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Lava Jato não seria a mesma sem delações, diz procurador

Chefe da Câmara de Combate à Corrupção, o procurador da República Nicolao Dino reconhece efeito de penas do mensalão sobre delações da Operação Lava Jato e defende sanção de até 25 anos para grandes corruptos

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 20 jun 2015, 13h39

Nos últimos dois anos, o Ministério Público Federal apresentou 5.445 ações de improbidade administrativa para tentar reaver bilhões de reais desviados dos cofres públicos por corruptos. Mas a enxurrada de ações judiciais esbarra em uma lenta recuperação efetiva do montante roubado em escândalos de corrupção. Dez anos depois da descoberta do mensalão, nenhum centavo foi devolvido aos cofres públicos. No petrolão, onde investigadores estimam que 6,2 bilhões de reais foram movimentados de fraudes na Petrobras, pouco mais de 500 milhões foram repatriados – graças a acordos de delação premiada celebrados pelos criminosos. Em entrevista ao site de VEJA, o subprocurador-geral da República Nicolao Dino, coordenador da Câmara de Combate à Corrupção do MP, defende penas altas para grandes corruptos e corruptores, com sanções de até 25 anos, mas admite que boa parte do sucesso da Lava Jato está vinculado ao inédito número de delações premiadas. “É difícil imaginar como seria a investigação da Lava Jato sem uma informação importante a partir de instituto da colaboração premiada”, diz. Leia a entrevista:

As condenações do mensalão deixaram a sensação do fim da impunidade, mas parte dos personagens aparece agora no petrolão. Pode-se dizer que temos corruptos profissionais? Sem citar nomes, não apenas no Brasil, mas no mundo todo a corrupção tem um caráter de permanência. Há uma frase do sociólogo José Pastore muito interessante: ‘Corrupção é como diabetes, não tem cura e tem que ser tratada todo tempo’. Isso evidencia na prática que a corrupção é um fenômeno social, transnacional e não é algo típico do Brasil. É algo que se faz presente infelizmente nas sociedades de uma forma geral desde que o mundo é mundo. É algo com que os Estados devem ter uma relação muito detida para que não se alastre.

Nas investigações, qual a sensação quando o Ministério Público se depara com os velhos personagens em novos escândalos? O papel do Ministério Público é atuar, independentemente de perceber se os personagens se repetem ou não em situações de corrupção. Estamos diante de um momento histórico, muito importante para o Brasil porque os casos hoje se tornam mais visíveis e mais perceptíveis. Não podemos falar em recrudescimento da corrupção. O que há é mais visibilidade em relação aos casos de corrupção. O que importa é que os casos sejam detectados, submetidos à rigorosa investigação e a um julgamento justo. O importante é que o Estado tem que se equipar, se preparar e se aparelhar para atuar para enfrentar a corrupção e dar respostas de punição que a sociedade exige. O Brasil não está só nisso. É só ver o exemplo recente de corrupção na Fifa.

Qual o papel da delação premiada em grandes escândalos de corrupção? A colaboração premiada é um instituto que vem sendo utilizado nos ordenamentos jurídicos mais modernos. Nos Estados Unidos e na Itália, há casos muito exitosos desvendados a partir de delações. No Brasil, ainda é muito recente. A vantagem da colaboração premiada é obter informações que são fundamentais para detecção de uma grande organização criminosa. Há situações nas quais o crime se estabelece de uma forma tão organizada que só é possível desvendá-lo a partir de uma colaboração, de uma informação privilegiada de alguém que se insere na organização. O caso da Lava Jato, parece ser bem emblemático em relação à colaboração premiada. Não fosse esse instituto, provavelmente as informações necessárias à plena elucidação do caso não teriam chegado ao conhecimento do Ministério Público Federal. É difícil imaginar como seria a investigação da Lava Jato sem uma informação importante a partir de instituto da colaboração premiada.

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O empresário Marcos Valério não fez delação premiada no mensalão e foi condenado a 37 anos de prisão. Esse cenário motiva os empreiteiros da Lava Jato a colaborarem com a Justiça? Acho que nesse caso estamos diante da certeza da punição. O infrator tem que ter certeza e a sociedade tem que ter a percepção de que o Estado vai atuar, agir e punir. É essa certeza da punição que inibe a prática criminosa. Temos casos em que o Judiciário responde de uma forma incisiva em relação a determinado esquema de corrupção. Houve uma sanção elevada em relação a pessoas submetidas à ação penal 470. Nessa perspectiva, o infrator pode pensar que o Estado está funcionando e a certeza da punição atua como um fator inibidor.

No Brasil, a sensação de combate à impunidade arrefece com descoberta de um escândalo ainda maior, como o petrolão. O Brasil tem dado saltos bem largos em relação a romper com o cenário de impunidade. O reaparelhamento do ordenamento jurídico, com a criação dos institutos da leniência e da colaboração premiada, o fortalecimento das instâncias investigatórias, a independência do Ministério Público e do Judiciário, tudo isso são sinais de que melhoramos muito no combate à impunidade.

O MP defende transformar corrupção em crime hediondo. Analistas contestam a relação entre aumento da pena e combate efetivo à criminalidade. O aumento da pena por si só não inibe o crime. Propomos o aumento de sanções a corrupções de valores elevados, mas precisamos implementar também outras medidas, como a simplificação do processo judicial e da cadeia recursal para tornar o processo mais célere e efetivo.

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Desde o início da Lava Jato, o MP tem replicado um discurso sobre os efeitos destrutivos da corrupção na sociedade. Quantas milhares de vidas poderiam ser preservadas se esse recurso fosse encaminhado para o reforço do sistema de saúde? Quantos milhares de analfabetos poderiam melhorar seu nível de escolaridade se o dinheiro desviado fosse encaminhado para a área de educação? A lesão em larga escala requer respostas estatais também em larga mais rigorosa. Por isso defendemos altas penas para o crime de corrupção.

Partidos políticos mergulhados em esquemas de desvios de recursos públicos deveriam ser extintos? A legislação prevê algumas situações de decretação da extinção do partido político. Basta olhar a Lei Orgânica dos Partidos Políticos. O que está se propondo aqui são situações de grande repercussão e maior gravidade. A solução defendida pelo Ministério Público é de que se há uma estrutura, seja qual for a pessoa jurídica, uma sociedade empresarial ou mesmo um partido político que funcione apenas para viabilizar atividades ilícitas, essa pessoa jurídica não pode sobreviver dentro de um Estado democrático. No caso de uso de recursos oriundos de atividades ilícitas e irregulares, há uma medida sugerida ao Congresso Nacional de que o Judiciário poderá, mediante representação e assegurada ampla defesa, aplicar várias sanções. A penalidade máxima seria a extinção da pessoa jurídica. Seria como aplicar a Lei Anticorrupção aos partidos políticos.

É factível acreditar que o Judiciário seria capaz de extinguir um partido político histórico? O Judiciário brasileiro está bem maduro. Acredito que em uma democracia o Judiciário age com independência e tem que ter a coragem de tomar as medidas que forem previstas em lei. Quem faz as regras do jogo é o Legislativo. Se ele considerar que é o caso de estabelecer sanções severas para pessoas jurídicas que se valem de atividades ilícitas, o Legislativo vai prever e o Judiciário terá maturidade para aplicar se e quando for o caso.

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