Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Caso Tayná: o retrato dos homicídios sem solução no Brasil

Passados dez meses do assassinato que chocou o Brasil e abalou a cúpula da Polícia Civil do Paraná; o crime ainda continua um mistério e deve entrar para as estatísticas de homicídios não resolvidos no país

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 27 abr 2014, 10h12

No caminho de volta para casa, a menina Tayná Adriane da Silva, de 14 anos, costumava passar em frente a um parque de diversões recém-montado na cidade de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. No dia 25 de junho, a jovem percorreu o mesmo trajeto, mas não chegou em casa. Três dias depois, ela seria encontrada morta em um poço nas proximidades do parque. Passados dez meses, o crime ainda continua um mistério e deve entrar para a vergonhosa estatística de homicídios não solucionados no país. Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público, apenas 12,6% dos inquéritos referentes a homicídios abertos em 2009 foram concluídos até este mês. Isto é, inquéritos que resultaram efetivamente em denúncias encaminhadas à Justiça. Arquivamentos ou desclassificações, quando o promotor entende que não se trata de homicídio, mas de suicídio, por exemplo, também entram neste rol.

A adolescente Tayná Silva
A adolescente Tayná Silva (VEJA)

Além de ter chocado o país, o caso Tayná também evidenciou vícios há muito arraigados na cultura das polícias brasileiras, como a prática da tortura nas delegacias, disputas internas entre as corporações, pressa em apontar culpados diante do apelo popular, precariedade nas perícias e falhas na polícia científica. Quando esses problemas vieram à tona com o desdobramento das investigações, instaurou-se uma crise na cúpula da Polícia Civil do Paraná que pode até respingar na campanha à reeleição do governador Beto Richa (PSDB). Entre junho e abril deste ano, foram trocados o secretário de Segurança Pública do Estado, o delegado-geral da Polícia Civil e três delegados que passaram pelo caso, sendo que um deles foi preso junto com outros 13 policiais acusados de tortura.

Em março deste ano, o atual delegado encarregado das investigações, Cristiano Quintas, pediu a sexta prorrogação no prazo de conclusão do inquérito – cada solicitação dessas é válida por trinta dias e pode ser feita sem limites. O delegado-geral da Polícia Civil do Paraná, Riad Braga Farhat, disse que o crime pode nunca ser resolvido. “Nós vamos fazer o possível, mas podemos não conseguir. Pode ser que não chegue a uma elucidação. No mundo inteiro há casos em que a polícia não consegue elucidar”, disse o delegado, em entrevista à TV Bandeirantes. A assessoria da Polícia Civil confirmou as declarações, mas disse que Farhat foi mal interpretado.

O Mapa da Violência 2013 cita uma pesquisa da Associação Brasileira de Criminalística para exemplificar o problema dos homicídios sem solução no Brasil. A entidade reuniu os inquéritos de homicídio instaurados até 2007 e concluiu que apenas 8% dos assassinatos no país foram resolvidos, índice baixíssimo se comparado ao de outros países, como Estados Unidos (65%), França (80%) e Reino Unido (90%).

Entenda o caso – Na mesma semana em que Tayná foi dada como desaparecida, a Polícia Civil prendeu quatro suspeitos, com idade entre 22 e 25 anos. Eles eram funcionários do parque e foram presos após a polícia receber uma denúncia anônima e analisar imagens de câmeras instaladas na rua. Em uma delas, Tayná é vista caminhando em direção ao parque. Em outra, mais à frente, ela não aparece mais. No ponto cego do alcance das duas câmeras, ficava o parque. Os investigadores, então, levantaram a lista dos funcionários e chegaram aos quatro homens.

Continua após a publicidade

À Polícia Civil, os suspeitos confessaram o crime. Em imagens gravavas pela afiliada do SBT, eles relataram, sem escrúpulos e com detalhes, que agrediram a menina, estupraram-na um por um – até mesmo depois de morta – e a enterraram. Na ocasião, o corpo ainda não havia sido encontrado. Mas a crueldade e morbidez dos depoimentos já eram suficientes para gerar comoção em todo o Estado. No mesmo dia, 400 pessoas foram até o parque e atearam fogo no local. A Polícia Militar e os bombeiros ainda chegaram a intervir, mas o estrago já estava feito. O parque foi quase inteiramente destruído.

Nas buscas pelo corpo no dia seguinte às prisões, apareceu a primeira contradição nas investigações. O cadáver foi encontrado imerso na água de um pequeno poço, e não enterrado como haviam confessado os suspeitos. Depois disso, veio a segunda incongruência: laudos da Polícia Técnico Científica indicaram que a menina não havia sofrido abuso sexual. A primeira perita a examinar o corpo, Jussara Joeckel, afirmou que não havia marcas de violência no cadáver, além daquela que havia causado a morte: estrangulamento por um cadarço enrolado no pescoço. A partir daí começou uma queda de braço entre a Polícia Científica e a Polícia Civil.

Mas a reviravolta no caso só viria um mês depois, quando o Ministério Público do Estado abriu um inquérito para apurar denúncias de que os suspeitos haviam confessado sob tortura. Na ocasião, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, Juliano Breda, chegou a afirmar que eles “foram espancados, sufocados, eletrocutados e até abusados sexualmente”. Após a revelação, os suspeitos se tornaram vítimas e os acusados, suspeitos. Os quatro funcionários do parque foram liberados e colocados em um Programa de Proteção a Testemunhas. No mesmo momento, quatorze policiais foram presos, entre eles o delegado Silvan Rodney Pereira, responsável por comandar as investigações.

Apesar de soltos, os quatro homens ainda são suspeitos do crime e não foram inocentados. Já os policiais ficaram encarcerados durante três meses e tiveram a prisão revogada pela Justiça por causa do excesso de prazo requerido às investigações. Mesmo assim, eles continuam respondendo pelas suspeitas de tortura e estão impedidos de se aproximarem das partes envolvidas no caso – os policiais alegam que os funcionários foram agredidos em retaliação ao assassinato e não com o objetivo de conseguir a confissão do suposto crime.

Outro golpe desferido contra a linha de investigação inicial foi o resultado dos DNAs obtidos nos laudos do Instituto Médico Legal. O material genético presente no sémen encontrado nas roupas íntimas de Tayná não bateu com o de nenhum dos acusados. Com o impasse, os investigadores passaram a recolher DNA de todo mundo que pudesse ser considerado suspeito. Mais de oitenta pessoas foram intimadas a fornecer o material genético, incluindo o delegado Pereira e o dono do parque, mas nenhum deu resultado positivo. Os defensores da primeira versão policial alegam que é impossível determinar de quem é o DNA porque ele foi danificado pela água e barro do local onde o cadáver foi encontrado.

Continua após a publicidade

Exumação – Em agosto do ano passado, o corpo da menina foi exumado com o objetivo de avaliar se houve estupro ou não. O resultado do procedimento ainda não foi divulgado porque o caso corre em segredo de Justiça. Após as reviravoltas nas apurações, tanto o Ministério Público do Estado como a Polícia Civil se declararam impedidos de comentar o assunto.

Diante da indefinição nas investigações, a família contratou um advogado para defender o seu ponto de vista – eles sustentam a primeira versão da Polícia Civil, e afirmam que os quatro funcionários foram os autores do crime. Se o caso não chegar a um desfecho, o defensor Luis Gustavo Janiszewski já avisa que moverá uma ação contra o governo. “O caso foi contaminado por uma briga de instituições e questões políticas. Já vi casos com muito menos provas irem a júri. Por que esse ainda não foi?”, questiona o advogado.

Já o presidente da Associação Brasileira de Criminalística, Bruno Telles, destaca que se a Polícia Científica no Paraná não tivesse certa autonomia frente a Polícia Civil o caso já estaria encerrado com “quatro inocentes presos e os criminosos soltos”. “A Polícia hoje é muito dependente da confissão. Por isso, a perícia deve ser independente e não pode ser pressionada pelos delegados para corroborar teses. A pressão em culpar o suspeito não pode influenciar nos exames científicos”, afirmou.

O Relatório Global sobre Homicídios da ONU, divulgado neste mês, informou que 50.000 pessoas foram mortas no país em 2012, o que equivale a 10% do total de homicídios registrados no mundo. Segundo a especialista em Segurança Pública do Instituto Sou da Paz Carolina de Mattos Ricardo, uma das causas para essa alta taxa é justamente a impunidade, ou seja, a sensação de que os culpados não serão punidos. “Se nós mostramos à sociedade que nenhum homicida fica impune, passamos um recado que esse tipo de crime não é aceito, e as taxas de homicídio tendem a cair”, avalia.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.