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‘Candidatos devem evitar compromissos que resultem em baixo crescimento’

Ex-secretário da Fazenda, Bernard Appy diz que o país precisa mudar a estrutura fiscal para voltar a crescer e faz um alerta aos presidenciáveis sobre os ajustes necessários na economia em 2015

Por Talita Fernandes
21 jul 2014, 08h46

As expectativas de baixo crescimento econômico – mísero 1% para este ano -, e de inflação na casa dos 6% fazem da área econômica o calcanhar de Aquiles do governo Dilma Rousseff, que tentará a reeleição. Os dois principais adversários, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), têm feito promessas de reduzir a inflação para o centro da meta, de 4,5%, cortar gastos públicos e pôr o país numa trajetória de crescimento consistente. Dentro desse cenário, o economista da LCA Consultores e ex-secretário-executivo da Fazenda Bernard Appy afirma que os candidatos têm de tomar cuidado para não se comprometer com promessas que podem piorar ainda mais o cenário. “O que precisamos fazer no Brasil é enfrentar as escolhas e dizer que se for aumentar gasto em um setor será necessário cortar gastos em outro”, diz. Para ele, medidas que implicam em aumento de custo para o Estado sem explicar de onde virá o dinheiro são meramente “populistas”. Leia a entrevista ao site de VEJA.

Do ponto de vista econômico, o que o senhor acha que deve estar na agenda dos presidenciáveis? O que eu não gostaria é que os candidatos assumissem compromisso de natureza populista, que resultará na economia crescendo menos no longo prazo. Medidas que sinalizam aumento de gastos sem sinalizar de onde eles virão são sustentáveis no longo prazo. O que precisamos fazer no Brasil é enfrentar as escolhas e dizer que se for aumentar gasto em um setor será necessário cortar gastos em outro. O Brasil tem uma estrutura de política fiscal que conspira para o baixo crescimento. Temos uma parcela enorme de gastos rígidos e, por conta disso, quando há período de crescimento da economia e, consequentemente, aumento da arrecadação, acaba-se criando espaço para ampliar gastos que não são reversíveis no futuro. Em contrapartida, no momento em que a economia desacelera e os gastos são mantidos, o ajuste é feito via aumento de carga tributária e redução de investimento. Nossa estrutura de política fiscal faz com que ao longo do tempo haja uma carga tributária crescente e um nível de investimento público baixo e isso faz com que a economia cresça menos. Eu acho que esse deveria ser um tema central no debate das discussões das campanhas eleitorais. Na campanha eleitoral, geralmente se discute o aumento de gastos e não onde será feito o ajuste para liberar espaço fiscal.

Perfil

BERNARD APPY

Economista, formado pela Universidade de São Paulo, Appy ocupou os cargos de secretário-executivo e de política econômica do Ministério da Fazenda, período durante o qual tentou promover mudanças na estrutura tributária do país. O economista também já passou pela BM&FBovespa e presidiu o Conselho de Administração do Banco do Brasil. Atualmente é diretor da LCA Consultores, em São Paulo.

Quais são exemplos desses gastos rígidos? Um exemplo bem claro disso é essa decisão recente de alocar 10% do PIB para a educação sem haver qualquer avaliação de onde virão os recursos. Ninguém é contra a educação. Agora, quando se diz que se vai alocar 10% do PIB para educação sem dizer de onde virão os recursos, não vai ter de onde cortar as despesas porque elas já são muito rígidas. Com isso, tal proposta terá de ser cumprida com o aumento de carga tributária ou por meio do corte de investimentos. Uma política bem intencionada – de aumentar os recursos na educação – pode significar, no longo prazo, menor nível de investimento, maior nível de carga tributária e, possivelmente, uma menor taxa de crescimento do PIB no país. No longo prazo pode ser até que, por conta de um PIB menor, haja um gasto menor com educação do que se houvesse uma política mais voltada para o crescimento. Essa é uma discussão que não é feita no Brasil.

O atual modelo de reajuste do salário mínimo também é um gasto rígido. Como corrigir isso? Como o salário mínimo é um fator muito importante em termos de gastos públicos, e como o salário mínimo hoje, proporcionalmente ao salário médio da economia, está em um nível alto comparativamente a outros países, acho que está na hora de rever a politica de reajuste. O que é possível fazer é vincular o aumento do salário mínimo ao aumento do salário médio da economia. Isso significa dar um aumento real para o salário mínimo, mas um aumento menor do que o que vem sendo dado com a vinculação ao PIB. Às vezes uma política que parece bem intencionada, como dar um reajuste grande real para o salário mínimo, ela parece positiva no curto prazo, mas se gera um efeito relevante sobre as contas públicas, ela pode ter um efeito de longo prazo de resultar em menor crescimento da economia.

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Uma reforma tributária no primeiro ano de governo está na agenda dos dois candidatos de oposição, contudo, eles ainda não detalharam como isso será feito. Quais os principais pontos que têm que ser apresentados? Acho que o foco principal da reforma tributária é hoje eliminar distorções que existem no país. Para dar um exemplo, nós temos um nível enorme de contencioso tributário, ou seja, de disputa tributária entre as empresas e o Fisco. Isso é resultado de uma legislação tributária complexa e imprecisa que temos no país. É preciso reduzir esse contencioso. Há um custo enorme para as empresas e também um custo grande para o governo na defesa de seus interesses. Isso cria insegurança para as empresas e elas acabam fazendo um investimento menor e, para investir passam a exigir um ganho maior, fazendo com que o consumidor pague a conta. Além disso, é preciso simplificar o ICMS e definir como serão resolvidos os incentivos da guerra fiscal, que são ilegais. Seria importante também incluir uma reforma do Imposto de Renda no Brasil. A maior parte dos países está reduzindo a alíquota do Imposto de Renda sobre as empresas e o Brasil tem uma alíquota elevada, de 34%. Isso criaria um ambiente de negócios melhor e mais favorável no país. Há uma série de outras questões mais técnicas da legislação tributária que teriam que ser tornadas mais simples para reduzir o grau de disputa entre empresas e o Fisco.

O primeiro ano de governo é um ano de ajustes, caso de 2015. Como fazê-los sem piorar a expectativa econômica, prejudicando ainda mais o crescimento? O ideal seria corrigir as tarifas que estão represadas logo no início do governo. Isso vai levar a um aumento da inflação e, provavelmente, exigirá um aumento da taxa de juros. Para evitar que essa situação provoque uma piora de expectativas, que pode comprometer o crescimento nos anos seguintes, é preciso sinalizar um ajuste fiscal consistente no longo prazo, que precisa ser percebido como crível e realizável. E, claro, o governo tem que cumprir aquilo com o que ele se comprometeu. É preciso também promover uma agenda de reformas como do modelo previdenciário, de modo a reduzir o ritmo de crescimento das despesas previdenciárias. Com isso, vai se criar um clima e uma perspectiva de que a trajetória de longo prazo do país é positiva, o que gera um clima favorável ao investimento.

O que o senhor acha sobre o fim do fator previdenciário? O assunto começou a aparecer como propostas em análise por alguns candidatos. Eu sou radicalmente contra simplesmente eliminar o fator previdenciário. Isso significa aumentar os gastos do governo de uma forma relevante. A previdência já tem uma trajetória muito forte de aumento de despesas devido ao envelhecimento da população. E o fator previdenciário é uma forma de compensar parcialmente o impacto fiscal dessa trajetória. O que eu acho que precisa ser feito no Brasil é introduzir uma idade mínima de aposentadoria. O que acontece hoje é que as pessoas que se aposentam por tempo de contribuição se aposentam extremamente cedo, os homens com 55 anos e as mulheres com 52 e 53 anos. Idades em que as pessoas têm plenas condições de trabalhar. Eu considero socialmente injusto que a sociedade como um todo tenha de financiar um benefício previdenciário de uma pessoa em condições de trabalhar. Se houver uma idade mínima, o fator deixa de ser relevante e torna-se desnecessário. Agora, retirar o fator previdenciário sem colocar uma idade mínima é uma medida populista que certamente vai ter consequências fiscais relevantes no longo prazo.

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Apesar de já estarmos vivenciando uma situação de baixo crescimento há algum tempo, ainda temos taxas confortáveis de desemprego. Até quando tal cenário não influenciará o mercado de trabalho? Provavelmente 2015 vai ser um ano de piora na situação do desemprego porque é um ano que vai requerer um ajuste macroeconômico. Mesmo que tal ajuste não fosse feito, nós já estamos numa trajetória de baixo crescimento que só não se refletiu no aumento na taxa de desemprego porque tem menos gente querendo trabalhar hoje em dia. A população economicamente ativa está crescendo muito pouco no Brasil. Até por bons motivos, os jovens estão preferindo estudar mais em vez de entrar mais cedo no mercado de trabalho. Contudo, acho que a piora que virá não é uma situação desesperadora. Acho que com o ajuste macroeconômico gera uma piora na taxa de desemprego, mas, se for criado um ambiente positivo para o crescimento nos anos seguintes, o emprego tende a se recuperar rapidamente.

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