Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Jardim Pantanal: a solução está logo ali

Bairros vizinhos, Jardim Romano e Vila Itaim têm realidades distintas – um esquecido, outro olhado pelas autoridades

Por Carolina Freitas
14 jan 2011, 15h24

Eroc Cardoso Neves, mecânico, morador da Vila Itaim: “A solução é simples. A política é que é difícil”

Apoiada à rachadura da parede, Nadir da Silva chora. A água já bate na soleira da porta e o tempo chuvoso dá à dona de casa de 62 anos a certeza de que, logo, estará tudo tomado pela enchente. Ela mora na Vila Itaim, inundada desde segunda-feira pelas águas do Rio Tietê. No bairro vizinho, Jardim Romano, Aparecida de Proença Castro vai a pé buscar o filho na escola, sem risco de esbarrar em nenhuma poça. “Estamos no céu”, comemora, entre sorrisos, a diarista de 44 anos. Vila Itaim e Jardim Romano fazem parte de um mesmo Jardim Pantanal, região da zona leste de São Paulo – um esquecido, outro olhado pelas autoridades. Clique aqui e veja imagens do Jardim Romano e de Vila Itaim.

O Jardim Romano passou dois meses debaixo d’água – e sob os holofotes da imprensa – no verão passado. Virou símbolo do descaso do poder público. O bairro, como os outros cinco do Jardim Pantanal, está na várzea do Rio Tietê, ou seja, na área para onde o rio se expande em época de cheia. Na mesma região, há um outro exemplo de descaso: a Chácara Três Meninas. Mesmo assim, no Pantanal, onde moram 251.000 pessoas, 40% dos imóveis são regulares. Há escolas, postos de saúde e conjuntos habitacionais. .

Diante do drama das famílias do Jardim Romano, a prefeitura e o governo do estado tomaram uma decisão: resolver o problema. Em oito meses, de abril a dezembro de 2010, construíram um dique de terra, um reservatório com capacidade para 20.000 metros cúbicos, uma rede de galerias e um sistema com cinco bombas.

A água da chuva escoa das ruas do bairro pelas galerias até o reservatório. Quando ele enche, bombeia-se a água para o rio. E o dique impede que ela volte e inunde o bairro. O investimento da prefeitura e do governo do estado foi de 70,5 milhões de reais. O projeto está adaptado ao Várzeas do Tietê, parque estadual que está sendo construído ao longo do rio para recompor a área nos próximos quatro anos.

Foto de arquivo: Homem navega com jangada improvisada em rua alagada pela chuva no Jardim Pantanal, zona leste de São Paulo - 17/12/2009
Foto de arquivo: Homem navega com jangada improvisada em rua alagada pela chuva no Jardim Pantanal, zona leste de São Paulo – 17/12/2009 (VEJA)
Continua após a publicidade

Uma comparação entre a altura das ruas e o nível do Rio Tietê, cheio por conta das últimas chuvas, mostra que, não fosse o dique, o bairro estaria tomado por água em uma altura de 50 centímetros a 1 metro. De acordo com técnicos responsáveis pela obra, ela foi planejada para suportar o nível mais alto a que já chegou o rio e o maior volume de chuvas registrado na região. Em cima disso, ainda foi calculado um valor de folga. Em tese, há segurança total contra novas enchentes.

É a esperança de Aparecida Castro. “Acho que Romano nunca mais vai ter nenhum probleminha”, diz, em meio a planos de quitar o apartamento em que mora e comprar uma casa no mesmo bairro “para poder criar meu cachorro e meu gatinho.” A lembrança da tarde em que teve de enfrentar a água barrenta pelo joelho, com o filho no colo, para entrar em casa aos poucos fica para trás. A solução para o Jardim Pantanal está logo ali, mas ainda longe para os bairros vizinhos.

Na casa de Nadir, na Vila Itaim, o capricho de vó cede aos poucos espaço ao improviso da urgência. Panos de prato bordados emprestam lugar a caixotes para levantar geladeira, fogão e televisão. “Eu não vou sair daqui. É a minha casa. Fiquei viúva ano passado, tive dois derrames. Vou para onde?”, repetia e limpava as lágrimas do rosto.

Ao lado do sobrado de Nadir, o subprefeito de São Miguel Paulista, Milton Persoli, se protegia da chuva debaixo de uma marquise. Ali conversou com a reportagem de VEJA. “Não tem como executar uma coisa nesse segundo. É impossível. Não tenho como drenar a água que está aqui”, justificou-se. Qualquer intervenção só ajudará a região no próximo verão, como aconteceu com o Jardim Romano.

Promessa – Questionado se não seria mais eficaz planejar uma obra para todo o Jardim Pantanal ao invés de esperar o problema aparecer para pensar numa solução isolada para cada bairro, Persoli respondeu: “Provavelmente deve haver outras zonas críticas ano que vem. Mas não temos como atender três ou quatro áreas.” Ao menos para a Vila Itaim, uma promessa: “A prefeitura vai resolver o problema aqui como resolveu no Jardim Romano. Isso já está decidido.”

Continua após a publicidade

Segundo o subprefeito, está em estudo pelos técnicos do Departamento de Águas do estado (DAEE), uma obra de barragem e reservatório semelhante a do Jardim Romano em Vila Itaim. Os trabalhos começariam em março ou abril e ficariam prontos entre dezembro e janeiro. Conhecimento técnico e dinheiro público há. Tudo depende de uma decisão política, como lembra o mecânico Eroc Cardoso Neves, de 46 anos. “A solução é simples. A política é que é difícil”, conclui o morador de Vila Itaim, com água na altura da coxa.

Na garagem da casa alagada, ele tenta apoiar em calços de metal as rodas do carro que acabou de comprar. “A água já estava quase pegando o estofamento”, conta. “Vou continuar na minha casa. A obra resolveu o problema do Romano. Lá está sequinho. Falta aqui.”

A poucos metros dali, Maria Moreno Teixeira, aposentada de 54 anos, abre o portão e se prepara para sair. De coque e saia rosa rodada, segue para a base de atendimento da prefeitura, na parte seca do bairro, a dois quarteirões dali. Vai se cadastrar para receber cesta básica, colchão, cobertor e material de limpeza. Nos pés, chinelos de dedo. “Sei que não poderia pisar na água, mas só tenho chinelo. Coloquei os móveis para o alto. E só nos resta esperar a água baixar, nesse sufoco.”

Cenas e personagens de uma tragédia paulistana
Jardim Romano Vila Itaim
Prefeitura construiu barragem, piscinão e sistema de bombas. Com a obra, Rio Tietê não avança mais sobre o bairro e a água da chuva fica armazenada Sem qualquer estrutura de drenagem, bairro sofre com alagamentos desde segunda-feira. E o nível da água não dá qualquer sinal de que vá baixar
“Houve uma opção pelo Jardim Romano, a área mais crítica. Tomamos a decisão de executar a obra e resolver o problema.” Milton Persoli, subprefeito de São Miguel Paulista “Lá no Jardim Romano está sequinho. Aqui, tudo inundado. Ou seja, existe saída. A solução é simples. A política é que é difícil.” Eroc Cardoso Neves, 46 anos, mecânico
Ao final da tarde, meninos brincam em rua que passou dois meses debaixo d’água no ano passado Sozinho, morador do bairro tenta voltar para casa, que ficou tomada pela cheia do Rio Tietê
“Não estou completamente segura, mas me sinto privilegiada quando olho para a situação da Vila Itaim. Não fazer obras lá foi injusto.” Raquel da Silva Santos, 32 anos, dona de casa “Não tenho nada, nenhum lugar para ir. Sei que não poderia pisar na água, mas só tenho chinelo. Coloquei os móveis para o alto. E só nos resta esperar, nesse sufoco.” Maria Moreno Teixeira, 54 anos, aposentada
Vizinhos conversam após um dia de trabalho Mulheres usam cajado para evitar bueiros
“As coisas melhoraram muito. Acho que Jardim Romano nunca mais vai ter nenhum probleminha. Estamos no céu.” Aparecida de Proença Castro, 44 anos, diarista “A água tomou todo o térreo da minha casa. Subi o que deu para o segundo andar. Cumpriram as promessas no Jardim Romano. Aqui, nada.” Rosilaine Lopes da Silva, 35 anos, dona de casa
Mesmo com tempo chuvoso bairro não alaga. Irmãs voltam para casa depois da escola Enquanto, isso, no bairro vizinho, moradores fazem o que podem para se locomover em meio às águas

A região do Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, virou uma terra de contrastes. Compare como fica um bairro cuidado pelo poder público, o Jardim Romano, e um bairro abandonado pelas autoridades, a Vila Itaim

Fotos: Guilherme Lara Campos/Fotoarena

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.