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Brasília: os riscos dos prédios públicos sem alvará

Órgãos do Executivo dizem que autorização é desnecessária, mas MP contesta. Especialista vê perigos até na estrutura do plenário usado por deputados

Por Marcela Mattos e Gabriel Castro, de Brasília
2 nov 2013, 13h30

Uma boa demonstração da incapacidade do governo em resolver problemas complexos é o fato de de que ele não consegue resolver problemas simples. Em Brasília, há um exemplo concreto: boa parte da Esplanada dos Ministérios funciona sem alvará e apresenta instalações inadequadas. Os problemas são antigos, mas ficaram evidentes no último dia 24 de outubro, quando um incêndio no subsolo do Ministério das Comunicações causou pânico e levou dezesseis pessoas ao hospital, com início de intoxicação por fumaça.

O incidente teve origem quando os fios de uma subestação de energia que fica sob o prédio superaqueceram. O alarme não funcionou. Os brigadistas do edifício tiveram de percorrer os nove andares, sala por sala, pedindo que os funcionários deixassem o local. A fumaça tóxica já se alastrava pelas escadas quando o prédio foi esvaziado.

Em fevereiro deste ano, outro princípio de incêndio atingiu o mesmo prédio. Há um ano, um caso mais grave: um funcionário morreu no Ministério do Esporte, quando a subestação do prédio explodiu. Episódios similares já aconteceram em outros prédios da Esplanada. Não são, portanto, uma exceção.

Brasília foi construída por meio de uma brecha na legislação para tornar viável e rápida a inauguração da cidade, erguida em apenas três anos. Para desburocratizar o processo de construção dos edifícios, o governo de Juscelino Kubitschek providenciou a revogação de uma norma que exigia as documentações básicas para o estabelecimento poder funcionar – equivalentes ao alvará de construção, de funcionamento e ao habite-se.

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À época, o argumento para dispensar a documentação poderia até ser plausível. No entanto, 53 anos após a fundação da capital do país, alguns órgãos recorrem às leis do governo Kubitschek para justificar a situação irregular: “O Ministério do Desenvolvimento Agrário não tem o documento, pois não existia a obrigação de alvará de funcionamento”, argumentou a assessoria da pasta comandada pelo ministro Pepe Vargas.

O site de VEJA consultou todos os ministérios sobre a condição de seus prédios. Poucos afirmaram ter algum tipo de documentação. Nenhuma pasta apresentou a Licença de Funcionamento exigida pela legislação.

Vistorias – No Distrito Federal, a lei número 4.457, de 2009, prevê como requisito para a autorização de serviços institucionais e o exercício de atividades econômicas com ou sem fins lucrativos a aquisição da Licença de Funcionamento – justamente a documentação dispensada pelas autoridades. O documento serve como garantia legal de que o local teve as normas de segurança atestadas.

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O Ministério do Planejamento justifica a dispensa da Licença de Funcionamento: diz que a documentação se aplica apenas a estabelecimentos comerciais. Mas, pela lei em vigor, as exigências para a concessão da autorização são realizar atividades com ou sem fins lucrativos e serviços institucionais. “O mínimo seria isso: alvará de construção, habite-se e, depois, para funcionar, alvará de funcionamento. A lei não exclui ninguém”, diz o promotor Dênio Moura, da Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do Distrito Federal. Mas o governo federal parece não se preocupar em seguir a lei local. “Essa falta de regularização foi constatada já na década de 1980. O problema continua até hoje e o que a gente percebe é que há uma longa história de ignorância de leis básicas da cidade”, diz Frederico Flósculo, professor de urbanismo da Universidade de Brasília.

Sem a documentação, os ministérios funcionam amparados em vistorias realizadas pelo Corpo de Bombeiros, que observam principalmente as adequações em relação à prevenção e ao combate ao incêndio. Durante as averiguações, é comum os profissionais encontrarem irregularidades nos edifícios, mas o longo prazo para a reparação das inconformidades permite que eles permaneçam de portas abertas enquanto consertam o problema. De acordo com a corporação, os órgãos são averiguados pelo menos uma vez por ano.

“Em vez de regularizar e resolver a situação, os estabelecimentos dão um jeito de manter a desregularização”, afirma o promotor Dênio Moura. “O problema é que nunca resolvem. Até seriam admissíveis funcionamentos provisórios, mas desde que houvesse um prazo determinado e que as coisas fossem feitas.”

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O Ministério Público do Distrito Federal também não tem um levantamento oficial da situação dos prédios da Esplanada dos Ministérios. Mas reconhece que os problemas existem – e são históricos: “A questão da falta de alvará é a ponta do iceberg. Há uma cultura de descumprimento de lei em Brasília, e é uma cultura impregnada que chama atenção por aqui ser a capital da República”, afirma Moura.

Mudanças constantes nas leis, a confusão sobre as atribuições dos órgãos locais e federais, o tombamento de Brasília e a arquitetura peculiar de Oscar Niemeyer tornam mais difícil a resolução dos problemas estruturais. A sobrecarga de instalações elétricas – quando os prédios foram construídos, não existiam computadores – aumenta os riscos. O inchaço na equipe ministerial, composta de 39 pastas, também levou o governo a alocar dois ou três ministérios em um mesmo prédio, o que elevou o número de pessoas trabalhando juntas nos mesmos espaços.

Os órgãos locais se atrapalham com a fiscalização. A assessoria de imprensa da Administração de Brasília diz que a atribuição de conceder as autorizações de funcionamento dos prédios federais é da Secretaria de Patrimônio Urbanístico (SPU), vinculada ao Ministério do Planejamento. A SPU, por sua vez, afirma que esse papel cabe à administração do DF.

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O Corpo de Bombeiros alega que checa o preparo dos prédios para situações de emergência, mas não lidam com a emissão de alvarás. A Agência de Fiscalização do governo distrital, que teria a atribução de cobrar a apresentação das licenças, concentra esforços em vistoriar estabelecimentos comerciais.

Câmara – Os problemas não atingem apenas o executivo: o prédio principal Câmara dos Deputados não possui sequer habite-se. E a adequação do plenário às normas de segurança seria trabalhosa. O local possui 392 cadeiras. Mas, em dias de sessão do Congresso, são quase 600 parlamentares reunidos, com pelo menos cem assessores e jornalistas misturados a deputados e senadores.

O local onde os deputados se reúnem tem uma única saída – obstruída por uma parede que, em caso de emergência, quando normalmente a energia é interrompida e a fumaça prejudica a visão, dificultaria a evacuação do local. As outras duas portas disponíveis mal seriam suficientes para que duas pessoas passassem ao mesmo tempo.

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A falta de janelas, o piso e as paredes revestidas de carpetes e as fileiras de cadeiras, que prejudicam a movimentação, compõem um cenário de risco, de acordo com o professor Airton Bodstein de Barros, coordenador da Pós-Graduação em em Defesa e Segurança Civil da Universidade Federal Fluminense (UFF). O especialista lembra que, em caso de incêndio o local precisaria ser evacuado em cinco minutos para evitar consequências mais graves E diz que, enquanto não resolve as irregularidades, a Câmara pode agir de forma preventiva: “É importante que se faça, nesses casos, um simulado de evacuação”, afirma.

Desde fevereiro, impulsionada pela tragédia na Boate Kiss, quando um incêndio resultou na morte de 242 jovens, a diretoria da Câmara tem se reunido com o Corpo de Bombeiros para avaliar as adequações necessárias para cumprir as regras de controle de incêndio e pânico. De acordo com a assessoria de imprensa da Casa, algumas obras foram realizadas, como a colocação de sinalizadores e portas corta-fogo, e outras passam por adequações para se ajustar ao tombamento da cidade. A expectativa é que o habite-se seja concedido em 2016.

Mais problemas – Outras construções da área central de Brasília estão irregulares. Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o Teatro Nacional, inaugurado em 1961, não tem o alvará de funcionamento. O Ministério Público chegou a recomendar a suspensão das atividades no local, mas os espetáculos continuam acontecendo com normalidade por causa do prazo concedido pelo Corpo de Bombeiros para a reparação dos problemas.

As irregularidades, no entanto, não são exclusivas às primeiras construções da capital federal. Inaugurado em maio deste ano para sediar a abertura da Copa das Confederações, o Estádio Nacional de Brasília funciona sem habite-se ou alvarás. Também nesse caso o Ministério Público interviu cobrando a regularização, mas o governo do Distrito Federal ainda não apresentou prazos para cumprir as normas. A arena, atualmente, funciona por meio de alvarás eventuais.

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