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‘Diários da Presidência’: em livro de memórias, FHC julga e se deixa julgar

Em decisão ousada, tucano expõe publicamente suas perplexidades, assombros e indecisões no exercício da presidência. Leia trechos do primeiro volume dos "Diários da Presidência", que cobre os anos de 1995 e 1996

Por Da Redação
20 out 2015, 20h13

Convencido por Luiz Schwarz, seu editor, e por João Moreira Salles, cineasta, roteirista e jornalista, Fernando Henrique Cardoso decidiu publicar ainda em vida o que planejou ser suas memórias póstumas, registradas em gravações ao fim de cada dia de trabalho nos oito anos em que presidiu o Brasil (1995 a 2002). Divididas em quatro volumes, as gravações estão sendo editadas pela Companhia das Letras sob o título de Diários da Presidência. O primeiro dos quatro volumes, que cobre o período de 1995 a 1996, chegará às livrarias brasileiras a partir de 29 de outubro.

As revelações contidas nas 929 páginas do primeiro volume atestam, antes de qualquer coisa, uma grande ousadia. São poucos os líderes políticos que, como decidiu fazer FHC, tiveram arrojo suficiente para expor publicamente suas perplexidades, assombros e indecisões no exercício do cargo – emoções que ele, originalmente, imaginou serem conhecidas só depois de sua morte. Nos Diários da Presidência, FHC julga os homens e mulheres de seu tempo. Mas, principalmente, dá todos os subsídios que faltavam para que ele e seu governo sejam julgados.

Os dois primeiros anos de FHC no Palácio do Planalto são marcados, principalmente, pelo esforço para consolidar o Plano Real, com que debelara a hiperinflação como ministro da Fazenda de Itamar Franco, que o precedeu na presidência. A inflação brasileira parecia ser invencível, tendo derrotado impiedosamente quase uma dezena de planos heterodoxos e ortodoxos anteriores. O feito de FHC na Fazenda fora extraordinário. Tão extraordinário que se dizia, com o aulicismo que FHC, com razão, despertava entre tantos, que ele foi um presidente “que fez seu antecessor”.

Foram dois anos de descobertas. FHC descobriu que a presidência podia ser frustrante a ponto do dia a dia ser “desesperador” e a luta política interna de tal forma desprovida de princípios que ele se sentia cercado de “chantagens por todos os lados”. Descobriu também o “isolamento” que todo primeiro mandatário diz ter vivido, mas que só quem chega ao topo experimenta na própria pele. Descobriu que, muitas vezes, é mais complexo e difícil lidar com os amigos do que com os inimigos. Teoricamente seu grande aliado, Antônio Carlos Magalhães, governador da Bahia, agia como um vice-rei atrabiliário que, inconformado com a proeminência de FHC no campo de atuação dele, a política, vivia tentando roubar a cena, alimentando jornalistas amigos com “dossiês” ou dando entrevistas em termos grosseiros que, curiosamente, nunca utilizava contra adversários. Em uma dessas entrevistas, FHC registrou nas gravações, Antônio Carlos chamou “de marginais os diretores do Banco Central”.

FHC descobriu logo que “imprensa é imprensa” — ou seja, os jornalistas decidem o que acham ser mais importante publicar e nem sempre isso coincide com a opinião do presidente ou do governo, por melhor avaliados ou populares que sejam. FHC não se conforma com reportagens que considera injustas com ele e seu governo. Reclama com os jornalistas, diz que eles “exageram, distorcem”, agem assim por competição com os concorrentes. Reclama com os donos de jornais, televisões e revista, diz-se “indignado”, mas “aguenta firme”. Nesse particular, é notável que, por mais abalado ou ofendido que tenha se sentido por alguma reportagem jornalística, em nenhum momento, passa-lhe pela mente qualquer pensamento de controle ou de limitação da liberdade de expressão. “Imprensa é imprensa”.

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Em maio de 2016, sai o segundo volume dos “Diários da Presidência” com as revelações de FHC sobre os eventos de 1997 e 1998 – período mais turbulento, em que enfrentou crises políticas e econômicas ainda mais graves, com a mudança da Constituição para que ele pudesse disputar a reeleição – o que fez, vencendo Lula no primeiro turno. Foi o biênio em que, paradoxalmente, a população brasileira sentia com mais força os efeitos positivos da vitória contra a hiperinflação, enquanto o Plano Real perdia as condições de manter o câmbio fixo, um de seus sustentáculos até então, e o governo rumava para quatro anos de travessia, mantendo a economia equilibrada e a inflação sob controle sem a ajuda da “âncora cambial”.

Leia abaixo trechos do Volume 1 dos Diários da Presidência de Fernando Henrique Cardoso — 1995-1996:

“…saiu na VEJA uma matéria do Marcelo (Rubens) Paiva sobre o desaparecimento de Rubens Paiva, citando frases minhas sobre seu pai, pessoa por quem sempre tive enorme amizade e admiração. O rapaz tem razão, o pai for morto, ninguém assumiu , eles estão me cobrando…O fato de os argentinos terem reconhecido a culpa talvez nos leve a ter alguma margem de manobra na área militar para discutir essa delicadíssima questão, mas não posso deixar de dar uma atenção ao reclamo das famílias dos desaparecidos, até porque esses desaparecimentos foram uma coisa abominável”. (Maio de 1995)

“Zé Serra ( senador José Serra, do PSDB de São Paulo) concordou comigo na tese de que o nosso erro é assumirmos o papel que a imprensa prescreve para nós. Em vez de observar o que os atores estão fazendo, a imprensa fica tentando escrever o script” (junho de 1995)

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“À noite fui ao teatro ver um grupo de franceses que são mímicos extraordinários (grupo de Jerôme Deschamps, no Teatro Anchieta do Sesc Consolação, em São Paulo) e lá encontrei o Roberto Civita (presidente do Grupo Abril, que edita VEJA). Achei-o meio sem graça, et pour cause que a VEJA tem sido infame”. (A anotação é de setembro de 1996. FHC não diz por que VEJA estaria sendo “infame”, mas a revista acabara de publicar uma reportagem sobre a vitória do candidato malufista Celso Pitta à prefeitura de São Paulo, em que opinava ter sido em parte culpa do Palácio do Planalto o fato de o candidato tucano José Serra ter ficado com apenas 15% dos votos. A opinião da revista foi apenas equivocada, mas pareceu infame aos olhos de FHC)

“O (Ricardo) Kotscho (assessor de Lula) veio me visitar, dar as boas-vindas e tal, porque está assumindo a direção da CNT na parte de jornalismo. Ele é muito amigo do Lula, gosta do Lula, diz que Lula gosta muito de mim, que só fala bem de mim – claro, em privado.” ( Abril de 1996)

“Vamos ter que liberar mais recursos parta a administração, porque não dá para administrar na miséria e fazendo de conta que o desmando do Brasil é o gasto corrente. Não é. É pessoal e juros, como todo mundo sabe.” (Abril de 1996)

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