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Clínicas particulares já fazem internação compulsória de adultos usuários de crack

Famílias recorrem à Defensoria Pública no Rio e conseguem na Justiça autorização para manter dependentes da droga em tratamento forçado. Presidente da OAB-RJ defende internação obrigatória de maiores de idade. "Em sociedade, ninguém tem liberdade absoluta”, diz Wadih Damous

Por Cecília Ritto e Pâmela Oliveira
23 out 2012, 10h56

Anunciada na segunda-feira pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, a internação compulsória de adultos dependentes do crack já funciona na rede particular. A diferença, no entanto, é que a iniciativa de forçar os usuários da droga a receber tratamento em regime de internação parte das próprias famílias, não do poder público. Os maiores de 18 anos internados dessa forma chegam a cerca de 20% nas unidades privadas, como é o caso da clínica Jorge Jaber, na zona oeste do Rio de Janeiro. A praxe é de manter o adulto internado por 72 horas, inicialmente.

“Em 72h, temos noção se o paciente vai ou não conseguir manter a abstinência. Como médico, descrevo o quadro dele e posso dar a orientação, se eu acreditar que ele precisa de mais internação. Há casos em que a internação compulsória é necessária, e o crack geralmente provoca isso, pois o dependente perde completamente o poder de decisão e não consegue se afastar da droga”, diz Jorge Jaber, que dirige a clínica e preside a Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas.

“A família entra com um processo na Justiça de tutela temporária para fins de tratamento. A pessoa passa a ficar sob a tutela do pai ou da mãe só para fins de tratamento”, explica Jaber.

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Para conseguir a internação compulsória com ordem judicial, famílias têm recorrido à Defensoria Pública. Os defensores juntam os laudos médicos que atestam a situação de risco da pessoa para entrar com ação. “Nós verificamos caso a caso. É preciso que a pessoa tenha um histórico de vício, de recaídas e não tenha capacidade de dizer o que quer para ela”, explica a defensora pública Samantha de Abreu Alves Castro. Segundo Samantha, os juízes têm sido sensível à questão do crack – desde que a ação esteja baseada em provas.

Na Defensoria Pública, o primeiro passo, normalmente, é tentar a internação terapêutica de forma compulsória. “Pedimos que seja fornecida internação terapêutica, a principio, em clínica pública ou com convênio no SUS. Se não tiver, solicitamos que o estado custeie a internação em clínica particular”, diz Samantha. Segundo a defensora, o problema, muitas vezes, não é a demora em deferir a ação, mas encontrar o local para internar o dependente.

Erony Souza, de 76 anos, passa por esse problema com a neta Mayara, de 20 anos, viciada em crack. A avó entrou com ação, assistida pela Defensoria Pública, pedindo a internação compulsória da jovem em hospital público ou particular, pedindo também para que o tratamento seja custeado pelo estado. Um laudo psicológico comprova que Mayara é usuária de várias drogas, mora na rua, prostitui-se e corre o risco de morte. O juiz deferiu o pedido de tutela determinando que Mayara fosse conduzida pela prefeitura e pelo governo do estado a uma instituição da rede pública voltada para o tratamento de dependentes, mesmo que contra a vontade dela. A jovem foi internada no Instituto Philippe Pinel, instituição que recebe pacientes de transtornos psíquicos – não específico para dependentes químicos.

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Erony não achava adequado o local de internação. “Minha neta ficava dopada lá. Eu queria que ela fosse para uma clínica se tratar. Mas a colocaram com os doentes mentais e deram remédios pesados”, afirma. Passados dois meses, no decorrer do processo judicial, Mayara foi retirada do Pinel. A avó a levou para uma clínica de tratamento estadual, em Santa Cruz, onde as portas para os dependentes saírem estão sempre abertas. “Ela não pode ficar em clínica aberta. Ela foge. Ficou de segunda a sexta-feira lá. Depois voltou para a rua”, conta a avó.

O problema enfrentado pela família de Mayara resume a dificuldade de tratamento de usuários de crack atualmente no Rio: não há clínica pública para internação de adultos dependentes químicos, e os locais onde é possível fazer a internação não são específicos para esse tipo de problema.

Mayara aparece em casa a cada 10 dias em média. Segundo a avó, a neta quebra tudo, xinga, dorme e novamente desaparece. Em poder do crack, torna-se agressiva. Erony, agora, proibiu o retorno de Mayara que, insistentemente, bate à porta quando deseja. “Às vezes não durmo. Fico pensando no que pode estar acontecendo com ela. Não sei onde ela está dormindo. Algumas noites faz frio e ela pode estar na rua. Soube que outro dia ela estava na favela. Depois, drogada na rua Itapiru (no Rio Comprido). É triste demais”, diz Erony.

Menores – O anúncio de criação de um sistema de internação compulsória pelo prefeito do Rio foi feito no dia seguinte à revelação, feita pelo site de VEJA, de que o estado do Rio estava sem nenhuma clínica para tratamento de adultos usuários de crack. As únicas duas clínicas, que totalizavam 300 vagas, foram fechadas depois do término do contrato e os pacientes receberam alta. O município, que atualmente não tem clínicas para adultos, foi pioneiro na criação de uma política de internação compulsória de menores de idade.

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Wadih Damous, trata-se de uma “matéria controversa”. Damous, no entanto, manifesta-se em defesa da internação compulsória – desde que avaliada por um juiz e com base em laudos que comprovem o risco para a pessoa em questão. “Entram em conflito duas questões: liberdade individual e interesse público. Do meu ponto de vista, o Estado tem que preservar a sociedade e os usuários que estão se matando. Não posso fazer o que eu bem entendo. Por isso, nascem as leis e os códigos. Em sociedade, ninguém tem liberdade absoluta”, defende Damous.

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