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‘Eu me preparei para ser vidraça e não só estilingue’, diz jornalista eleito para o Senado

Lasier Martins (PDT), jornalista por mais de cinco décadas, venceu Olívio Dutra (PT) em uma disputa acirrada. A diferença de votos foi de 121.062 votos

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 19 out 2014, 09h08

‘Regulação da mídia é um eufemismo: o que eles querem é interferir na liberdade jornalística. Sou totalmente contra. Por que quando houve a grande crise da Petrobras a Dilma encheu de propaganda da estatal durante o Jornal Nacional? Por que não levou a propaganda para a televisão pública, fundada a altíssimos custos? Porque ninguém vê. Não existe meia liberdade. É total ou não é’

Jornalista durante cinco décadas, Lasier Martins ficou conhecido no Rio Grande do Sul como um dos mais duros comentaristas políticos do Estado. Nos últimos dez anos à frente do Jornal do Almoço, da RBS, emissora filiada à TV Globo, Lasier Martins colocou em pauta em horário de grande audiência temas caros aos gaúchos, como o desarranjo das contas públicas – hoje o Estado está mergulhado na maior dívida do país, de cerca de 50 bilhões de dólares – e as promessas não cumpridas pelo governo federal. Resultado: neste ano, na primeira eleição que disputou, recebeu mais de 2,1 milhões de votos e foi eleito para o Senado, superando o ex-governador e ex-ministro Olívio Dutra (PT). Lasier Martins repete a trajetória de outros gaúchos que trocaram o jornalismo pela política, como a senadora Ana Amélia (PP), o ex-senador Sérgio Zambiasi (PTB) e o ex-governador Antônio Britto (PMDB). “Eu atribuo a minha eleição às posições críticas tomadas contra os governos nos últimos anos. O Olívio Dutra cometeu erros brutais no Rio Grande do Sul. Na campanha, eu apenas recordei os erros dele”, afirma. No Senado, Lasier Martins diz estar pronto para ouvir críticas de jornalistas tão ácidas quanto as suas: “Eu me preparei para ser vidraça e não só estilingue”.

O senhor assume a vaga de Pedro Simon, que passou 32 anos no Senado e neste ano teve a primeira derrota no Congresso. Pretende dar sequência ao trabalho dele ou quer inaugurar um novo estilo? Eu telefonei neste semana para o Simon e disse que serei um seguidor dele em termos de comportamento ético. É do temperamento gaúcho ser brigão, e eu prometo levar para a tribuna principalmente questionamentos sobre o desrespeito ao dinheiro público. Há muita malversação, má administração, escândalos e corrupção. Isso tem de ser combatido. Quero ser um fiscalizador dos recursos públicos, não é possível tanto gasto. Dentro do Congresso, eu vou poder vasculhar melhor, que é o que eu não conseguia na comunicação. Eu tenho 53 anos de atuação no rádio e na televisão, criticando e cobrando, mas sem conseguir o efeito prático. E essa foi uma das principais razões de eu ter deixado a profissão.

De que forma o senhor pretende fazer uma investigação mais efetiva? Eu quero integrar as comissões e convocar as autoridades de estatais e de todos os órgãos que despertarem desconfiança. Hoje, 80% do Congresso é submisso à presidente, o que dificulta que essas investigações avancem. Mas isso não quer dizer que a gente não brigue. Eu tenho conversado muito por telefone com o Cristovam Buarque (PDT) e outros senadores para nós formarmos um grupo de combate a essas questões. Há três grandes males na política brasileira: clientelismo, corporativismo e patrimonialismo.

Em uma eventual reeleição da presidente Dilma, o senhor seria oposição? Sim. Eu acho que a Dilma não soube dar crescimento econômico ao país, começou com uma previsão do ano crescendo 2,5%, hoje todos os analistas dizem que o crescimento não vai passar de 0,3%. Além do crescimento muito baixo, temos a volta da inflação, a desindustrialização do país e, o que considero mais grave, a presidente não soube coibir os grandes escândalos nas estatais.

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E no eventual governo do Aécio? Ele me telefonou na semana passada para me cumprimentar e pedir um encontro. Eu quero ouvir a opinião dele sobre as grandes demandas para o Rio Grande do Sul, que é o Estado mais endividado do Brasil. Mas, por exclusão, eu devo votar nele. Voto contra a continuação da Dilma e esse aparelhamento partidário absurdo e avassalador. Eu entendo que o Aécio não é hoje o candidato do PSDB. Ele representa uma fusão suprapartidária que é para fazer uma limpeza moral e política no país.

Ao longo da carreira, o senhor foi bastante crítico do Olívio Dutra. Isso favoreceu a vitória? Eu atribuo a minha eleição às posições críticas tomadas contra os governos nos últimos anos. Eu era comentarista do Jornal do Almoço, entrava no ar todos os dias e nos últimos dez anos comentava sobre política e economia. Embora o Olívio seja um homem muito decente, ele cometeu erros brutais no Rio Grande do Sul. Na campanha, eu apenas recordei os erros dele.

Por que os jornalistas gaúchos viram políticos? Eu acho que depende sempre do posicionamento. Não basta ser conhecido, tanto que nem todos os que estão na televisão e no rádio se elegem. Neste ano, vários concorreram e não se elegeram. Eu não tinha uma intenção determinada de entrar para a política. Mas, nos últimos dez anos criticando, cobrando e não vendo efeito, pensei: ‘Se eu posso dar uma contribuição para além da câmera e do microfone, por que não ir para dentro?’.

Quais propostas o senhor pretende defender? O principal é conseguir recursos para o Rio Grande do Sul. O Estado está quebrado. Quero buscar recursos da Lei Kandir [que garante repasses de recursos a título da compensação da isenção do ICMS sobre produtos primários ou serviços], que não são devolvidos há muito tempo. Também temos de mudar o indexador, o que vai diminuir muito a nossa dívida. E quero participar da reforma política. Agora eu vivi na pele a experiência do que é uma pessoa nova querer entrar na política. Entendo que quem exerce o mandato tem de se afastar do cargo no mínimo três meses antes para poder fazer campanha sem usar a máquina. A própria Dilma está cruzando o Brasil às custas do dinheiro público e em horário de expediente. Eu sou contra o financiamento público das campanhas. Os recursos têm de ser provenientes de pessoa física e com limitador. Penso também em propor o recall que existe na Califórnia: o eleito, não cumprindo as promessas ou envolvendo-se em corrupção, deve ser sumariamente destituído. Também acredito que ministros de tribunais superiores, como o de contas, e diretores de estatais sejam submetidos a uma sabatina pelo Senado, para que esses órgãos sejam comandados por técnicos e pessoas competentes, e não aparelhadas, como estamos vendo na Petrobras.

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Como o senhor vê o projeto de regulação da mídia? Regulação da mídia é um eufemismo: o que eles querem é interferir na liberdade jornalística. Sou totalmente contra. Por que quando houve a grande crise da Petrobras a Dilma encheu de propaganda da estatal durante o Jornal Nacional? Por que não levou a propaganda para a televisão pública, fundada a altíssimos custos? Porque ninguém vê. Não existe meia liberdade. É total ou não é.

Por que no Rio Grande do Sul partidos nacionalmente aliados ao PT, como o PP, PDT e PMDB, são oposição? Há uma grande rejeição porque o PT prometeu muito e não fez praticamente nada pelo Estado. A gente esperava que a Dilma fizesse mais. O Tarso Genro foi eleito no primeiro turno por uma única razão: a perspectiva do alinhamento das estrelas, que não aconteceu. A Dilma prometeu a construção da ponte do Guaíba, que é uma carência fundamental, mas nem licenciamento tem. A eleição do Tarso foi uma decepção muito grande. O DNA do gaúcho é ser brigão e a história do Estado é repleta de revoluções e conflitos. Não foi por acaso que surgiu a Guerra dos Farrapos, que era a guerra contra o império. E hoje nós temos algo muito parecido. O Brasil tem um governo imperial. A Dilma recebe a verba e distribui conforme as suas conveniências. Por isso não há dispersão de recursos e o pacto federativo não é cumprido.

Mas a Dilma teve boa votação no Estado. Ela ainda tem um eleitorado muito bom por causa do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida. No Rio Grande do Sul, há milhares de beneficiários. É um projeto bonito e que eu apoio. Mas é de sobrevivência, não de perspectiva. Agora está um impasse e não se vê futuro: dá comida e casa para as pessoas, mas não dá educação. Então, não se tem mão de obra qualificada e nem formação de gestores. Mas garante o voto.

Depois de cinco décadas como comunicador, é estranho estar do outro lado da notícia? Eu fui tantas vezes entrevistador que às vezes me colocava na posição do entrevistado. Mentalmente, eu me preparei para ser vidraça e não só estilingue. Eu batia forte quando jornalista., agora eu estou conhecendo os dois lados. Tenho muito bom relacionamento dentro da imprensa, então acho que eu vou me adaptar. Eu já estou sendo questionado.

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O senhor ficou conhecimento nacionalmente ao levar um choque ao vivo. O vídeo tem mais de 3 milhões de visualizações no YouTube. De alguma forma, o episódio o ajudou a ficar conhecido? Foi um acidente de trabalho completamente insignificante para a minha eleição. Seria subestimar a inteligência das pessoas dizer que aquele fato, que foi muito desagradável, tenha a ver com a minha eleição. Eu sempre fui muito conhecido. Há 23 anos sou eleito o comunicador número um do Estado, e isso pesa. Eu tive uma fratura na costela, cheguei a ir para o hospital. Fiquei sem dormir três meses com dor.

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