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Como a juíza Patrícia Acioli se tornou a inimiga número um da quadrilha do coronel Claudio

Comando da PM transferiu policiais que davam proteção à magistrada. Medida foi represália à prisão de major ligado com comandante do 7º BPM

Por Leslie Leitão 2 out 2011, 13h20

Patrícia Lourival Acioli, a juíza assassinada com 21 tiros em Niterói, assinou sua sentença de morte ao colocar ela própria e a magistratura no caminho de uma quadrilha de maus policiais que, até então, atuava à vontade no município de São Gonçalo, o segundo mais populoso do estado do Rio. O resultado da série de crimes praticados pelo grupo começou a vir à tona no ano passado, quando uma força tarefa do Ministério Público e da Polícia Civil encontrou irregularidades nos autos de resistência do 7º BPM (São Gonçalo). Autos de resistência são a forma que as polícias têm para registrar as mortes em situação de confronto, geralmente quando a voz de prisão não é cumprida e os suspeitos passam a ameaçar a vida do policial. Na prática, Brasil afora, esses registros são também um mecanismo para ocultar abuso dos policiais, execuções, ‘queimas de arquivo’ e erros de tropas mal preparadas. Este era o alvo da juíza. E foram esses os seus algozes.

VEJA desta semana mostra que o trabalho dos promotores e dos policiais do núcleo de homicídios de uma delegacia daquela cidade, a 72ª DP (Mutuá), encontrou, nos autos de resistência registrados entre 2004 e 2010, um volume assustador de registros forjados: de 60 autos de resistência analisados, só seis eram verdadeiros, e 54 escondiam detalhes que enquadram as mortes no grupo de crimes cometidos por policiais – quase todos de PMS do 7º BPM (São Gonçalo).

Patrícia Acioli, titular da 4ª Vara Criminal da cidade, passou, então, a receber o material das investigações do MP e da Polícia Civil e, como manda a função, a decretar as prisões de policiais envolvidos em autos de resistência forjados. A insatisfação com as prisões se espalhou entre os maus policiais da região, e o nome da juíza entrou para a lista de inimigos da quadrilha. Curiosamente, os crimes de execução e a corrupção ficaram por um bom tempo escondidos por dados oficiais de criminalidade. O coronel Mário Sérgio Duarte, exonerado a pedido na quarta-feira do cargo de comandante-geral da PM, afirmou que o então comandante do batalhão de São Gonçalo, tenente-coronel Cláudio Luiz Silva Oliveira, vinha conseguindo reduzir os índices de criminalidade

O tiro que deu início à morte de Patrícia Lourival Acioli foi disparado dez meses antes da noite em que o Fiat Idea da juíza foi emboscado em Niterói. Em 21 de outubro de 2010, uma semana depois de o tenente-coronel Claudio Luiz de Oliveira assumir o comando do 7º BPM (São Gonçalo), George da Conceição Silvestre, de 18 anos, foi morto com dois tiros. Um deles atingiu o rapaz no peito, o outro, em uma das pernas. Os disparos foram feitos por policiais em uma ação na Favela do Salgueiro. As investigações sobre o crime mostraram que os policiais desmontaram a cena do crime, com o intuito de dificultar a perícia. Em 24 de janeiro deste ano, a juíza decretou a prisão dos quatro PMs que participaram da ação que vitimou George e do major Rodrigo Bezerra de Barros, chefe do Serviço Reservado do 7ºBPM e braço direito do coronel Claudio.

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Patrícia, a essa altura, tinha convicção de que o comandante do 7º BPM tinha conhecimento dos crimes, e, no mínimo, acobertava as execuções. No Fórum de São Gonçalo, ela começou a dizer que, depois de conseguir prender Bezerra, prenderia também o coronel Claudio.

A insatisfação do grupo de policiais com a atuação da juíza era crescente. Veio, então, a resposta do comandante do 7º BPM. Uma semana depois da prisão do major, foi determinada a transferência de três policiais do 7º BPM para outras unidades. Dois deles são PMS que, informalmente, cuidavam da proteção da juíza – desde 2007 ela não tinha a escolta oficial do Tribunal de Justiça, mas o batalhão da cidade cedia dois homens para trabalhar com a magistrada. Foram transferidos o cabo Marcelo Poubel Araújo, namorado de Patrícia, enviado para dar plantão na Linha Vermelha, na capital. O outro removido foi Eduardo Fernando Pasqual de Oliveira, enviado para o 12º BPM (Niterói). Apesar de lotados no batalhão de São Gonçalo, ambos trabalhavam dentro do gabinete da juíza, na 4ª Vara Criminal, no Fórum de São Gonçalo, e ficavam à disposição de Patrícia, como escolta. Um terceiro PM também foi transferido: o cabo Rimel Teixeira de Siqueira, que atuavam no fórum e realizava o trabalho de escolta de presos da 4º Vara Criminal, onde trabalhava a juíza. Siqueira foi mandado para o 4º BPM (São Cristóvão).

A transferência dos policiais deixou Patrícia Acioli ainda mais vulnerável. A juíza, que tinha sobre a mesa uma série de crimes cometidos por policiais, deixou de ter o amparo dos PMS que a apoiavam no gabinete – e os policiais acusados de crime, alvo do trabalho da magistrada, sabiam da mudança.

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Patrícia sabia do perigo que corria, e sentiu-se desprotegida. A juíza tentou argumentar com o tenente-coronel Claudio, mas ouviu dele uma resposta irônica. “São ordens superiores”, disse o comandante da unidade. Neste período, a juíza se queixou com amigos, e o enteado da juíza foi perseguido nas ruas de Niterói.

As investigações do assassinato da juíza mostram que outro crime atribuído ao grupo de policiais do 7º BPM contribuiu para que ela entrasse para a lista de alvos do bando. Em 3 de junho de 2011, outra ação dos policiais da unidade faz uma vítima na Favela do Salveiro. Dessa vez a vítima foi Diego Beliene, também de 18 anos. Em 16 de junho, a juíza decretou a prisão de três PMs do Grupo de Ações Táticas (GAT) do 7º BPM, todos homens de confiança do tenente-coronel Claudio, acusados de executar Diego.

Benitez acompanhava o coronel tenente-coronel Claudio em suas unidades. Quando Oliveira era subcomandante do 3º BPM (Méier), o tenente foi preso em flagrante, roubando cerveja de um caminhão. Ao ser nomeado para comandar o 7º BPM, Oliveira levou o amigo. O grupo sabia que as investigações sobre a morte de Diego prosseguiam, e temia que Patrícia Acioli decretasse novas prisões. O trio preso por executar a juíza – Benitez, e os cabos Sérgio Costa Júnior e Jeferson de Araújo Miranda – teve, segundo a Polícia Civil, o objetivo de evitar suas prisões. Horas antes de ser vítima do ataque, Patrícia assinou a decretação das prisões dos três policiais.

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