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Doação de empresas não é “disparate”. É o padrão

De 165 países, só 38 (23%) proíbem pessoas jurídicas de financiar candidaturas

Por Daniel Jelin Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 dez 2013, 09h10

Ao contrário do que sustentaram os ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso, doação eleitoral de empresas não é um “disparate”, não é incompatível com a democracia nem tem qualquer relação verificável com níveis de corrupção. Barrá-la, mundo afora, é a exceção. A regra é acolhê-la, dentro de limites.

Normas de financiamento político têm uma complexidade necessária. Isso porque devem prever freios e contrapesos que mantenham o jogo político equilibrado, garantindo a competitividade dos atores, o engajamento do eleitorado e a transparência da disputa. Espanta, assim, a ligeireza com que os ministros se dispuseram a reformar isoladamente um único aspecto da legislação, coisa que nem a base aliada no Congresso topou, quando o PT, sob o pretexto de ouvir a voz das ruas, tentou patrocinar o plebiscito que levaria ao crivo do eleitorado a seguinte pergunta: “Você concorda que empresas façam doações para campanhas?”. Parlamentares acharam a questão simplista demais…

“O diabo mora nos detalhes”, diz Sam van der Staak, do Institute for Democracy and Electoral Assistance (Idea). “A mesma regulação sobre transparência pode ser positiva em certo contexto e em outro servir à perseguição política. O mesmo vale para restrições às doações. Em um contexto, elas podem limitar o fluxo de dinheiro para os políticos. Em outro, pode ser um meio de o partido no poder limitar o financiamento da oposição”.

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Modelo ideal – Fundado em 1995 em Estocolmo, o Idea radiografa diversos aspectos do jogo político mundo afora. O financiamento de partidos e candidatos é um deles. Para tanto, formula 43 perguntas. São dezoito sobre doações privadas, dez sobre financiamento público, seis sobre limites de gastos e doações e nove sobre prestação de contas. E o instituto não se contenta com respostas do tipo “sim” ou “não”: boa parte das questões admite nuances e quase todas exigem ressalvas, comentários e informações adicionais prestadas por especialistas consultados em diversos países.

A primeira constatação que o exame das regras eleitorais mundo afora permite é que, em linhas gerais, a legislação brasileira não destoa da de outras sólidas democracias. Assim como o Brasil, a maioria dos países proíbe doações de estrangeiros; autoriza contribuições de empresas; provê alguma forma de financiamento público direto; veta doações anônimas; garante acesso subsidiado ou gratuito aos meios de comunicação; não impõe limite aos gastos eleitorais; obriga a prestação pública de contas de campanha etc. Algumas poucas questões põem o Brasil no bloco minoritário, mas ainda assim em companhia de países de tradição democrática. Por exemplo: Brasil, Estados Unidos, Canadá e França fazem parte do pequeno grupo de países que proíbem doações por parte de sindicatos.

No conjunto, a radiografia do financiamento político evidencia que não existe um modelo ideal. O que as democracias mais vibrantes têm em comum não é esta ou aquela norma, mas, segundo Van der Staak, condições equilibradas para a disputa política; instituições fortes para monitorar e fazer valer a legislação; e transparência na prestação de contas. O pesquisador informa também que não foi encontrada correlação estatística entre corrupção e doação de empresas – ou qualquer outro aspecto do financiamento político.

É possível, contudo, descartar o financiamento exclusivamente público, este sim um disparate. Não há democracia séria no mundo que se submeta a um regramento que, ao mesmo tempo, engessa o processo político, compromete a alternância de poder, mina a participação do eleitor e, além de tudo, não é impedimento para a corrupção. Até países onde as normas são anedoticamente duras autorizam alguma forma de doação privada. No Butão e na Guiné-Bissau, dois casos extremos, as contribuições são restritas aos militantes de carteirinha.

Um pouco mais comum, mas ainda uma exceção, é o veto às doações por parte de qualquer pessoa jurídica. De 165 países, 38 (23%) proíbem empresas de financiarem diretamente candidaturas. É verdade que há nesse grupo sólidas democracias, como os Estados Unidos. Mas, sem demonizar o empresariado, a legislação americana o autoriza a contribuir com comitês independentes. O Japão também está entre os 38 países que barram doações das empresas aos candidatos, mas, como em outros onze países, o veto não se aplica ao financiamento de partidos. Na Rússia e em outros dez países, é o contrário: pessoa jurídica pode contribuir para o caixa do candidato, mas não do partido.

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Mais países optam por impedir as doações de alguns tipos jurídicos bem definidos, como por exemplo empresas de capital misto (Brasil, Islândia e Itália), companhias que têm contratos com o governo (Sérvia e Uruguai), casas de jogos ou apostas (Argentina e Honduras), clubes de futebol (Brasil), milícias (Iraque), grupos terroristas (Uganda), bancos (Libéria), empresas endividadas (Quirguistão e Croácia), entidades beneficentes ou religiosas (Bélgica e Armênia) etc. e etc.

Clique para conferir 14 questões sobre financiamento político mundo afora:

Financiamento político

Alternância de poder – A resistência ao veto às empresas se deve ao fato de que a medida é potencialmente asfixiante, especialmente para países de pouca tradição democrática e baixo engajamento eleitoral: o financiamento público reforça o cacife dos governantes de turno, comprometendo a alternância de poder. Além disso, a maioria dos países considera que empresas não são, por princípio, venais. Isso não equivale a autorizar qualquer tipo de doação. Uma das medidas mais adotadas nos últimos anos, conta Van der Staak, é a imposição de tetos, o que obriga os candidatos a alargar suas fontes de financiamento e ao mesmo tempo evita que uma mesma companhia apadrinhe um grande número de políticos.

O Brasil está nesse grupo de países, mas aqui, de fato, há uma jabuticaba: o limite das doações no Brasil não foi estipulado em valores, mas em razão do poder econômico do doador: 2% do faturamento bruto da empresa no ano anterior à eleição ou 10% da renda anual no caso de pessoas físicas. No caso dos grandes doadores, é dinheiro mais que suficiente para bancar toda a campanha eleitoral. A revisão dessa regra, de qualquer modo, exige cautela, como explica Van der Staak: se o teto de doação é muito alto, a influência de uma única empresa ou pessoa pode de fato se tornar excessiva; mas se o limite é muito estreito, os partidos com dificuldade para se cacifar serão tentados a recorrer ao caixa dois.

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Fux, relator da ação que contesta as doações das empresas, pode se assombrar com o custo das campanhas no Brasil e com o peso do capital das empresas no caixa dos partidos (mais de 95% no ano passado, segundo levantamento do site G1). Mas vilanizá-las não tornará a disputa política mais equilibrada, vibrante ou virtuosa.

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