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Avesso a críticas, governo Lula vê imprensa livre como adversário

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 20 set 2010, 20h48

A escalada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu partido, o PT, na vida política brasileira é fruto da redemocratização. Foram as garantias à liberdade de expressão que permitiram, por exemplo, que Lula se apresentasse como alternativa nas eleições estaduais de 1982 e, nove anos depois, na disputa presidencial. A imprensa livre foi – e continua a ser – personagem fundamental para a construção e manutenção desse ambiente democrático. Nos jornais, revistas e na TV, os petistas expuseram de forma livre – e muitas vezes irrazoável e até violenta – toda a sua insatisfação com os sucessivos governos, sem, contudo, sofrer represálias por fazê-lo. Nessas ocasições, valeu sempre o respeito ao princípio da livre expressão. Por isso, não pode passar despercebido o fato de que, alçado ao poder, Lula e o PT concentraram artilharia pesada contra a imprensa livre, pilar da democracia, buscando miná-la. Em oito anos de governo, foram várias as tentativas de cercear a atividade jornalísta – confira reportagem a respeito.

Para iluminar o assunto, e analisar sua importância em perspectiva – passada e futura -, o site de VEJA ouviu dois especialistas atentos à questão das relações entre governo e imprensa: Luiz Motta, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia da Universidade de Brasília (UnB), e Demétrio Magnoli, sociólogo do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). O primeiro chama a atenção para o fato de que a desconfiança do PT em relação à “mídia burguesa” levou o governo a adotar uma estratégia de isolar o presidente dos jornalistas – e, assim, afastar críticas ou questionamentos incômodos ao Planalto. É justamente a aversão à divergência que faz o PT, segundo Magnoli, enxergar a imprensa livre como um adversário a ser batido em campo de batalha. Os petistas, diz o sociólogo, prefeririam ter os jornalistas como vassalos, daí a tática de cercear a imprensa livre e financiar seu arremedo governista. Confira a seguir os principais trechos da entrevistas dos dois especialistas, ouvidos separadamente pela reportagem.

Os dois mandatos do presidente Lula foram marcados por tentativas de cerceamento da imprensa livre. Atingimos um nível de tensão acima da média na história recente do país?

Luiz Motta: Sim, as relações com a imprensa no período Lula podem ser consideradas mais estressadas do que nos governos democráticos anteriores. Os dois primeiros anos da era Lula foram o período mais complicado, talvez por causa da desconfiança inicial do PT em relação à “mídia burguesa”, e deixou sequelas. Entretanto, o fator mais determinante foi uma estratégia de comunicação seguida com rigor pelo governo petista nos anos seguintes: evitar entrevistas coletivas e contatos diretos do presidente com os repórteres, que sempre trazem riscos. Especialmente, quando se tem um presidente com um discurso espontâneo como Lula.

Demétrio Magnoli: O fato novo é que o PT, principal partido governista, adotou uma tese, não essencialmente diversa da que orienta o governo de Hugo Chávez, na Venezuela, segundo a qual a imprensa é um ator partidário no jogo político – e está contra o governo. Dela resulta uma política de pressões contra a imprensa e de criação de uma imprensa governista, direta ou indiretamente financiada pelo estado. O governo Lula oscila sobre a adoção dessa política, emitindo declarações favoráveis à liberdade de imprensa com uma mão, e estimulando, com a outra, as posições de cerceamento da imprensa independente.

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Que outro presidente alimentou uma relação tão tumultuada com a imprensa?

Luiz Motta: Fernando Collor de Mello promoveu também uma relação complicada, especialmente depois que os grandes empresários e banqueiros se desiludiram e retiraram seu apoio ao governo. A imprensa passou a ser dura com Collor. Seu impeachment começou com uma entrevista-denúncia a VEJA. A imprensa atuou como instigadora política, fustigando o então presidente. A relação foi complicada.

Demétrio Magnoli: São circunstâncias históricas distintas, incomparáveis. A ditadura militar censurava a imprensa. Nos governos da redemocratização, a censura caiu e instalou-se a liberdade de imprensa. Nesse período, as autoridades nunca deixaram de se queixar da imprensa – o que é normal na democracia e serve de atestado da existência e eficácia de um jornalismo independente.

Lula lançou um canal televisivo, a TV Brasil, que custa caro e tem baixa penetração. É papel do estado gerar conteúdo televisivo para a população?

Luiz Motta: Não é papel do estado gerar programação de conteúdo nem competir no mercado publicitário. A TV Brasil está toda errada, equivocada nos seus objetivos, sua programação é péssima, seu telejornalismo é fraco. Nasceu errada e segue pior.

Demétrio Magnoli: Esse é um bom debate, sobre o qual não tenho posição fechada. Não sou contra TVs públicas, de caráter educativo. Sou contra um jornalismo subordinado diretamente ao Poder Executivo, como faz a TV Brasil. São coisas bem distintas.

Na América Latina, há outros governos que atuam de forma a cercear a livre atuação da imprensa. O Brasil está se alinhando a esse grupo?

Luiz Motta: Não vejo esta situação na América Latina. Há uma relação tensa na Venezuela, onde a mídia, por um lado, participou de uma tentativa de golpe de estado, e o governo de Hugo Chávez, por outro, tenta calar todos os meios que se opõem a ele. Houve uma radicalização das relações, refletindo a radicalização política geral do país, o que é muito ruim para a democracia. O governo argentino tomou algumas iniciativas recentes que causaram reação na imprensa, mas há liberdade de expressão naquele país. Nos demais países, incluindo o Brasil, vejo normalidade democrática e os jornalistas trabalhando normalmente. Casos episódicos ocorrem em qualquer democracia. Não há democracia sem liberdade de imprensa, mas também não há liberdade de imprensa sem atritos.

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Demétrio Magnoli: Sim, é um momento singular. O núcleo da tensão encontra-se no processo da chamada “revolução bolivariana” na Venezuela. Sob Chávez, o estado venezuelano passou a rejeitar doutrinariamente o princípio da pluralidade política – que é a fonte do princípio da liberdade de imprensa. O impulso chavista manifesta-se desigualmente em diferentes países. No Brasil, exerce forte influência sobre o eixo organizador do PT, que mal esconde sua aversão à pluralidade política e, não por acaso, celebra a ditadura cubana. Contudo, felizmente, há no Brasil uma forte resistência institucional a aventuras antidemocráticas. Tal resistência ajuda a entender por que o governo Lula não se curvou à vontade majoritária do PT de cercear praticamente a imprensa independente.

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