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Para alcançar resultados práticos, manifestantes terão de entrar no jogo político

Nesta terça-feira, será a prova de fogo das manifestações que reuniram milhares de pessoas em dezenas de cidades para protestarem contra a corrupção

Por Branca Nunes
20 set 2011, 14h37

Para que as demandas sejam atendidas, o movimento terá de encontrar, dentro dos partidos que hoje repudia, quem esteja disposto a carregar essa bandeira

A partir das 17h desta terça-feira, a Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, volta a assumir um papel na história da política brasileira. Foi lá que, em 26 de junho de 1968, cerca de 100 mil pessoas se reuniram para protestar contra a ditadura militar, compondo o que é, ainda hoje, o maior protesto contra o regime autoritário que se instalou no país pré-AI-5. E é lá que, neste 20 de setembro, se dará a prova de fogo das manifestações que, no último dia 7, reuniram milhares de pessoas em dezenas de cidades para protestar contra a corrupção no Brasil. O evento desta noite é determinante para saber que rumos tomará esse movimento – se ele vai continuar crescendo, ou definhar.

Se o movimento progredir, logo terá de enfrentar um dilema. No feriado da Independência, os manifestantes rejeitaram qualquer ligação com partidos políticos, sindicatos e ongs, reunindo-se de maneira espontânea pelas redes sociais e deixando escancarada a perda de legitimidade daquelas organizações. Mas, para ser mais que um grito de indignação e alcançar resultados práticos, eles terão de aderir, em alguma medida, às regras do jogo político. Terão de encontrar, dentro dos partidos que hoje repudiam, quem esteja disposto a carregar sua bandeira. Ou eleger seus próprios líderes e representantes. Ou ainda, num caso extremo, dar origem a um novo partido. Esse é um dilema clássico das manifestações que nascem nas ruas.

Dizer essas coisas num momento em que as pessoas parecem ter reencontrado a voz é fazer o papel de um tio cético e rabugento. Mas, a menos que se viva em uma ditadura e o objetivo da multidão seja criar do zero uma nova ordem política, como se vê atualmente nos países árabes, esse roteiro é inescapável. Pode até ser enervante, mas essa é uma das belezas da democracia (o pior sistema de governo, à exceção de todos os outros): é por meio das instituições, como partidos, Congresso e judiciário, que as mudanças para melhor têm de ser alcançadas, mesmo que lenta e pacientemente.

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“Os protestos de 7 de setembro revelam, acima de tudo, que existe uma grande desilusão com a política tradicional”, afirma o historiador Marco Antonio Villa. “Mas como mudar a realidade política, sem se fazer política? Uma coisa é criticar a estrutura existente, outra é satanizar. A questão não é dizer que ‘todos precisam sair, porque não prestam’, mas que ‘os que não prestam precisam sair'”.

No Brasil – Os mais importantes movimentos de massa da história do Brasil tiveram o amparo de partidos e políticos da oposição. O Movimento das Diretas Já, por exemplo, criado para servir de apoio ao projeto de lei do deputado Dante de Oliveira – que propunha o restabelecimento das eleições diretas para a Presidência da República -, foi abraçado por Tancredo Neves, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, além de dezenas de outros protagonistas da política nacional. Mesmo com a derrota da emenda no Congresso, as Diretas foram consideradas vitoriosas por fazerem com que a população recuperasse a voz.

“Diferente do que acontece hoje, era um movimento que tinha uma proposta bem definida”, observa o cientista político Otaciano Nogueira, ao comparar as Diretas às manifestações de 7 de setembro. “Havia uma diretriz e o apoio de políticos. A automobilização é possível, mas não é duradoura. Pode até existir uma combustão espontânea, mas é necessário que algum partido levante a bandeira e a leve adiante”.

Em 1992, o amparo da União Nacional dos Estudantes (UNE), de partidos e políticos foi fundamental para o sucesso dos caras-pintadas, que levaram ao impeachment de Fernando Collor de Mello. Mesmo repudiando a partidarização do movimento, ela era inegável. As principais entidades civis do país (OAB, CNBB, UNE, UBES e centrais sindicais) deram início ao “Movimento pela Ética na Política” e o Congresso se sentiu pressionado pela opinião pública. Lindberg Farias, então presidente da UNE, foi um dos líderes do movimento – e iniciou ali uma carreira política que fez dele deputado federal pelo PT.

Também foi graças à pressão da opinião pública que os deputados brasileiros decidiram levar adiante no Congresso a votação da Lei da Ficha Limpa. Tanto políticos de partidos de oposição, como Índio da Costa (ex-DEM), quanto governistas como José Eduardo Cardoso (PT) abraçaram a ideia – o que foi fundamental para sua aprovação.

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No mundo – O Tea Party, a ala ultraconservadora da direita americana, é a prova de que, mesmo nas democracias mais consolidadas do mundo, partidos e instituições enfrentam a desconfiança e a rejeição da população. Apesar do nome, o movimento não tem um partido próprio. O que seus milhares de ativistas procuram é impor uma nova agenda ao “velho e bom” Partido Republicano. Em localidades onde as lideranças republicanas tradicionais não se mostram inclinadas a adotar essa agenda, os simpatizantes do Tea Party se articulam para substitui-los por seus próprios quadros. Em outras palavras, eles não se sentem representados pelas instituições políticas, mas tentam recriar uma delas à sua imagem e semelhança.

Autor de uma série de estudos sobre a democracia, o cientista político americano Adam Przeworski revisitou, num livro recente, as opiniões de diversos autores sobre qual o papel do povo entre os períodos eleitorais. “Há quem diga que, numa democracia, as eleições são a única hora em que o povo deve se manifestar”, escreve o autor. Não é preciso ser rabugento a esse ponto. Até aquele tio cheio de ceticismo mencionado no terceiro parágrafo deste texto pode acreditar que, em certas circunstâncias, a “voz das ruas” é necessária para liberar as engrenagens políticas emperradas ou corrompidas.

Num país como o Brasil, em que a oposição encolheu numericamente e perdeu combatividade, essa voz pode ser mesmo indispensável. “A ausência de oposição é a prova de que as instituições democráticas não estão consolidadas no Brasil”, afirma Villa. “Existe uma cultura que vem da época da ditadura militar que dissemina a ideia de que ser oposição, é fazer oposição ao país”.

Usando nariz de palhaço, vestindo roupas negras ou verdes e amarelas, as multidões de descontentes desfraldaram bandeiras do Brasil e cantaram o Hino Nacional no 7 de Setembro. Os milhares de brasileiros que saíram às ruas sabiam apenas que havia chegado a hora do “basta”. As manifestações desta terça-feira mostrarão se está a caminho uma possível primavera brasileira.

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