crepe. Alguém tem dúvidas de que ele estava morto? Este é o último ponto que temos do corpo do pedreiro. Não sabemos ainda o que foi feito depois.

OCULTAÇÃO DE PROVAS E DO CORPO

É possível encontrar o corpo? É. Tem uma linha de investigação que estamos seguindo. Um dos réus pode, inclusive, querer colaborar e falar. Não podemos afirmar que o Bope (Batalhão de Operações Especiais) está envolvido na ocultação do cadáver, mas queremos saber o que ele estava fazendo na Rocinha aquela noite. Uma das testemunhas contou que, no dia seguinte, recebeu a ordem de limpar o local da tortura e encontrou um balde com água e sangue – que teria sido usado para a prática de asfixia com afogamento chamada submarino. O espaço foi, então, transformado em um depósito, com uma série de coisas empilhadas, para dificultar a perícia e as investigações.

MAJOR EDSON

O major Edson Santos será substituído no comando da UPP da Rocinha
O major Edson Santos será substituído no comando da UPP da Rocinha (VEJA)

Nada daquilo aconteceria sem a orientação do major Edson Santos desde o início. Ele acreditou o tempo todo que o crime não seria descoberto. Criou provas falsas para justificar a história e articulou uma farsa para incriminar o traficante Thiago da Silva Mendes Neris, conhecido como Catatau. O major sabia que o telefone de um policial, que estava infiltrado na Rocinha, seria interceptado e mandou o soldado Marlon Campos Reis telefonar se passando por Catatau e assumindo o assassinato de Amarildo. Ele teve o cuidado de usar um celular apreendido na favela. O plano do então comandante começou a dar errado quando a Divisão de Homicídios (DH) assumiu o caso. Os investigadores perceberam o tempo inteiro que era uma versão montada, contraditória e mentirosa. Os depoimentos não foram coerentes. Todo mundo falou direitinho, mas faltou lógica. Os PMs diziam que receberam ordem para ficar trancados no contêiner, mas não explicavam o por quê. Mas o maior erro do major foi não contar com o furo humano. Não é possível manter um segredo entre 29 pessoas.

REPERCUSSÃO NAS RUAS

Quando começou a repercussão do caso, o major reuniu a tropa e afirmou que Amarildo havia deixado a UPP naquela noite de 14 de julho. Nos depoimentos na delegacia, os policiais foram acompanhados por advogados indicados pelo comandante. Segundo uma testemunha, a fala dela chegou a ser gravada pelo defensor para que o major ouvisse. Ele ficou monitorando o tempo inteiro. Muitos PMs estavam incomodados com a situação. Duas pediram transferência da UPP. O fato de a tortura ter acontecido em uma unidade dita pacificada assustou os mais novos, que não estavam acostumados com aquele tipo de conduta. Claro que um caso de grande comoção deixa as pessoas mais pressionadas. Acho que ajudou as investigações. O major não previa essa repercussão.

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