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Crianças vivem ‘sitiadas’ em hotéis da Cracolândia

Instalações sofrem com a presença de ratos, insetos e lixo acumulado nos corredores. Os sete hotéis participantes do programa da prefeitura não têm Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros

Por Da Redação
5 set 2014, 10h20

(Atualizado às 14h28)

Dezenas de crianças estão vivendo sitiadas nos quartos dos hotéis alugados pela prefeitura de São Paulo para abrigar dependentes químicos da Cracolândia. Elas passam o dia trancadas nos quartos, isoladas pelo consumo de crack dos vizinhos. Passados sete meses do início do programa Braços Abertos, aposta da gestão Fernando Haddad (PT) para enfrentar o vício na região, os hotéis acumulam sujeira, ratos e corredores sem iluminação.

O total de crianças ali varia entre 31, segundo a Prefeitura, e 45, conforme afirma o proprietário dos hotéis, Manoel Souza. “Quando não estão na creche, se está calor, eu fico com eles na praça (Largo Sagrado Coração). Se está frio, eles ficam aqui trancados o dia todo”, diz a dona de casa Janaina Conceição Xavier, de 34 anos. Com ela, vivem três filhos. Ela está grávida do quarto filho.

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Segundo os moradores, todas as crianças têm vagas em creches e escolas da região. O problema é a falta de condições de higiene nos hotéis onde elas estão vivendo. Nesta quinta-feira, um dos hotéis do programa, na Alameda Barão de Piracicaba, estava com corredores totalmente escuros, sem lâmpadas, com sacos de lixo acumulados em um canto e um cano de água estourado, vazando pelo corredor. Os moradores que conversaram com a reportagem relataram a presença de ratos e insetos.

Parte do problema tem origem burocrática. A entidade contratada para cuidar dos hotéis, a Organização Brasil Gigante, tem reduzido atividades na região, uma vez que seu contrato está para vencer. Internamente, a avaliação da prefeitura é que esse é um momento de “transição” entre entidades, por isso a queda na fiscalização da qualidade dos hotéis.

Mas ali há também crianças que não têm relação direta com o programa. A dona de casa Leda Pereira da Silva, de 63 anos, vive com seis crianças – quatro netas e duas sobrinhas-netas. Ontem, três delas passaram a tarde em colchões que se juntam no chão por causa da falta de espaço. “Eu já morava aqui antes de eles (os usuários de crack atendidos pelo programa) chegarem. Agora, é só abrir a porta para sentir o cheiro (de crack queimando). Sem contar as brigas”, diz. Na casa, não há ninguém atendido pelo programa. “Não sou usuária”, conta.

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Em nota, a gestão Haddad afirma que “não concorda com o grau de deterioração descrita e vai notificar imediatamente a ONG Brasil Gigante para fazer cumprir com seus fornecedores as condições dignas e adequadas de moradia”. A nota diz ainda que “a Prefeitura reitera seu compromisso com o apoio e a assistência a todos os menores que estão em situação de vulnerabilidade social” e afirma que todos os 31 filhos de usuários de crack que fazem parte do programa “têm vaga no contraturno escolar nos Centros de Convivência da Criança e Adolescente” e foram cadastrados no Bolsa Família. Já a Brasil Gigante não atendeu os telefonemas do jornal O Estado de S. Paulo.

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Maus-tratos – O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Condepe), afirma que a manutenção de crianças ali viola o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), porque o ambiente insalubre as expõe a riscos. “É estarrecedor que isso ocorra, ainda mais em um ambiente mantido pela Prefeitura.” As crianças deveriam ser afastadas do ambiente de abuso de drogas. “Essa é uma medida que acaba punindo a criança com o afastamento do convívio com os pais. Pais e Prefeitura, por meio dos responsáveis pelo programa, podem responder por crime de maus-tratos”, conclui.

Investigação – O Ministério Público Estadual investiga as condições dos hotéis escolhidos pela Organização Não Governamental Brasil Gigante para abrigar os dependentes de crack do Programa Braços Abertos. Segundo representação feita pelo Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) de Santa Cecília, os sete hotéis não têm documentos básicos de segurança, como Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB).

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O promotor de Justiça da Habitação Mário Augusto Vicente Malaquias tem um inquérito aberto sobre o caso desde julho. “Ele aguarda um relatório de inspeção feito pelo Núcleo de Assistência Técnica do MP”, segundo informa a assessoria de imprensa do MP. A ONG Brasil Gigante foi contratada de forma emergencial, sem licitação, pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo, quando uma favela surgiu no meio da Cracolândia. Mas parecer da Controladoria-Geral do Município recomendou que uma licitação convencional fosse feita para manter o serviço. O processo deve estar concluído no próximo dia 9.

A avaliação da Prefeitura é de que a falta do auto de vistoria poderia facilitar a interdição dos imóveis pelo fato de a gestão Haddad reconhecer que parte dos usuários do programa está dilapidando os edifícios – levando trincas e chuveiros para trocar por drogas. A Procuradoria-Geral do Município ainda avalia se há forma prevista em lei para a Prefeitura reformar os hotéis – que não são dela nem locados diretamente por ela.

Programa – O programa Braços Abertos consiste em fornecer moradia, alimentação, assistência médica e emprego para dependentes de crack. A proposta era não atacar diretamente a dependência da droga, mas sim os demais fatores de vulnerabilidade social das pessoas.

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No primeiro semestre de funcionamento do programa, 422 pessoas foram atendidas. Delas, 122 aderiram voluntariamente a programas de tratamento à dependência do crack. Nessa população, afirma a Prefeitura, o consumo de crack teve uma queda que variou entre 50% e 70%. “De uma média inicial de dez a quinze pedras por dia, o consumo passou à média de cinco pedras diárias, concentrado no período noturno”, diz nota da Prefeitura.

Mudança – O prefeito Fernando Haddad (PT) informou nesta sexta-feira que as crianças que foram localizadas no interior dos hotéis na região da Cracolândia serão retiradas do local. A prefeitura realocará as crianças e seus pais para outra área em que não haja contato ou proximidade com o consumo de drogas.”Falei com a Luciana Temer (secretária municipal de Assistência Social) para que as mães com os filhos sejam realocadas para um local um pouco mais distante e segregado dos homens adultos, para que não haja esse tipo de problema”, disse Haddad.

Além disso, o prefeito informou que há relatos de casos de furtos no interior dos hotéis. Para combatê-los, a Prefeitura cogita acionar a Guarda Civil Metropolitana. “Estamos discutindo a possibilidade de colocar a Guarda Civil Metropolitana mais intensivamente, não apenas na região mas nas portas dos hotéis para impedir a entrada de pessoas estranhas aos programas, que são as que causam o problema”, disse.

Avaliação – Questionado sobre a avaliação que faz após sete meses do programa, Haddad disse enxergar uma grande evolução. “Sempre haverá espaço para melhorar. Mas se nós compararmos o que está sendo feito neste ano com o que foi feito nos anos anteriores, a mudança é da água para o vinho”, disse.

(Com Estadão Conteúdo)

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