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Cinco dias em Bangu 1

Como o governador Sérgio Cabral esmagou o movimento grevista de policiais e bombeiros no Rio de Janeiro

Por Da Redação 14 mar 2012, 11h21

O desfecho do movimento grevista no Rio, com 13 bombeiros expulsos da corporação e lideranças dos policiais militares submetidos a conselhos de disciplina e justificação, não deixa dúvida de que o governador Sérgio Cabral e a cúpula da segurança no estado eliminaram, por ora, a chance de qualquer nova manifestação. Se na segunda onda de greve comandada pelo cabo Benevenuto Daciolo não houve efeitos mais graves para o estado, a reedição do levante cresceu além do que poderia ser tolerado pelas autoridades de segurança do Rio. Cruzar os braços na véspera do Carnaval e articular uma greve nacional na esteira da baderna que se instalou em Salvador selou o destino do movimento.

Por quatro dias, batalhões de polícia e delegacias ficaram com grande parte dos serviços parados. Os postos de salvamentos nas praias estiveram vazios. Até PMs do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) aderiram e foram expulsos da unidade de elite. Resultado: Daciolo desembarcou da Bahia e foi preso. Logo depois, outros militares também acabaram capturados, como permitem as regras dos quartéis. Para endurecer as punições, o governo do estado instituiu o rito sumário de julgamento e exoneração. Para as lideranças, não restou alternativa. Todos foram levados para o presídio de segurança máxima de Bangu 1, na zona oeste.

Isolar os líderes do movimento em um presídio para criminosos comuns atendeu a dois objetivos. O primeiro, o de estancar a comunicação com os grevistas. O segundo, o de abater os ânimos de Daciolo e seus pares e sinalizar com um futuro pouco promissor para novas lideranças. A medida foi considerada abusiva por parlamentares e entidades ligados aos direitos humanos. “Os policiais e os bombeiros não poderiam ficar detidos em Bangu 1, que é um presídio de segurança máxima. Os condenados de alta periculosidade tiveram de ser retirados de lá para abrir espaço para os militares. Pedi que destrancassem as celas porque as alas já eram gradeadas, e que todos fossem transferidos para os seus batalhões”, explica a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Margarida Pressburger. Ela e deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) visitaram os presos na ocasião. Para Margarida, foi abusiva a forma e o local para onde foram mandadas as lideranças. “Se eles cometeram algum ato, foi administrativo. Bangu 1 é para presos condenados. Eles nem haviam respondido a ação. Foi uma prisão misteriosa, possivelmente política”, argumenta.

Os protestos não surtiram efeito. Os policiais ficaram cinco dias presos em Bangu, e ao final desse prazo foram transferidos para os seus quartéis. Logo de início, eles foram levados para a galeria B de Bangu 1. Ficavam das 17h às 8h encarcerados. No resto do dia, podiam passar o tempo juntos. Um puxava as orações, outro ensinava alguns exercícios físicos. Às 11h almoçavam e às 16h, jantavam. Depois, o destino era a cela, fechada por uma porta com duas aberturas nas extremidades que, na opinião dos militares, mais parecia um cofre. Na parte baixa, os presos deitavam no chão para conseguir conversar. Era o buraco da porta que evitava o isolamento dos policiais por 15 horas.

Na cela, em vez do vaso sanitário, usavam o “boi”, um buraco no chão tapado com uma garrafa pet, para evitar a entrada de ratos do esgoto. Outra garrafa pet servia para guardar água para o período em que a cela ficava lacrada. Com a falta de luminosidade, tentavam adivinhar o horário, principalmente quando acordavam no meio da noite. Ex -corregedor da PM, o coronel reformado Paulo Paúl relatou ao site de VEJA a dificuldade dos dias passados em Bangu. “Não sabíamos se havíamos acordado às 22h ou às 2h. Na primeira noite, tomei uns cinco banhos para suportar o calor da cela. Isso também me ajudava a fazer passar o tempo”, conta. “Quando os agentes penitenciários passavam mexendo nas trancas e o som ia ficando mais alto e próximo, era sinal de que nos aproximávamos das 8h”.

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Alguns agentes nitidamente não queriam cumprir o papel de prender os manifestantes. “Minha esposa encontrou com o senhor na caminhada em Copacabana (protesto antes da prisão)”, disse um deles para o coronel preso. O blog de Paúl, normalmente acessado por 3 mil pessoas, saltou para 10 mil visitantes por dia – a maioria policiais, acredita. Com todo o movimento prestes a eclodir, o governo correu para tentar contornar a situação. Mas não adiantou. A antecipação, para fevereiro de 2013, do reajuste que seria concedido em outubro do mesmo ano não colou para os militares. Eles queriam melhoria salarial naquele momento, não no ano seguinte. Os deputados também aprovaram uma nova reposição salarial, em fevereiro de 2014, equivalente ao dobro da inflação acumulada. Os militares não se satisfizeram e insistiram na greve, em busca de um benefício imediato.

A consequência foi dura. Um agente penitenciário resumiu o tamanho do problema em que os manifestantes se meteram: “Bangu 1 é o castigo do sistema”. As lideranças presas puderam comprovar isso. Se os bombeiros “feriram a honra da corporação”- como afirmou o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Sérgio Simões- e foram expulsos, agora pode ter chegado o momento de os policiais sofrerem com a segunda etapa de castigos. Paúl, por exemplo, terá de enfrentar a partir de segunda o conselho de justificação da PM, formado por três coronéis. Daí pode sair a decisão de sua expulsão da polícia. Por se tratar de um coronel, quem baterá o martelo será o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. No caso dos praças submetidos ao conselho de disciplina, a palavra final é do comandante-geral da PM, Coronel Erir Ribeiro da Costa Filho.

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