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João Santana pode ter recebido dinheiro do petrolão no exterior

Carta assinada pela mulher e sócia do marqueteiro petista, agora em poder da PF, foi endereçada a um dos operadores do esquema criminoso indicando contas na Inglaterra e nos Estados Unidos

Por Da Redação 15 jan 2016, 20h51

Um empreiteiro do primeiro time está diante de um advogado de sua empresa e, pensando alto, reclama da atitude da presidente Dilma Rousseff, que, na visão dele, estava pouco se lixando para a sorte dos empresários pegos na Operação Lava-Jato. Diz ele: “A Dilma fica posando de virtuosa como se não tivesse nada com o que está acontecendo. Ela declarou pouco mais de 300 milhões de gastos de campanha, e nós demos para ela quase 1 bilhão. Como ela pensa que o restante do dinheiro foi parar na campanha?”. Esse desabafo reflete uma situação de fato e, além de ser uma confissão de crime, descreve com exatidão o sentimento comum entre muitos dos maiores doadores do PT na campanha presidencial de 2014. Eles deram dinheiro contabilizado, devidamente registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas também fizeram contribuições clandestinas das mais diversas maneiras usando suas poderosas estruturas empresariais. Outro empreiteiro avança mais: “Essas doações foram feitas a partir da contratação de consultorias indicadas pelos políticos ou por meio de pagamentos a publicitários diretamente no exterior”. A Polícia Federal já encontrou evidências dessas operações casadas em que empresas são agraciadas com obras e financiamentos públicos generosos e, em troca, contratam aqui ou no exterior “consultorias” ou agências de publicidade às quais devolvem parte do butim. Um exemplo dessa triangulação criminosa está sendo investigado em um inquérito sigiloso que tramita em Curitiba e tem como personagem principal o marqueteiro João Santana, artífice das campanhas eleitorais do ex-presidente Lula e da presidente Dilma.

A história começa nas primeiras horas da manhã do dia 5 de fevereiro do ano passado, quando uma equipe de policiais federais bateu na porta do engenheiro Zwi Skornicki, em um condomínio da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Os agentes estavam atrás de computadores e documentos. As buscas eram parte da nona fase da Operacão Lava-Jato, batizada de My Way. Estavam na mira dos policiais onze operadores do petrolão que haviam sido denunciados por Pedro Barusco, ex-­gerente da Petrobras. Em acordo de delação, Barusco revelou os detalhes de como funcionava o esquema de corrupção na diretoria de Serviços da estatal. Apenas ele, um funcionário de terceiro escalão, havia embolsado 97 milhões de dólares, dinheiro que escondia em contas secretas no exterior. Barusco contou como eram pagas as propinas em troca dos contratos, em especial aqueles destinados à construção de plataformas e sondas para exploração de petróleo em águas profundas. Organizado, ele tinha uma lista com o nome de todos os operadores, quem cada um deles representava e, principalmente, o que cada um fazia.

Zwi Skornicki, o morador do condomínio de luxo da Barra da Tijuca visitado pelos federais, era um dos nomes da lista de pagadores de propina. Havia anos ele era o representante no Brasil do estaleiro Keppel Fels, de Singapura, dono de contratos bilionários com a Petrobras. Segundo Barusco, de 2003 a 2013 Zwi foi o responsável por pagar – a ele, a outros funcionários da Petrobras e também ao PT – as comissões devidas pelo estaleiro asiático. Eram provas desses pagamentos que os agentes procuravam na casa do operador, mas a busca acabaria abrindo uma nova linha de investigação. Ao analisarem o material apreendido, os investigadores encontraram uma carta enviada em 2013 a Zwi com as coordenadas de duas contas no exterior, uma nos Estados Unidos e a outra na Inglaterra. A remetente da correspondência, manuscrita, era Mônica Moura, mulher e sócia do marqueteiro João Santana. Intrigante. Que ligação financeira poderia haver entre a esposa e sócia do marqueteiro da presidente da República e um operador de propinas do petrolão? Estranho. Num mundo digital, a comunicação ainda se deu por carta – talvez para não deixar rastros em e-mail ou mesmo em mensagem telefônica.

Ligando os pontos com o depoimento de Pedro Barusco, os investigadores passaram a trabalhar com a hipótese de que Zwi fora encarregado de transferir para a sócia do marqueteiro parte da propina que teria de pagar em troca dos contratos na Petrobras. Ao explicar como funcionava o esquema de pagamento de propina na diretoria de Serviços da Petrobras, Barusco disse que em cada grande contrato havia um porcentual de propina que era repartido entre o PT e o “pessoal da casa” – como os integrantes do esquema se referiam aos funcionários da Petrobras que se empenhavam para fazer com que cada negócio saísse conforme o planejado. Só com o Kep­pel Fels, o estaleiro representado por Zwi, a Petrobras firmou seis grandes contratos entre 2003 e 2009, no valor total de 6 bilhões de dólares. A propina era de 1%. De acordo com Barusco, o valor era dividido meio a meio entre o PT e a cúpula da diretoria de Serviços. Ou seja, o partido teria ficado com 30 milhões de reais e os funcionários corruptos com outros 30.

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Pedro Barusco contou que os pagamentos da propina devida ao “pessoal da casa” eram feitos por Zwi Skornicki em depósitos em contas secretas abertas em bancos como o Delta de Genebra, na Suíça. Já a parte do PT era tratada diretamente entre Zwi e o tesoureiro do partido, João Vaccari Neto. “O assunto ficava restrito entre eles”, afirmou Barusco. Os policiais investigam se Zwi foi orientado a repassar uma parte da propina devida ao PT diretamente para contas controladas pelo marqueteiro. A apuração corre em segredo de Justiça na 13ª Vara Federal de Curitiba, a cargo do juiz Sergio Moro. O trabalho tem avançado e, em breve, deve dar origem a mais uma etapa da Lava-Jato. Para rastrearem as contas, os investigadores pediram ajuda a autoridades estrangeiras. Os procuradores e policiais da Lava-Jato já sabem, por exemplo, que as contas informadas pela mulher de João Santana na carta enviada a Zwi são “contas de passagem” – que servem só para despistar o destino final do dinheiro.

Procurado por VEJA, Zwi disse apenas que não conhece João Santana. Quanto a Mônica Moura, a mulher do marqueteiro, ele respondeu que a conhece “só de nome”. Perguntado sobre o motivo pelo qual recebera de Mônica uma carta com números de contas bancárias, encerrou a conversa. “Tenho de falar com meus advogados”, disse.

Zwi trabalhou para a Petrobras no início da carreira. Depois, migrou para a Odebrecht, onde chegou a dirigir as operações da empreiteira no ramo de óleo e gás. Há pouco mais de vinte anos, resolveu usar a experiência acumulada para abrir o próprio negócio. Virou “consultor” e representante comercial de empresas com interesses na Petrobras. Não demorou para que se tornasse o representante no Brasil da Keppel Fels, graças às facilidades e aos conhecimentos que tinha na Petrobras. Sua estratégia para conseguir negócios sempre foi agressiva. “A Fels não senta e espera o cliente entrar porta adentro”, disse, orgulhoso, numa entrevista anos atrás. Como consultor, Zwi construiu uma formidável fortuna: mansões no Brasil e nos Estados Unidos, obras de arte valiosas, lanchas, carros importados – na operação de busca, a Polícia Federal apreendeu cinco veículos de luxo que estavam guardados na garagem dele.

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Mônica Moura é há anos o braço- direito de João Santana. Ela também figura como proprietária da Polis Propaganda, a holding das empresas do marqueteiro, um ex-jornalista que fez carreira ao lado de Duda Mendonça, fisgado em 2005 no escândalo do mensalão (veja o quadro ao lado). Depois disso, Santana assumiu o comando do marketing petista e virou uma eminência no governo – no de Lula e no de Dilma. Seja em períodos eleitorais, seja fora deles, é sempre chamado a dar orientações – de um simples pronunciamento oficial a programas de governo. Em paralelo, também cuidava da imagem do PT. Como marqueteiro, Santana ganhou muito dinheiro. Só nas três últimas campanhas presidenciais, em valores declarados, faturou 148 milhões de reais. Somados os serviços prestados a candidatos em outras campanhas, a cifra passa dos 200 milhões. O trabalho prestado ao petismo abriu-lhe portas no exterior. Ele também fez campanhas no Panamá, na República Dominicana, na Venezuela, em El Salvador e em Angola. A VEJA, João Santana disse que espera por informações sobre a investigação: “Não sei do que se trata. Aguardo detalhes oficiais para me inteirar e esclarecer. Mas, falando em tese, reitero que tudo que se refere a movimentações financeiras no exterior restringe-­se exclusivamente a trabalhos efetivamente prestados, a clientes estrangeiros, por empresas que temos fora do Brasil. São empresas conhecidas no mercado internacional, que obedecem às normas legais e só atuam em outros países. Nunca no Brasil”.

O Estado brasileiro foi tomado de assalto por uma quadrilha. Na semana passada, isso ficou ainda mais evidente. Em delação premiada, Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, um corrupto confesso, contou aos procuradores que permaneceu no cargo por determinação de Lula depois de ter articulado uma tramoia na estatal que rendeu 60 milhões de reais à campanha do ex-presidente em 2006. É de estarrecer. Mas o delator contou mais. Revelou ter participado de uma segunda tramoia, que rendeu 20 milhões de reais em propinas ao senador Fernando Collor – só que dessa vez seguindo orientação da presidente Dilma Rousseff. Cerveró afirmou que Dilma disse pessoalmente ao senador alagoano que os cargos da BR Distribuidora estavam “à disposição” dele. Collor, um especialista em diversas áreas do conhecimento, entendeu o recado, indicou os diretores da empresa e instalou lá um balcão de arrecadação de propinas. Dilma confirmou ter conversado com o senador sobre o assunto, mas disse que ele “interpretou” sua orientação. Não era para ele usar a BR como quisesse. Os depoimentos estão nas mãos do procurador-geral Rodrigo Janot. Em tempo: o empreiteiro que aparece no início da reportagem foi preso pouco depois da reunião em que descreveu como funcionou a engrenagem que aportou clandestinamente 1 bilhão de reais para financiar a campanha de Dilma.

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