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“No Rio, agora, traficante não dorme tranquilo”

Allan Turnowski, chefe da Polícia Civil, diz que o Alemão era o ponto crítico do tráfico: 'Rocinha, Mangueira, Maré, não importa. São lugares onde podemos chegar tranquilamente

Por João Marcello Erthal
4 dez 2010, 13h51

“O Alemão era 60% de tudo o que o Comando Vermelho operava, em armas, drogas e homens. Perderam junto com eles os grandes atacadistas das drogas, que não têm mais um território livre para atuar. No Alemão, a venda e o consumo eram livres, por uma razão muito simples: era um lugar aonde a polícia não chegava porque não era seguro nem para os policiais”

Em 2007, quando 1.350 policiais subiram o Complexo do Alemão para apreender um arsenal de guerra, o chefe de Polícia Civil, Allan Turnowski, subiu a encosta de arma em punho. Como afirma o delegado, entrar no Alemão, na Rocinha ou em qualquer favela da cidade nunca foi problema para a polícia. “Sempre soubemos como entrar. O problema era entrar e ter efetivo para ocupar de vez”, compara, dando a medida da ajuda das Forças Armadas e da Polícia Federal para a ocupação que, como toda a cúpula da segurança do Rio, ele considera um sucesso.

As fugas de bandidos, parte mais criticada da ação, não são relevantes para o chefe de polícia. Essa é, como explica, a maior mudança na política de segurança do Rio nos dias de hoje. Se no passado a prioridade era enjaular os chefões do tráfico, o objetivo, hoje, é enfraquecer e aniquilar os negócios do crime. “Nossa lógica hoje não é mais a de correr atrás de traficante, mas a de combater a estrutura do crime”, explica.

Enquanto se comunicava por mensagem de texto com outros policiais, com dois celulares e um olho na tela do computador, Turnowski falou ao site de VEJA sobre o efeito da ocupação do Alemão na redução da criminalidade no Rio.

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Quando uma facção perde, a outra sai necessariamente vencedora?

Essa é uma percepção equivocada. Quando um grupo de traficantes perde, quem perde é o tráfico de drogas. No Alemão, o Comando Vermelho perdeu muito e o estado saiu vencedor, porque acabou com grande parte do que é mais importante para essas quadrilhas, que é território. Estamos falando de um lugar onde eles se sentiam poderosos. Tanto que era ali que ficavam armazenadas as drogas do CV, as armas. Era ali que eles moravam, ou dormiam, com a certeza de que não seriam capturados. Isso acabou, no Rio, agora, traficante não dorme tranquilo.

Com a tomada do Alemão, qual passa a ser o ponto crítico para o tráfico de drogas no Rio?

O ponto crítico eram Alemão e Vila Cruzeiro. E o estado acabou com os pontos críticos. Rocinha, Mangueira, Maré, não importa. Esses são lugares aonde podemos chegar tranquilamente, e vamos chegar. O Alemão era o que as apreensões estão mostrando: um lugar onde os bandidos conseguiam armazenar 35 toneladas de maconha e quase 300 armas, pelo que recolhemos até o momento. Felizmente conseguimos entrar e tivemos para isso a ajuda das Forças Armadas. Essa é uma conquista do povo do Rio, que é quem paga os impostos. Assim como a polícia, a população não vai aceitar retrocesso. Essa parceria é algo que não pode ser desfeito.

O que faltava, então, era ter gente e equipamento?

Sempre soubemos como entrar no Alemão. Já estivemos lá outras vezes. Eu estive lá em algumas operações. A diferença é que entrávamos com grande risco, a ponto de já termos perdido policiais, e não tínhamos efetivo para manter uma ocupação. Mas sempre entramos. A operação que as pessoas viram acontecer no domingo vinha sendo preparada há muito tempo. Não se bloqueiam bens de familiares de traficantes sem um trabalho prévio. O que aconteceu é que os ataques apressaram essa operação. Nós tínhamos o conhecimento para atuar lá, e o governador conseguiu, em 12 horas, colocar os blindados da Marinha à nossa disposição. Insisto: a população tem que cobrar a manutenção dessa parceria.

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A recuperação do território é importante. Mas agora é necessário capturar os fugitivos. Como isso vai ser feito?

É óbvio que alguns bandidos fugiram, mas não é esse o ponto. Durante muito tempo, trabalhamos com a lógica de prender os cabeças do tráfico. E eles estão presos: o traficante Pezão, do Alemão, recebe ordens do Marcinho VP, que é o chefe. VP está preso, mas ainda dá ordens. Não é difícil enxergar que prender chefes não adiantava, pois vinham outros chefes, o segundo escalão operava. Nossa lógica hoje não é mais a de correr atrás de traficante, mas a de combater a estrutura do crime. Atacamos o território, as armas e a droga. Trinta e cinco toneladas é muita coisa, muito dinheiro deles que estava empenhado em um estoque. Os que por ventura tenham escapado ainda são bandidos, mas não têm mais o mesmo poder.

O que essa operação representa para o atacado do tráfico, com nas fronteiras e no tráfico de armas?

Foi um prejuízo imenso. Não há como estimar com precisão, mas vou fazer uma estimativa por baixo, para não errar. O Alemão era 60% de tudo o que o Comando Vermelho operava, em armas, drogas e homens. Perderam junto com eles os grandes atacadistas das drogas, que não têm mais um território livre para atuar. No Alemão, a venda e o consumo eram livres, por uma razão muito simples: era um lugar aonde a polícia não chegava porque não era seguro nem para os policiais.

Ocupar território, no entanto, não é sinônimo de reduzir o consumo de drogas…

Ninguém tem a pretensão de acabar com o crime, acabar com o tráfico ou com o vício. Mas é preciso que haja uma abordagem diferente. Com o consumo descriminalizado, como um pai vai dizer para o filho não usar a droga, enquanto os amigos podem usar e não ser presos? O melhor exemplo de como se trata o problema, a meu ver, está na Operação Lei Seca. É um caso em que há conscientização, trabalho sério, pois as pessoas já se convenceram de que não é possível ‘comprar’ o agente público com propina. E há também a repressão, pois perde a carteira quem infringe a lei. Sem a repressão, a conscientização é balela, é oba oba.

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Que mudanças de legislação poderiam favorecer o combate ao tráfico e ao crime no Brasil hoje?

Nossa passagem de um regime ditatorial para a democracia resultou em alguns exageros nas liberdades individuais. Não estamos aqui tratando de crimes políticos, mas de crimes comuns, contra a sociedade. É claro que é preciso preservar as liberdades individuais, mas o excesso também joga contra o estado. No caso de criminosos comuns, essa distorção é nociva. Enquanto não há sentença judicial, a dúvida deve favorecer o réu. Mas a partir do momento em que há uma decisão de um juiz, ainda que em primeira instância, a dúvida deve pender para o benefício da sociedade, não do suposto criminoso. Outro exemplo desse exagero é o cadastro dos investigados. A polícia não pode ter acesso ao cadastro de um suspeito. Mas se eu for à loja da esquina comprar uma televisão, o comerciante pode consultar o meu cadastro. Ou seja: contra a perda financeira do comércio, há um mecanismo criado. Contra o crime, isso não ocorre com a mesma facilidade.

O que a Polícia Civil tem para fazer agora, no Alemão, em relação à investigação de crimes?

O Alemão, pelo que sabemos e pudemos constatar, era uma concentração de todo tipo de crime. Estavam reunidos naquele local, além do tráfico e das armas, a operação de quadrilhas de roubo de carros, de roubo de carga, de assaltos. Ainda vamos descobrir muita coisa ali dentro.

A Polícia Civil sempre é criticada pela baixa resolução dos homicídios. Como está hoje esta taxa de sucesso nas investigações?

Essa crítica é uma grande bobagem, uma crítica típica de quem não conhece segurança pública nem conhece a Polícia Civil do Rio. Nossa taxa já foi, por muito tempo de 3%. Desde fevereiro, quando inauguramos a nova Divisão de Homicídios, atingimos perto de 20%, com meses em que fomos a quase 25%. Quem compara isso com países do primeiro mundo não sabe do que está falando. Chicago, que é uma das piores cidades americanas, tem 400 homicídios por ano. No estado do Rio, temos 300 por mês, com 200 só na capital. Como vamos conseguir ter taxas de resolução européias ou americanas tendo, por mês, o volume de crimes que eles têm por ano? O que temos que fazer, antes de tudo, é reduzir a incidência de crimes. E isso tem ocorrido. Podem esperar que o desmantelamento do tráfico no Alemão vai ajudar a trazer esse resultado.

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No blog VEJA Acompanha, outras notícias sobre o combate ao crime organizado no Rio

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