Idade não é o problema
Depois de 21 anos engavetada, proposta de redução da maioridade penal avança na Câmara. Mas ela não é solução para a criminalidade no Brasil
Reportagem publicada na edição de VEJA de 8 de abril de 2015
Na última terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou uma emenda constitucional para reduzir a maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos. O tema incendeia discussões de tempos em tempos, quando crimes bárbaros são cometidos por jovens criminosos. Desta vez, contudo, avança pelo empenho pessoal do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Se um jovem de 16 anos tem o direito de escolher o presidente da República, pode se responsabilizar por todos os seus atos”, diz ele. Cunha age por convicção pessoal, mas também por cálculo político: a bandeira tem ampla adesão dentro e fora do Congresso. A última pesquisa sobre o assunto, feita pelo Ibope no ano passado, constata que 83% dos brasileiros acham que adolescentes devem responder como adultos a partir dos 16 anos. Rechaçada sucessivamente por duas dé-cadas sempre que foi apresentada, a proposta ainda precisa do aval de comissões até ser votada no plenário da Câmara dos Deputados e depois seguir para o Senado. Não é um caminho curto, mas Cunha promete percorrê-lo até o fim com agilidade inédita.
Em um aspecto o peemedebista tem razão: a idade penal não deve ser tratada como dogma. Tampouco é uma cláusula pétrea da Constituição, como afirmam movimentos de direitos humanos. “A fixação da idade da responsabilidade penal é uma regra que pode ser revista”, afirma o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a Organização das Nações Unidas, apenas 17% dos países adotam um sistema no qual a maioridade penal é inferior aos 18 anos. Recentemente, alguns até aumentaram o limite legal, como fizeram Alemanha e Japão. Há países desenvolvidos que adotam sistemas híbridos. Na França, a maioridade penal está fixada em 18 anos, mas em caso de crimes graves é possível condenar a partir dos 13 anos. O Canadá tem solução semelhante: um processo de avaliação especial pode levar um jovem de 14 anos a julgamento.
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O Ministério da Justiça não possui uma estatística de homicídios cometidos por jovens. Números nessa seara precisam, aliás, ser vistos com a ressalva de que muitos adolescentes envolvidos com o tráfico ou o crime organizado assumem a autoria de assassinatos no lugar dos verdadeiros culpados. A estimativa mais mencionada nos debates brasileiros é da Unicef, segundo a qual 1% dos homicídios é praticado por jovens de 16 e 17 anos. Nenhum número é desprezível quando se trata de homicídios: são cerca de 500 vidas perdidas por ano. Ainda assim, o porcentual é ínfimo e não permite concluir que a redução da maioridade penal teria um impacto decisivo nas taxas brasileiras de criminalidade.
Caso a maioridade penal aos 18 anos fosse revista, os infratores passariam a integrar o caótico sistema penitenciário brasileiro. De janeiro de 1992 a junho de 2013, a população carcerária aumentou 400% no Brasil. “Que não se dê à sociedade uma esperança vã: cadeia não conserta ninguém”, diz o ministro Marco Aurélio. O modelo das instituições socioeducativas para menores infratores tampouco foi bem-su-ce-di-do, embora haja exceções. Em Pernambuco, uma unidade na cidade de Jaboatão dos Guararapes alcançou índices auspiciosos: a reincidência no crime é de 13%, muito inferior à taxa de 54% registrada no Nordeste, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O tema da maioridade penal está cercado de mistificações e conceitos pseudocientíficos. O fato é que nem a psicologia, nem a neurologia, nem a sociologia, nem outro ramo algum do conhecimento dá uma resposta definitiva para que se estabeleça a idade em que as pessoas devem passar a responder plenamente pelos crimes que cometem. O assunto deve ser debatido de maneira pragmática, centrada nas consequências que cada solução pode trazer. Um dos principais argumentos de quem advoga por um direito penal mais duro e que atinja pessoas mais jovens é que ele teria um efeito de dis-sua-são. Mas, como já sabia no século XVIII o pai do direito penal moderno, o italiano Cesare Beccaria, não é a gravidade da pena, nem a idade das pessoas sujeitas a ela, que confere poder de dissuasão a um sistema penal. O elemento-chave é sua efetividade. No Brasil, a taxa de elucidação dos homicídios não passa dos 8%. Na França, é de 80%. Não haverá mudança significativa no Brasil se a polícia e o Judiciário não aumentarem sua eficácia na aplicação das leis.