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Mortes em família: quando o assassino está dentro de casa

Como a psiquiatria, a psicologia, a criminologia e até a biologia tentam decifrar esse tipo de crime, muito além de um ato contra moral

Por Mariana Zylberkan
21 set 2013, 08h09

Para uma modalidade de homicídio considerada rara, que ocupa, segundo especialistas, fatia de 1% a 4% de todos os assassinatos cometidos, a matança em família tem se mostrado um crime bastante recorrente no Brasil. Só neste ano, o país registrou, pelo menos, trinta casos parecidos ao dos Pesseghini, investigado pela policia sob a tese de que o menino Marcelo, de 13 anos, matou os pais, a avó e a tia-avó e se suicidou no dia seguinte, em 5 de agosto. Boa parte desses casos aconteceu nas semanas subsequentes à tragédia na casa no bairro de Brasilândia, em São Paulo. A atual coincidência macabra que reúne no mesmo curto espaço de tempo muitos relatos de pais que assassinam filhos, e jovens que matam seus progenitores, não pode ser analisada sob a ótica da moral, segundo algumas especialidades científicas. Para a psiquiatria, a psicologia, a criminologia e até a biologia, a maldade e o desprezo por um dos pilares dos valores sociais, a preservação da família, é um detalhe inócuo em meio às explicações que cada uma dessas áreas do conhecimento tem para esse tipo de crime.

Entre as explicações mais controversas sobre os motivos que levam alguém a matar seus familiares está a defendida por um dos braços da biologia evolutiva, que estuda a influência da genética no comportamento dos seres humanos e animais. A teoria do “gene egoísta” foi apresentada pelo biólogo queniano Richard Dawkins, em 1976, e classifica o ser humano como uma máquina de sobrevivência operada por genes que não medem esforços para se perpetuar ao longo das futuras gerações. Dentro disso, alguns cientistas acreditam que esse fator genético estaria presente em assassinos de seus familiares, como se o crime garantisse o continuísmo de seu material genético ao preservar para si os recursos necessários para a sobrevivência. “É um mecanismo parecido ao do leão que come seus filhotes logo após o nascimento”, diz o sociólogo Gláucio Ary Dillon Soares, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio da Janeiro (Uerj).

Como a ciência explica os homicídios em família

Biologia social

Uma corrente que considera o ser humano uma máquina de sobrevivência operada por genes que não medem esforços para se perpetuar defende a teoria do “gene egoísta”, que motivaria seus portadores a matar sua família. Seria um mecanismo parecido ao dos leões quando comem seus filhotes para garantir para si mais comida e condições de sobrevivência.

Criminologia

É mais provável alguém matar uma pessoa de seu convívio próximo do que um total desconhecido. Uma teoria da criminologia leva em consideração o tempo que uma vítima e um assassino em potencial passam juntos para determinar a autoria de um homicídio.

Psiquiatria

Para a psiquiatria forense, todos os casos de homicídio em família têm em comum o fato de terem sido cometidos pelo portador de algum componente psicopatológico. Entre as doenças mentais que levam pessoas a matar seus pais ou filhos estão as de espectro psicótico, como a esquizofrenia, em que a percepção da realidade é distorcida. Alcoólatras e viciados em drogas também são perfis determinantes.

Psicologia

O parricídio é visto pela psicologia como um ato de libertação de uma longa história de opressão e abusos por parte de quem comete o crime. Pessoas que matam seus pais, ou qualquer outra figura cuidadora, necessariamente sofreram agressões físicas, psicológicas ou sexuais de quem lhes devia dar amor, por isso, quando se tornam adultas, se sentem autorizadas a acabar com o sofrimento da forma mais radical possível. No caso de filicidas, a explicação pode ser outra, como o desejo de vingança por parte do cônjuge que atinge o outro através da morte dos filhos.

Comportamento

A banalização da violência e a sensação de impunidade contribui para a maior incidência de crimes em geral. No caso dos homicídios em família, é o que faz uma discussão se transformar em uma tragédia.

A lógica evolutiva, e a tentativa de maximizar a herança genética, também sustenta outra tese sobre assassinatos em família. De acordo com Soares, pesquisas indicam que a probabilidade de uma criança ser morta por padrasto ou madrasta é muito maior do que pelos pais biológicos. “Quando um casal tem filhos do primeiro casamento, são maiores os riscos de o padrasto matar e o filho da mulher de morrer.” A motivação fria e calculista seria para evitar a divisão de recursos essenciais à sobrevivência com pessoas com as quais não se tem uma ligação de sangue.

Diante disso, é impossível não citar o caso Isabella Nardoni, em que a madrasta Anna Carolina Jatobá e o pai Alexandre Nardoni foram condenados pela morte da menina de cinco anos. O crime ocorreu em 2008, quando a garota foi encontrada quase sem vida após ter sido jogada do sexto andar do prédio onde a família morava, na Zona Norte de São Paulo. Hoje separados, eles cumprem pena de mais de 25 anos na penitenciária de Tremembé, no estado de São Paulo.

Apesar de citar essas teses, Soares ressalta que não existe uma fórmula capaz de determinar os homicídios cometidos em família. “Homicídios podem ter relação entre vítima e homicida semelhantes e fatores contribuintes inteiramente diferentes.”

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Psiquiatria – Pelos olhos da psiquiatria, todo assassinato cometido entre membros de uma mesma família é determinado pela presença de um quadro de psicopatologia em quem mata. Os psiquiatras são reticentes em elencar as doenças mentais mais comuns nesses casos, para evitar o preconceito contra os doentes, mas as de espectro psicótico, em que a percepção da realidade é distorcida, estão no topo da lista das mais recorrentes, além de alcoolismo e vício em drogas.

A hipótese de surto psicótico é a principal linha de investigação do psiquiatra forense Guido Palomba para desvendar o caso Pesseghini. O delegado do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) Itagiba Franco requisitou a Palomba um perfil psicológico do menino Marcelo, principal suspeito do crime. O laudo está pronto e Palomba deve entregá-lo ao delegado nesta semana.

A corretora de imóveis Mary Vieira Knorr, de 53 anos, que matou as duas filhas adolescentes no último fim de semana, na casa da família, no Butantã, Zona Norte de São Paulo, foi encontrada pelos bombeiros em situação semelhante a de um surto. Ela passou por avaliações psicológicas que ainda não tiveram os resultados divulgados. Nesta segunda, a polícia entrega o inquérito que aponta Mary como a assassina das filhas.

Para Palomba, o recorrente registro de casos de homicídio em família nas últimas semanas não passa de uma casualidade trágica. Porém, o especialista não descarta a influência, apesar de mínima, do caso Pesseghini aos que o sucederam. “Um crime estimula outro semelhante em processo parecido ao de uma única gota que transborda um vasilhame já cheio.”

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Autopreservação – Já a psicologia atribui os homicídios em família ao senso de autopreservação do ser humano. A psicóloga Paula Inez Cunha Gomide, professora da Universidade Federal do Paraná, acompanha há 15 anos doze parricidas presos em penitenciárias no estado e aponta dois perfis comuns a quem mata seus pais: pessoas que sofreram abusos sexuais, psicológicos e físicos na infância, e viciados em drogas, álcool e jogo que matam para conseguir recursos para sustentar sua adição.

Ela revela que o crime é o ápice de uma longa história de sofrimento por parte de quem mata. “Ele mata o algoz, aquela pessoa não exerceu práticas parentais, mas foi um torturador, na verdade.”

Para ilustrar seu argumento, a psicóloga conta a história de um parricida preso que entrevistou recentemente. “Ele disse que o pai alcoólatra o espancava rotineiramente desde pequeno, por isso, também se tornou dependente de álcool na vida adulta. Um dia, ao se defender das agressões do pai, acertou-lhe uma pedra na cabeça e o matou.”

No caso de mães e pais que chegam ao ponto de matar seus filhos, a explicação é outra. “Em casos bem graves, o casal se separa e um mata o filho para prejudicar o outro”, explica Paula.

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Por outro lado, maus-tratos na infância não necessariamente determinam o assassinato dos pais na vida adulta. Segundo Paula, a diferença entre quem mata ou não está na presença de um agente protetor. “Pode ser um avô ou um tio que acalenta e defende a criança do agressor.”

Aliado a todos esses fatores – histórico de maus tratos na infância, componente genético e doenças mentais – há mais um determinado pela criminologia. O estudo do crime acredita que as chances de alguém matar outra pessoa aumentam consideravelmente de acordo com o tempo em que elas passam juntas cotidianamente. Isso explicaria os crimes cometidos entre casais e parentes que moram na mesma casa.

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