Entenda as denúncias do valerioduto mineiro
PGR pediu pena de 22 anos de prisão ao ex-deputado Eduardo Azeredo
O Ministério Público Federal acusa o então governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB) de ter sido o principal beneficiário de um esquema de desvio de recursos do governo mineiro, operado pelo conhecido Marcos Valério de Souza, para abastecer o caixa dois de sua campanha à reeleição em 1998. No início do mês, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer em que defende a aplicação de pena de 22 anos de prisão para o tucano. Ele é réu pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro.
De acordo com denúncia do Ministério Público, Azeredo determinou que as empresas Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e Companhia Mineradora de Minas Gerais (Comig) repassassem valores superfaturados em supostas cotas de patrocínio de eventos esportivos. A peça de acusação registra que foram deslocados 1,5 milhão de reais de cada uma das empresas, em recursos públicos, para arcar com custos do Enduro Internacional da Independência. As cotas são muito maiores que os valores normais de patrocínio e serviriam, conforme a acusação, para que parte do dinheiro fosse desviado para a campanha e outra parcela aplicada no pagamento dos serviços criminosos do operador do esquema, Marcos Valério de Souza.
Para tentar despistar os altos valores desviados, simulou-se o patrocínio de outros dois eventos, o “Iron Biker”: o desafio das montanhas e o Campeonato Mundial de Supercross. Durante o esquema, o Grupo Financeiro do Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), também vinculado ao então governador Eduardo Azeredo, começou a repassar recursos públicos para cotas fictícias de patrocínio.
“Tanto o desvio de recursos públicos do estado de Minas Gerais quanto a lavagem desses capitais tiveram participação direta, efetiva, intensa e decisiva de Eduardo Brandão de Azeredo que, além de principal beneficiário dos delitos cometidos, também teve papel preponderante em sua prática”, disse Janot em suas considerações. “Há provas incontestáveis da participação decisiva do réu nas empreitadas criminosas e essas provas estão muito bem costuradas e concatenadas entre si a demonstrar que a participação de todos os agentes criminosos que integraram as ações não ocorreria sem que fosse observada a linha de determinação do líder do esquema criminoso.”
Lavagem – Para o Ministério Público, os recursos públicos desviados da Copasa, da Comig e do Bemge, além de valores repassados de empresas privadas com interesses econômicos em Minas Gerais, como empreiteiras e bancos, foram empregados para quitar empréstimos bancários fictícios e dar ares de legitimidade ao repasse do dinheiro. A simulação de empréstimos junto a instituições financeiras também foi o expediente utilizado no mensalão, cujo julgamento levou à condenação de 25 políticos e empresários, entre os quais o próprio Valério – com a diferença que no mensalão, o dinheiro foi usado para compra de votos no Congresso.
Na triangulação do esquema do valerioduto mineiro, o valor líquido dos empréstimos, descontada a remuneração ao grupo de Marcos Valério pela lavagem de dinheiro, era repassado para a campanha eleitoral de Azeredo. Os pagamentos pelos serviços prestados por Valério foram feitos em espécie.
Uma lista elaborada por Cláudio Mourão, então responsável pelas finanças da campanha de Azeredo, registra terem sido arrecadados mais de 100 milhões de reais para o processo eleitoral na reta final do governo do tucano. Desse montante, só as empresas SMP&B e DNA, de Valério, movimentaram quase 54 milhões de reais. De acordo com a lista, Azeredo embolsou 4,5 milhões de reais para “questões pessoais” e mais de 90 milhões de reais não foram declarados à Justiça Eleitoral.
STF – Em junho de 2011, em decisão individual, o ministro Joaquim Barbosa desmembrou o processo e devolveu para a Justiça de primeira instância de Minas Gerais a ação penal em que Marcos Valério e outras pessoas são investigadas pelos crimes cometidos no valerioduto mineiro. Apenas Azeredo e o senador Clésio Andrade (PMDB-MG), réu em outra ação penal sobre o mesmo episódio, continuam no Supremo.
Com a renúncia, o processo de Azeredo pode voltar para a primeira instância em Minas. Pela interpretação de ministros do STF, como a ação penal ainda não está pronta para julgamento – a defesa tem que se manifestar e, em seguida, o relator, Luís Roberto Barroso, e o revisor, Celso de Mello, precisam preparar seus votos – o caso estaria autorizado a retornar à primeira instância, aumentando as chances de prescrição.
Se Azeredo renunciasse ao mandato às vésperas do julgamento pelo Supremo, como ocorreu com o ex-deputado Natan Donadon, por exemplo, os ministros poderiam entender que ele estaria incorrendo em “fraude processual” e, por isso, a ação continuaria na Corte de Brasília. Para dar fim ao impasse, o plenário do Supremo deve analisar uma questão de ordem para definir se o processo do tucano permanecerá ou não no STF.