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Chuvas: o perigo que não está no mapa

Cidades do interior não têm levantamento de áreas ocupadas e desconhecem áreas de risco. Como na serra, verba para reconstrução pode ficar parada por falta de projetos

Por Cecília Ritto e João Marcello Erthal
10 jan 2012, 17h38

Consertar as cidades brasileiras que sofrem com a chuva é uma empreitada cara e urgente. Apesar da boa vontade repentina dos ministros e governadores, que são rápidos em anunciar verbas para a população desesperada nessa época do ano – como fez nesta terça-feira Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro -, o problema não se resolve só com dinheiro. O padrão brasileiro, principalmente nas cidades menores e com poucos recursos, é o de desconhecimento de como ocorre, e como ocorreu a ocupação do solo. E não se fala aqui só de mapeamentos detalhados de áreas de risco, como adverte o professor de engenharia civil Paulo Canedo, diretor do departamento de hidrologia da Coppe/UFRJ. “Os prefeitos do interior não têm mapas de seus municípios. Sempre que posso, lembro aos governadores: se querem dar um presente aos prefeitos, providenciem mapas, que são caros e exigem pessoal especializado para sua elaboração”, afirma Canedo.

A informação – ou melhor, a falta dela – é preocupante. Afinal, municípios em voo cego não têm como prever onde vai ocorrer o próximo desabamento ou inundação. No início de 2012, a preocupação maior era com a região serrana do Rio, para onde estavam voltadas as atenções das defesas civis e dos especialistas nesse tipo de acidente. Mas foi no Norte e no Noroeste que a chuva causou mais estragos e mortes. Dada a urgência, e a certeza de que a região serrana estava vulnerável, o Departamento de Recursos Minerais (DRM) do governo do estado concluiu, no fim de 2011, o mapeamento detalhado de 31 cidades onde o risco era mais elevado. Agora, será aberta licitação para mapear também 18 cidades do Noroeste.

Segundo o secretário estadual de Defesa Civil do Rio de Janeiro, coronel Sérgio Simões, o governo tem conseguido avançar nos mapeamentos do solo. Mas, mesmo assim, a maioria das cidades ainda não tem as informações necessárias sobre o seu solo. “Cerca de 40 municípios foram mapeados. É um número significativo. Mas essa comunidade (em Jamapará) muito provavelmente não foi mapeada e não estaria no roll de prioridades de mapeamento”, diz Simões sobre a localidade afetada pelos deslizamentos, em Sapucaia. “Há uma enormidade de comunidades ocupadas ao longo de muitos anos de maneira irregular”, explica o secretário, referindo-se ao distrito de Jamapará, onde já foram encontrados 13 corpos sob os escombros.

O secretário, que está em Jamapará, sobrevoou a região antes de aterrissar. A vista foi desanimadora. Diversos outros pontos de deslizamentos puderam ser vistos no trajeto. Simões relata ter se deparado com encostas de diversos portes com rasgos deixados pela terra que desceu dos morros. “Na margem de Além Paraíba (MG), também há inúmeros pontos de deslizamento, é uma enormidade. Há uma ferrovia que escoa minério de ferro interrompida em, pelo menos, 10 pontos por causa da terra”, conta Simões.

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No sobrevoo, o secretário pôde perceber que há outras localidades em Sapucaia em situação semelhante a do distrito de Jamapará. A ocupação perto de encostas é disseminada pelo local: “Toda encosta é suscetível a escorregamento. E encosta ocupada sem projeto de geotécnica configura risco muito grande”, diz. Ainda segundo Simões, a cada ano o cenário fica mais propício a deslizamentos por causa da dificuldade de controlar a ocupação, da falta de drenagem e dos taludes cortados.

Simões ficará em Jamapará até terminar de encontrar todos os corpos. Segundos vizinhos, faltam ainda cerca de 10 pessoas. A expectativa é de que até, no máximo, quinta-feira os trabalhos terminem. Durante esta tarde choveu na região, o que deixou a lama mais pesada e o trabalho mais complexo. “A água agrava o risco. Ainda é uma área de instabilidade. O talude é grande e, no evento original, começou um processo de escorregamento e parou. Esse material (a terra do morro) pode voltar a escorregar”, afirma. Bombeiros e agentes da Defesa Civil trabalham atentos aos novos riscos. Há observadores antenados a qualquer chance de novos deslizamentos. “Qualquer coisa, sairemos do terreno. Mas não temos muita alternativa. Afinal, há gente embaixo da lama”, explica Simões.

Cerca de 50 casas voltadas para a encosta foram desocupadas. Aproximadamente 200 pessoas tiveram de ir para o abrigo ou para residência de parentes. Além da terra, a encosta é formada por pedras – algumas já rolaram sobre as casas na segunda-feira. “São pedras de grande porte e muita terra. A chuva permanece e, na medida em que o solo fica saturado, aumenta a chance de escorregamento. Tivemos que evacuar as casas”, explica Simões.

Reconstrução – Em uma perspectiva realista, não é seguro esperar que, ao longo de 2012, os danos causados às cidades alagadas no Norte e no Noroeste do Rio estarão reparados. “É preciso ser humilde e reconhecer que não é possível fazer um projeto em seis meses. O Japão se reconstrói rápido porque a tradição naquele país, como na Europa, é de ter projetos, e a revisão periódica desses planos. Quando algo é destruído, eles sabem o que será preciso fazer. Esse é um investimento esquecido no Brasil”, diz o professor da Coppe.

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Quando os projetos de reconstrução e contenção dependem de levantamentos complexos, injetar dinheiro não é necessariamente sinônimo de ter o trabalho pronto com mais rapidez. Na região serrana do Rio, a força da tragédia de janeiro de 2011 alterou o curso de rios, e foi necessário tomar conhecimento da nova geografia da região. “O estudo de um rio é algo que dura um ano. Não adianta colocar equipes imensas, esse trabalho não pode ser feito às pressas. Costumo dizer que três mulheres juntas não são capazes de gerar uma criança em três meses. Cada uma delas leva, necessariamente, nove meses para o trabalho”, compara Paulo Canedo.

Desalojados- Segundo a Defesa Civil do Rio de Janeiro, há, nesta terça-feira, 8.608 desalojados no estado. O número de desabrigados é de 3.402 pessoas. O total de moradores que tiveram de deixar suas casas por causa das chuvas diminui na comparação com segunda-feira, quando a quantidade chegava a 13 mil fluminenses. Agora são 11.650. Nesse balanço, não foi incluída a cidade de Sapucaia.

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